


Com a nomeação de um administrador único para o Fundo de Pensões do Vaticano, na pessoa do Cardeal Kevin J. Farrell, o Papa Francisco prossegue o seu caminho para a reforma das finanças do Vaticano. Um caminho que está a sofrer uma mudança geracional e que, em todo o caso, envolveu todos os organismos financeiros do Vaticano, criando uma nova estrutura que está agora a dar frutos.
Em 2014, quando o Cardeal George Pell explicou a grande reforma da economia do Vaticano numa conferência de imprensa muito participada, enunciou alguns princípios fundamentais.
Princípios para a reforma
A primeira: o Vaticano não estava falido, mas era necessário racionalizar os recursos, talvez centralizá-los (era a época em que se falava de "gestão de activos do Vaticano") para permitir que todos ganhassem mais e melhor.
Em segundo lugar, a reforma das pensões era necessária, não porque o Fundo de Pensões estivesse endividado, mas porque enfrentava os problemas estruturais de todos os Estados do mundo, ou seja, haveria mais pensionistas e durante mais tempo, pelo que as novas gerações não teriam capacidade para sustentar o fundo numa determinada altura.
Em terceiro lugar, a reforma serviu para assegurar um maior controlo, respeitando as obrigações internacionais e visando uma gestão mais gerencial dos fundos.
Tratava-se de três princípios válidos, que tiveram de ser adaptados à situação peculiar do Vaticano, onde, durante anos, os orçamentos foram um assunto mais artesanal do que profissional. Os IOR (o banco do Vaticano) introduziu a auditoria externa em meados dos anos 90, na sequência de uma reforma dos seus estatutos. A APSA (Administração do Património da Santa Sé) controlava várias empresas na Suíça, França e Inglaterra, que só mais tarde foram objeto de um processo de racionalização. O Estado da Cidade do Vaticano tinha um orçamento próprio, enquanto os Oblatos de S. Pedro não tinham, embora os donativos fossem sempre utilizados para a missão do Papa, que incluía também a cobertura dos défices da Cúria.
Luz e sombras no orçamento
Atualmente, existe um orçamento público da Santa Sé, um orçamento público da Administração do Património da Sé Apostólica (o "banco central" do Vaticano), um orçamento público do Instituto para as Obras de Religião (o chamado "banco do Vaticano"), a Autoridade do Vaticano para o Combate ao Branqueamento de Capitais - agora denominada Autoridade de Informação e Supervisão Financeira - publica um relatório anual. No entanto, o orçamento do Estado da Cidade do Vaticano não é publicado há anos e, além disso, nunca foi publicado um balanço do Fundo de Pensões do Vaticano.
O que é que podemos deduzir destes orçamentos? No que respeita ao IOR, os lucros diminuíram drasticamente. No último relatório do IOR, os lucros líquidos atingiram 30,6 milhões de euros, dos quais 13,6 milhões de euros foram distribuídos por obras religiosas e caritativas, enquanto 3,2 milhões de euros foram doados a várias instituições de caridade. Em 2022, o lucro foi de 29,6. Mas estes números estão muito longe do lucro de 86,6 milhões declarado em 2012. Desde então, tem vindo a diminuir, com pequenos aumentos: em 2013, o IOR registou um lucro de 66,9 milhões; em 2014, de 69,3 milhões; em 2015, caiu mesmo para 16,1 milhões. Em 2016, voltou aos 33 milhões, em 2017 o valor manteve-se relativamente constante em 31,9 milhões de euros, enquanto em 2018 o lucro foi de 17,5 milhões.
Situação do IOR
Os lucros regressaram aos 38 milhões de euros em 2019 e, em 2020, a crise da COVID fez baixar os lucros para 36,4 milhões de euros. Mas no primeiro ano pós-pandemia, um 2021 ainda não afetado pela guerra na Ucrânia, voltamos a uma tendência negativa, com um lucro de apenas 18,1 milhões de euros, e só em 2022 voltamos ao limiar dos 30 milhões.
À medida que os lucros diminuem, a contribuição do IOR para o apoio da Cúria Romana diminui. O orçamento da Cúria, de cerca de 200 milhões de euros, é um "orçamento de missão" e consiste quase exclusivamente em despesas, enquanto as receitas provêm principalmente de donativos. A Cúria, de facto, não vende serviços, mas está ao serviço do Santo Padre.
Não existem dados recentes sobre o orçamento do Estado da Cidade do Vaticano, que, em todo o caso, registou um forte excedente graças à venda de bilhetes nos Museus do Vaticano, que caiu a pique nos dois anos da pandemia. No entanto, existem dados sobre o orçamento da APSA, publicados em julho.
Falta de transparência
A APSA actua não só como o "banco central do Vaticano", mas também como um fundo soberano, uma vez que é responsável por toda a gestão dos activos do Vaticano. Este ano, registou um lucro de 45,9 milhões de euros, conseguido através de uma melhor gestão dos investimentos. Mas é um orçamento que tem de ser lido em claro-escuro. As notícias que circulam nos meios de comunicação social falam de contratos de leasing a empresas externas e fala-se mesmo de uma venda do Annona, o supermercado do Vaticano, que deverá ser entregue em concessão a uma cadeia de supermercados italiana.
Em suma, há uma forte necessidade de lucro. O Papa Francisco escreveu aos cardeais pedindo-lhes que racionassem os recursos, reduziu os seus salários em 10 por cento, estipulou que até as casas de serviço deviam ser alugadas a preços de mercado e, no início do seu pontificado, implementou um bloqueio de rotação. Foram medidas duras que puseram à prova o sistema do Vaticano, até então largamente baseado na colaboração interdepartamental sob a coordenação da Secretaria de Estado.
Existem novas políticas de investimento, descritas no sítio "....Mensuram Bonam" mas há também a necessidade de encontrar recursos. Resta compreender como é que a Santa Sé, que há dez anos não se encontrava em condições económicas tão difíceis, como admitiu o Cardeal Pell, se viu hoje obrigada a enfrentar uma situação económica tão delicada.
Novos gestores
Enquanto as reformas económicas deram um passo em frente e outro atrás, há toda uma nova geração de funcionários a entrar nas finanças do Vaticano. O presidente da APSA é o arcebispo Giordano Piccinotti, que conhece bem o mundo das finanças, tendo sido administrador das fundações salesianas na Suíça. O cardeal Christoph Schonborn é o novo presidente do IOR, enquanto o presidente do Conselho de Superintendência, Jean-Baptiste de Franssu, continua no poder, apesar de já ter cumprido dois mandatos. A autoridade de combate ao branqueamento de capitais caminha para uma transição, talvez mesmo para uma presidência, como o demonstra a recente nomeação de Federico Antellini Russo para a dupla função sem precedentes de diretor e vice-presidente da Autoridade.
E depois há o Fundo de Pensões do Vaticano. O cardeal Farrell foi nomeado administrador único, com o objetivo de levar a cabo uma reforma para eliminar o défice, mas o cenário de pesadelo é que a provisão de pensões seja suspensa até que os orçamentos estejam em ordem, como, afinal, aconteceu na Argentina durante a crise económica do início dos anos 2000.
O que é certo é que as finanças do Vaticano passaram por um longo período de reforma, em que foram chamados consultores externos para delinear planos de reestruturação. Talvez a decisão de mudar tudo antes de avaliar o que foi feito tenha tido consequências.