Evangelização

Santo Agostinho e a busca de Deus: a realidade do homem moderno

Santo Agostinho ensina que o coração humano, marcado pelo desejo de verdade e de amor, só encontra repouso em Deus. O seu pensamento oferece ao homem moderno um guia para ordenar o desejo, abrir-se à interioridade e realizar-se no encontro com o Criador.

Reynaldo Jesús-28 de agosto de 2025-Tempo de leitura: 7 acta
Santo Agostinho

Ao longo da história da Igreja, é comum que uma das frases pronunciadas ou escritas pelos santos constitua um elevado Quando se trata da sua obra, e no caso em questão, Santo Agostinho não é exceção. No entanto, a mesma frase é uma sinopse de toda a sua vida, da busca incessante de um "Algo" que o ultrapassava e que não compreendia; da corrida muito particular da sua vida para encontrar a Verdade, de uma viragem na atividade que o tinha impelido ao longo de toda a sua existência para parar, para se deixar tomar por Aquele de quem tinha querido fugir, para O reconhecer, para O contemplar, para O amar e para descansar n'Ele.

Uma carreira vital que descobre o encontro do que ama com o que se deixa amar e resume esta experiência citando: "Tu nos fizeste, Senhor, para ti, e nosso coração está inquieto enquanto não repousa em ti". Esta frase condensa o centro da antropologia agostiniana: o ser humano é um buscador de Deus, e num mundo marcado pela fragmentação interior, a incerteza existencial e a pressa, o pensamento do bispo de Hipona oferece chaves para compreender a condição humana e sua abertura ao mistério.

É interessante que reconheçamos como é importante na obra de Agostinho o desejo profundo do coração humano e a sua vocação particular para a verdade e para o amor; em termos cristãos, não falamos de outra coisa senão da vocação para a vida da Graça, para a vida de e com Deus, com o seu Filho único Jesus Cristo que se apresentou como Verdade (cf. Jo 14, 6) e São João reconheceu nele o Amor (cf. 1 Jo 4, 8).

A experiência pessoal do bispo de Hipona é o ponto de partida; ele não se limita a analisar a procura de sentido, mas assume-a no seu testemunho de vida, quase poderíamos dizer que a obra é dramatizada em carne e ossoNa sua pessoa e assim, como ele, nos tempos actuais, muitas pessoas continuam - por vezes sem o saber - a procura de sentido para a sua própria vida. Reler Santo Agostinho é, pois, uma forma de entrar em contacto com alguém que soube dialogar com a filosofia clássica, a revelação cristã e a experiência existencial, alguém que procurou com sinceridade. Não vejamos o seu pensamento como uma espécie de "Arqueologia cristãmas como uma pedagogia espiritual para os dias de hoje.

O coração inquieto: antropologia agostiniana

Com base na revelação, o ser humano foi criado por Deus à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26), uma imagem ferida pelo pecado e que levou o homem a entrar numa espécie de tensão permanente, na qual, embora chamado à comunhão com Deus, experimenta ao mesmo tempo a sua fragilidade e a sua tendência para se procurar a si próprio, deixando Deus de lado, e inicia um caminho em que parece que o único objetivo é caminhar sozinho, sem aquele que o chamou à existência.

O preocupação do coração humano não é simplesmente angústia ou vazio, mas a expressão de uma abertura radical, pois está estruturalmente orientado para um "além" de si mesmo. Para Agostinho, o coração simboliza o centro da pessoa: a sua inteligência, a sua vontade, a sua memória e a sua afetividade. Esta unidade interior, porém, é desarrumado se não estiver centrada em Deus (cf. Confissões X, 29, 40).

Esta tensão interior é descrita por Santo Agostinho como uma luta entre dois amores: por um lado, identifica o respeito por si próprio fechado ao Criador ou "amor sui usque ad contemptum Dei".No outro extremo, descobre o amor de Deus que ordena e eleva todas as coisas ou "amor Dei usque ad contemptum sui". (cf. Santo Agostinho, De civitate DeiXIV, 28).

É esta dialética que dá forma à vida pessoal, mas também, com ela, à história e à cultura. A antropologia agostiniana alarga-se e descobre-se uma nota não eminentemente filosófica, mas existencial. Vincular a atitude do homem com o Criador, seja querendo afastar-se dele ou aproximar-se dele, seja fechando-se à sua ação ou identificando-o como fundamento de tudo através do amor, é oferecer uma antropologia em chave teológica. O homem é um peregrino, não um nómada; tem uma origem e um destino; e a inquietação que o habita não é resolvida pela posse ou pelo conhecimento, mas pela presença do Deus vivo.

Para Agostinho, o desejo (desidério), não é um defeito a suprimir, mas uma força a ordenar e a purificar; para ele, o desejo é uma marca do Criador na criatura e, por conseguinte, o que Deus semeou no homem é a aspiração ao infinito. Assim, toda a procura da beleza, da verdade e do bem é, no fundo, uma procura de Deus, mesmo que nem sempre seja reconhecida como tal. Santo Agostinho afirma que "toda a gente quer ser feliz". (De beata vita, I, 4), mas nesta busca da felicidade, não são poucos os que se perdem à procura dela onde ela não está. O verdadeiro drama do ser humano consiste em absolutizar os bens temporais, que na realidade substituem o Bem Supremo. Neste sentido, a conversão é a reorientação do desejo: deixar de se amar de forma desordenada (amor sui) e aprender a amar Deus por si próprio (amor Dei).

A ânsia do coração e o desejo como anseio profundo do homem não estão desligados da própria identidade antropológica, andam de mãos dadas, estão unidos porque o desejo bem entendido é um caminho para alcançar a verdade, aquela força que impele à procura do que preenche a vida, a pessoa e a existência. Este processo, que não se limita apenas ao aspeto intelectual, implica uma transformação do coração, uma forma de pedagogia do desejo transversal à graçao oração e a abertura para a verdade.

Na lógica agostiniana, educar o desejo é conduzi-lo à sua fonte, não reprimi-lo, mas ampliá-lo, pois, como afirmou o Papa Bento XVI: "no coração de cada homem está inscrito o desejo de Deus" (Spe salvi27); de facto, podemos afirmar que o homem de hoje não é diferente do homem de ontem na sua sede mais profunda. Mudam as línguas e as tecnologias, mas não o grito do coração: 'Quero viver para algo maior do que eu', e esse 'maior' é sempre Deus".

A interioridade como caminho para Deus

O Papa Bento XVI parece parafrasear o que Santo Agostinho dizia há séculos atrás quando reflectia sobre o homem, insistindo num regresso ao interior, a si mesmo, e aí, no interior da nossa vida, podemos encontrar a essência de toda a realidade, a própria Verdade. Santo Agostinho dizia: "Não vás para fora, volta para ti mesmo; dentro do homem habita a verdade" (De vera religione, 39,72). Este apelo à interioridade continua a ser atual numa cultura saturada de ruído, de imagens e de superficialidade, onde se corre o risco de perder o contacto consigo próprio e, portanto, com Deus; uma realidade onde o egoísmo, a vanglória, o consumismo, o bem-estar, a imoralidade, as aparências sem sinceridade e sem verdade parecem estar na ordem do dia, é, em última análise, um mundo onde há lugar para tudo e para todos menos para o Divino.

A interioridade agostiniana é a abertura a uma presença: Deus está mais em mim do que eu (meo interior íntimocf. ConfissõesIII,6,11). Para encontrá-lo, o homem precisa de silêncio, de escuta e de verdade. O itinerário agostiniano em direção a Deus convida-nos a assumir os nossos próprios limites, a recordar as nossas feridas e a contemplar a misericórdia. Esta visão é complementada pelo seu ensinamento sobre a memória (memória sui), que Santo Agostinho considera como uma espécie de "câmara interior" onde reside o passado e também a marca de Deus. A memória torna-se um lugar teológico, um espaço onde se reencontra o Criador, que nunca deixou de acompanhar a sua criatura. Nesta perspetiva, a oração não é uma petição vazia e sem sentido; pelo contrário, a oração entra na dinâmica da relação, pois é um diálogo existencial. É o espaço onde o desejo é purificado, a vontade é ordenada e a pessoa é unificada. Como diria mais tarde São Tomás de Aquino, seguindo Santo Agostinho: oratio est interpretatio desiderii (São Tomás de Aquino, Summa Theologiae, II-II, q. 83, a. 1, ad 2).

Os desafios do homem moderno

O pensamento de Agostinho continua a ser profundamente atual porque não parte de teorias abstractas, mas da experiência A experiência do coração humano é constante, contínua e sempre nova, aberta às realidades de cada tempo e pronta a conduzir aqueles que a desejam a uma dinâmica de encontro. Num mundo em que muitos vivem dispersos, sem um centro estável, ou pior ainda, num mundo em que não sabemos qual é o centro ou o ponto de referência vital que impulsiona nossas ações, sem um horizonte claro de sentido, em meio a tudo isso, a visão agostiniana oferece uma palavra luminosa.

Hoje, como no século IV, o homem corre o risco de absolutizar o imediato, de buscar a si mesmo sem transcendência. O agostinianismo convida-nos a redescobrir que o ser humano só pode ser encontrado saindo de si mesmo e abrindo-se a Deus. A sua mensagem é também profundamente pastoral: não se trata apenas de "pensar em Deus", mas de "amá-lo", e deixar-se amar por Ele e para Ele, amando o próximo, os que nos rodeiam, os que estão presentes na nossa vida quotidiana.

A pedagogia do desejo proposta por Santo Agostinho é um caminho de evangelização: não parte da imposição de ideias, mas do acompanhamento dos desejos do coração humano, ajudando a descobrir que, no fundo, esses desejos apontam para Deus. Neste sentido, a antropologia cristã, longe de reprimir a liberdade, liberta-a dos seus falsos absolutos e é, assim, capaz de reorientar a vida não mais para o ter ou possuir o que passa, mas para procurar receber o que perdura na eternidade. O consumismo é um ato passageiro, uma loja de comércio que induz a gastar recursos - não só económicos - naquilo que não tende para a eternidade. 

O pensamento agostiniano pode dialogar frutuosamente com a psicologia, a literatura e a filosofia contemporânea. A busca de sentido, a experiência do sofrimento, o anseio de unidade interior e a sede de verdade continuam sendo, como no passado, lugares onde o Evangelho pode encarnar-se. Com tudo isto, a proposta agostiniana não é uma teoria do passado - insisto - mas uma luz para o presente. O homem moderno, como o homem de qualquer época, é um ser que deseja, busca e anseia a plenitude; e em meio a tantos caminhos, Santo Agostinho nos recorda que só em Deus é que o coração inquieto encontra descanso.

Voltar a Agostinho é redescobrir que a fé cristã não é um peso, mas uma resposta; uma resposta ao desejo mais verdadeiro do ser humano e que a busca de Deus não é contrária à liberdade, mas a realiza, faz arder o coração numa busca constante do Amor, abrindo a experiência do encontro e, com ela, a da santidade, porque não é a ausência de desejo que nos faz santos, mas o desejo purificado do Espírito; Deus nos quer com um coração que arde, não com um coração que se apaga. A paixão agostiniana pela verdade, sua honestidade intelectual e sua humildade existencial continuam inspirando aqueles que, em meio ao ruído e à confusão, escutam a inquietude de seu coração e recebem a força para não fugir do mundo, aprendendo de Santo Agostinho que o coração, para estar em paz, deve aprender a batendo ao ritmo de DeusÉ esta a razão da procura de Deus, estar com Ele, entregarmo-nos a Ele, deixarmo-nos tomar por Ele, viver eternamente com Ele.

O autorReynaldo Jesús

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