Ecologia integral

A deficiência como um dom: um apelo à reconstrução da humanidade

A deficiência é revelada como um dom que apela à reconstrução da humanidade com base na ternura e na inclusão, face a uma cultura que despreza a fragilidade. Testemunhos como os de Andrea e José María mostram como a fé e a comunidade transformam a nossa maneira de ver as coisas.

Javier García Herrería-14 de julho de 2025-Tempo de leitura: 3 acta
Papa Francisco

Papa Francisco abraça Vinicio Riva (CNS photo / Vatican Media)

O beijo de Francisco na testa coberta de tumor de Vinício Riva - o homem desfigurado pela neurofibromatose - ressoou como um manifesto silencioso. Não se tratava de compaixão: era o reconhecimento da dignidade humana encarnada numa imagem histórica. Esse gesto, que comoveu o mundo em 2013, tem as suas raízes no século IV, quando São Basílio fundou um grande complexo caritativo nos arredores de Cesareia, que incluía um hospital, uma colónia de leprosos, um flibusteiro, um hospício e um orfanato.

O trabalho da Igreja com as pessoas com deficiência não é novo, mas hoje é um farol no meio do nevoeiro de um mundo que idolatra a eficiência, a perfeição corporal e o bem-estar individualista. A recente Declaração do Dicastério para a Doutrina da Fé, "O trabalho da Igreja com as pessoas com deficiência não é novo.Dignidades Infinitas"Um critério para verificar a atenção efectiva à dignidade de cada pessoa é, evidentemente, a atenção dada aos mais desfavorecidos" (2024) proclama-o claramente. O nosso tempo, infelizmente, não se distingue por essa atenção".

Histórias verdadeiras

Num mundo que frequentemente marginaliza a fragilidade, a Igreja Católica aprofunda o seu compromisso para com as pessoas com deficiência, recordando-nos que a dignidade não depende da utilidade.

Andrea, de 29 anos, nasceu com síndroma de Down e uma doença cardíaca grave. Baptizada no quartel da paróquia de Santa Maria de Caná, em Madrid, o seu nome incluía "Maria" como súplica: "Estávamos conscientes de que ela ia precisar de muita ajuda da Virgem". Atualmente, Andrea é a primeira mulher com síndrome de Down a obter o cinturão negro de karaté em Madrid (2019), campeã espanhola em 2022 e 2023 e medalha de bronze nos campeonatos europeus. Depois de se formar na Universidade Autónoma de Madrid, graças à Fundação Prodis, trabalha na Accenture, onde, segundo a sua mãe, "está integrada e é valorizada. É um pilar importante". A sua fé é ativa: participa no coro paroquial e é "adepta do Caris", como chama ao Renovamento Carismático. "É alegre, extrovertida, muito empática. A vida da família gira em torno dela", comemora Beatriz, sua mãe, que resume sua luta: "Andrea é um milagre... na UTI a gente nunca imaginou isso".

Nolan Smithum jovem de 25 anos do Kansas, fez parte do grupo de pessoas que participou na elaboração do documento "A Igreja é a Nossa Casa". Este jovem com síndrome de Down explica que tem ajudado a sua igreja de várias formas. "Já servi como acólito, ajudei no ensino religioso com o meu pai e, atualmente, sou leitor. Também ajudei no espetáculo infantil da véspera de Natal e também decorei a igreja no Natal e na Páscoa", refere Nolan.

O poder da oração

José María é o sétimo filho de Teresa Robles, que também tem um filho com caraterísticas autistas. José María também luta contra a leucemia há anos e deparou-se com preconceitos médicos na sua luta: "Fomos encorajados a ir para os cuidados paliativos... não valorizamos muito a vida de uma pessoa com deficiência". Teresa fundou a conta de Instagram @ponundownentuvida, que mobilizou mais de 40 mil seguidores e uma rede global de oração. "A melhor rede social é a Comunhão dos Santos", diz ela. Teresa descreve o "efeito José María": "Eles transformam os corações sem violência. Um dia, um condutor furioso viu José María a sorrir... e o seu rosto mudou. Para ela, o seu filho veio "para mudar os olhos das pessoas, para fazer um mundo melhor".

O poder da oração e da comunidade são os pilares: Teresa Robles experimentou "o poder da oração, que se nota fisicamente". Quando José María não pôde receber o transplante, "senti uma força sobre-humana". Esta rede incluía gestos ecuménicos: duas mulheres muçulmanas escreveram-lhe: "Iam rezar por José Maria porque rezavam ao mesmo Deus... Isso comoveu-me muito".

Tornar a diferença visível

Iniciativas como os Cafés Joyeux em Paris, que empregam pessoas com deficiência a poucos metros do Arco do Triunfo, mostram que a inclusão no local de trabalho é possível. O seu fundador, Yann Bucaille-Lanrezac, recebeu o Prémio de Empreendedor Social do Boston Consulting Group.

Cilou, um artista francês que compôs uma canção e uma coreografia para Louis, uma criança com trissomia 21, salienta que "a alegria da síndrome de Down leva-nos a ser autênticos". Esta autenticidade é o que o Papa Francisco promoveu com a chamada "revolução da ternura": um antídoto para a cultura do descartável. As sociedades saudáveis integram todos no "nós". Cilou, por exemplo, sentiu o desejo de compor uma canção inspirada em Luis, chamada "Viva la diferencia".

Pastoral das pessoas com deficiência

Seguindo as orientações das conferências episcopais, as paróquias estão a começar a adaptar os ritos e os espaços para que as crianças e os adultos com deficiências intelectuais possam vivenciar os sacramentos de uma forma que os compreendam melhor. Por exemplo, na catequese, são utilizados pictogramas para explicar o rito de uma forma visual, permitindo uma melhor compreensão dos gestos, símbolos e palavras. As celebrações são íntimas, com uma capacidade reduzida de lugares sentados, para evitar uma sobre-estimulação sensorial.

O sacramento da penitência também se transformou. Em algumas paróquias, as confissões incluem desenhos que ajudam a compreender conceitos como o pecado, o perdão e a reconciliação. Há guias de apoio que medeiam a comunicação, e foram criados espaços silenciosos, sem estímulos luminosos ou sonoros, para favorecer um ambiente de recolhimento. "Não basta criar rampas. Temos de mudar a forma como encaramos a vida da igreja", diz a mãe de um filho deficiente.

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