Órfãos com pais

Ao privar de pais aqueles que agora são pais, obrigámo-los a procurar esses pais perdidos nos seus próprios filhos.

1 de julho de 2025-Tempo de leitura: 3 acta
Pais

(Pexels)

"Mamã, eu não sou teu colega, sou teu filho! A frase, com um tom queixoso e meia língua, foi proferida por um bebé com pouco mais de dois anos, a partir do banco rebatível do carrinho de compras do supermercado. Respondia à mãe que tentava falar com ele em pé de igualdade.

Fiquei surpreendido com a maturidade da expressão de uma criança tão pequena. A sua loquacidade, o tom da sua voz e a forma como gesticulava eram totalmente prematuros. Não eram sequer os modos de um adulto, eram os modos de um velho! Estava muito zangado porque a mãe não compreendia que não é normal usar com ele o mesmo tom de voz que usaria para falar com o vizinho; e que não é normal que ela lhe atribua a responsabilidade de decidir se leva para o jantar os iogurtes em promoção ou as sobremesas gourmet reservadas para ocasiões especiais. "Como é que eu hei-de saber, mãe, eu sou um rapazinho", acabou por dizer, separando didaticamente as sílabas. A cena entristeceu-me imenso porque a mãe, com um fato de instagramer Estava mesmo à espera de encontrar a cumplicidade do filho, que parecia ser muito mais esclarecido do que ela.

O fenómeno da parentificação

Quando cheguei a casa, deparei-me com uma notícia de jornal que falava de "parentificação", um fenómeno psicológico em que uma criança assume papéis e responsabilidades de adulto, especialmente no ambiente familiar. Em vez de ser cuidada, a criança torna-se um prestador de cuidados emocionais, físicos ou práticos aos pais, irmãos ou outros adultos. Os especialistas afirmam que esta situação quebra a ordem natural do desenvolvimento, porque a criança deixa de ser criança e envolve-se em assuntos que não lhe pertencem.

É mais um sintoma da desconstrução da família a que temos vindo a assistir no último meio século. A revolta estudantil via a estrutura familiar como uma instituição repressiva que perpetuava o autoritarismo e o controlo ideológico desde a infância, propondo um modelo educativo igualitário, baseado no diálogo e na liberdade. O problema é que, ao pretender-se acabar com o autoritarismo dos pais - um extremo, evidentemente, condenável -, o que se conseguiu foi acabar com toda a autoridade, invertendo os papéis e deixando assim uma geração de crianças órfãs, apesar de terem pais, porque estes não agem como tal.

Muitos dos problemas com que os professores se deparam nas salas de aula de hoje não têm a ver com crianças incapazes de prestar atenção, de obedecer a ordens dos seus superiores ou de serem responsáveis pelo seu trabalho, uma vez que estas são deficiências normais na fase infantil que dão sentido ao sistema escolar, mas com o facto de serem os pais destas crianças que não têm a autoridade necessária para as educar desta forma, uma vez que eles próprios não têm competência para assumir a sua responsabilidade parental.

Pais que não tiveram pais

Ser pai é difícil, por mais idílico que os influenciadores do momento o façam parecer. Ser pai é difícil. Os pais que amam os seus filhos não podem deixar a responsabilidade de os educar para os escolas. Ser pai ou mãe é viver para os outros, renunciar aos seus gostos, ao seu tempo, até ao afeto dos seus filhos quando tem de os corrigir. Uma criança não é um acessório de moda, é uma pessoa que precisa, como a pequena árvore, de um tutor firmemente ancorado ao chão, que não se deixe levar por qualquer brisa. Uma criança feliz precisa de pais que lhe falem como uma criança, adaptando a sua linguagem à sua idade e à sua capacidade de compreensão; uma criança feliz precisa de pais que lhe digam (porque ela não sabe) o que está certo e o que está errado; uma criança feliz precisa de ser ouvida, sim, mas como uma criança que, embora tenha muito para dar, ainda tem mais para aprender.

Muitos pais de hoje cresceram sem ninguém para lhes dizer "não"; sem ninguém para os ajudar a encontrar o seu caminho porque "ele decidirá isso quando for mais velho"; sem a responsabilidade de carregar o fardo do trabalho, de um parceiro ou dos filhos porque a mochila foi carregada pelos pais; e sem autoestima, porque se habituaram a receber apenas gostos gratuitos em casa, mas na rua ninguém lhos dá a não ser em troca de alguma coisa.

Talvez, tendo privado de pais aqueles que hoje são pais, os tenhamos obrigado a procurar esses pais perdidos nos seus próprios filhos. E o facto é que, por muito que incomode aqueles que escreveram aquele graffiti "proibido proibir", assumir o papel de pais tradicionais não é autoritarismo, chama-se amar.

O autorAntonio Moreno

Jornalista. Licenciado em Ciências da Comunicação e Bacharel em Ciências Religiosas. Trabalha na Delegação Diocesana dos Meios de Comunicação Social em Málaga. Os seus numerosos "fios" no Twitter sobre a fé e a vida diária são muito populares.

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