

O Papa Francisco tem insistido, desde o início do seu pontificado, no perigo da Terceira Guerra Mundial "em pedaços" que se está a desenrolar. Uma das últimas advertências foi feita durante o seu discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé em janeiro de 2024.
Para saber se esta qualificação do Papa pode realmente ser aplicada à situação atual das guerras, Omnes falou com María Teresa Gil Bazo, professora de Direito Internacional na Universidade de Navarra. A professora explica que "o que definiu as chamadas guerras mundiais foi a explosão de conflitos armados em diferentes continentes, em alianças e batalhas travadas para além do território dos Estados envolvidos. O aumento dos conflitos armados nos últimos anos assistiu à ação multilateral dos Estados em diferentes territórios para além das suas fronteiras. Neste sentido, podemos falar de uma terceira guerra mundial não declarada.
Com frentes abertas em diferentes países do mundo, as tensões na cena internacional estão a aumentar. Enquanto o Papa insiste na responsabilidade partilhada de construir para "as gerações futuras um mundo mais solidário, mais justo e mais pacífico" (Papa Francisco, Mensagem para o Dia Mundial da Paz 2024).
As advertências do Papa são justificadas. Segundo a Academia de Direito Internacional Humanitário e dos Direitos Humanos de Genebra, há atualmente pelo menos seis conflitos internacionais em curso. Perante esta situação, o Pontífice apela à paz e pede orações em todas as suas audiências gerais e numa multiplicidade de discursos públicos.
Guerra na Ucrânia
Um dos pontos de conflito que Francisco menciona com mais frequência é a guerra entre a Ucrânia e a Rússia. O atual conflito eclodiu em 24 de fevereiro de 2022, embora os seus precedentes sejam muito mais antigos. Muitos autores apontam o "Euromaidan", a agitação que ocorreu na Ucrânia durante vários meses em 2014 devido à interferência russa na política do país, como o início da guerra. A anexação da península da Crimeia pela Rússia seguiu-se pouco depois, aumentando a tensão. No entanto, a gravidade do conflito atingiu o seu clímax em 24 de fevereiro de 2022, quando o exército russo invadiu o território ucraniano.
Desde o primeiro momento da invasão, os acontecimentos assumiram um carácter internacional. Os governos de vários países reagiram ao avanço russo e denunciaram as acções de Putin e do seu exército. Muitas nações ofereceram ajuda à Ucrânia nos últimos dois anos, embora existam outros países que apoiam a Rússia.
O impacto económico desta guerra é muito elevado, mas o Papa Francisco sublinha constantemente as consequências da guerra para a população do território. Muitos cidadãos ucranianos tiveram de se deslocar para escapar aos bombardeamentos e as Nações Unidas assinalaram que esta é a maior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial. A este respeito, o Dr. Gil Bazo salienta que "desde fevereiro de 2022, mais de seis milhões de refugiados ucranianos chegaram à Europa".
Perante esta situação, os países europeus tiveram de responder rápida e eficazmente, incluindo, como salienta a professora de Navarra, "a concessão de proteção temporária, pela primeira vez na União Europeia, a todos os ucranianos, poucos dias após a invasão russa da Ucrânia". Esta reação, continua, "ensina-nos que não existem 'crises de refugiados', mas sim crises nas respostas às necessidades de proteção". Uma ideia partilhada pelo Papa Francisco, que muitas vezes apelou publicamente à generosidade dos países no acolhimento das pessoas que fogem dos combates.

Israel e Palestina
Outra menção frequente do Pontífice é a guerra em Gaza entre os Israel e Palestina. Embora o confronto entre estes blocos tenha feito manchetes desde 7 de outubro de 2023, a realidade é que esta guerra dura há mais de 75 anos.
Em 1948, as Nações Unidas decidiram dividir o Mandato Britânico da Palestina em dois Estados distintos, um judeu e outro árabe. Enquanto o primeiro grupo aceitou esta divisão, os árabes opuseram-se, argumentando que a divisão significava que iriam perder o território que tinham mantido até então.
Apesar da recusa do lado árabe, em 14 de maio de 1948 os judeus declararam a independência de Israel. Quase de imediato, a comunidade internacional reconheceu o novo Estado, ignorando as reivindicações palestinianas. Posteriormente, os árabes declararam guerra ao Estado israelita, mas não conseguiram vencer e milhares de palestinianos foram deslocados para longe do território.
Desde 1948 que a Palestina e Israel estão em conflito por causa desta questão. No entanto, os especialistas acreditam que é muito difícil chegar a uma trégua ou a um acordo para resolver o conflito. Em dezembro de 2023, Omnes entrevistou duas pessoas, uma judia e uma árabe, que falaram sobre o atual impasse em Gaza. Ambas concordaram que é difícil chegar a uma resolução para a guerra, uma vez que nenhum dos lados quer ceder às exigências do outro.

As principais exigências para pôr termo à guerra são incompatíveis. Tanto Israel como a Palestina exigem que o outro Estado reconheça a sua autoridade sobre o território em disputa. Trata-se de exigências que se excluem mutuamente e relativamente às quais é quase impossível chegar a um meio-termo.
Os peritos internacionais propuseram três soluções diferentes. Por um lado, alguns acreditam que a melhor forma de pôr fim ao conflito seria a criação de um único Estado federal em que israelitas e palestinianos vivessem lado a lado. Outros acreditam que devem ser aceites dois Estados separados, como propuseram as Nações Unidas no século passado e como sugeriu o Papa. Por último, há quem considere que deveriam existir três Estados diferentes, não sendo a Palestina um deles propriamente dito, mas sim Israel, o Egito e a Jordânia vivendo lado a lado.
Não é fácil que nenhuma destas propostas seja aceite, razão pela qual as chamas da guerra continuam a arder ao fim de todos estes anos. Apesar disso, o Papa Francisco insiste frequentemente na necessidade de diálogo. Apela aos líderes políticos para que pensem nas gerações que estão a sofrer com as consequências do conflito. No discurso que dirigiu ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé em janeiro de 2024, fez um "apelo a todas as partes envolvidas para que aceitem um cessar-fogo em todas as frentes, incluindo no Líbano, e para a libertação imediata de todos os reféns em Gaza".
Fogo em África
A África é também uma zona de conflito, embora o Pontífice não a mencione com tanta frequência. Embora possa parecer que os confrontos no continente africano têm um carácter mais local, a realidade é que as suas consequências se fazem sentir em todo o mundo.
É evidente que uma das principais crises provocadas pela guerra em África é a migração de milhões de pessoas para outros países. No entanto, a importância destes conflitos não reside nas consequências para os países que acolhem os migrantes, mas na destruição que estão a causar em África.

A já referida Academia de Direito Internacional Humanitário e Direitos Humanos de Genebra classifica África como o segundo continente com o maior número de conflitos armados do planeta. Concretamente, constata que há 35 conflitos em curso no Burkina Faso, nos Camarões, na República Centro-Africana, no Sudão, no Sudão do Sul, na Somália, no Senegal, no Mali, em Moçambique, na Nigéria e na República Democrática do Congo.
Por seu lado, o International Crisis Group acompanha de perto, com a ajuda de peritos, a situação dos confrontos em todo o mundo. Numa lista de acompanhamento que actualizam todos os meses, mencionam situações que se estão a agravar. Em fevereiro de 2024, indicaram que as hostilidades estão a aumentar em Moçambique, na República Democrática do Congo, na Guiné, no Senegal, no Chade, no Sudão do Sul e no Burkina Faso.
Muitos dos conflitos em África resultam de ataques de grupos terroristas a outros grupos ou de batalhas territoriais, mas a instabilidade a nível político não favorece o progresso para a paz.
Tensão na América
Do outro lado do oceano, no continente americano, as tensões são igualmente elevadas. Por um lado, há a multiplicidade de conflitos em que os Estados Unidos estão atualmente envolvidos: Iémen, Somália, Níger e Síria. O papel da potência americana é mal visto por muitos actores da comunidade internacional, que criticam o envolvimento dos Estados Unidos em acontecimentos locais de outros países.
Alguns conflitos armados também estão a ocorrer nas Américas, nomeadamente na Colômbia e no México. Embora a Academia de Direito Internacional Humanitário e Direitos Humanos de Genebra não considere esses conflitos como confrontos internacionais, eles se somam à longa lista de tensões que se acumulam nas Américas.
Os desenvolvimentos no México são particularmente importantes, uma vez que várias ondas de violência assolaram o país durante 2024. A luta contra os cartéis de droga e os gangs está longe de ter um fim pacífico. Esta situação levou milhares de migrantes mexicanos a atravessar a fronteira dos EUA em busca de refúgio.
Simultaneamente, o Haiti fez manchetes internacionais. Os bandos tomaram o controlo do país perante a inação do governo. Desde então, a violência tomou conta das ruas e o governo impôs um recolher obrigatório depois de declarar o estado de alarme.

Silêncio na Arménia
Os leitores recordarão que, em dezembro de 2023, a Omnes publicou um extenso relatório sobre a situação na Arménia. Após um massacre em que mais de 20.000 arménios perderam a vida em 1920, os cidadãos do país passaram por vários conflitos armados envolvendo a União Soviética e, sobretudo nos últimos anos, o Azerbaijão.
Após duas guerras sangrentas em menos de três anos, os arménios tiveram de abandonar parte do território, em especial a zona de Artaj, que passou para as mãos do Azerbaijão. Além disso, em 2023, o governo azerbaijanês iniciou um processo para apagar a presença da Arménia no território. No entanto, como explica o especialista em Médio Oriente Gerardo Ferrara, "a partir de documentos na posse de historiadores, sabe-se que Artsakh, ou Nagorno-Karabakh, é terra arménia desde, pelo menos, o século IV d.C. e que ali se fala um dialeto da língua arménia".

A falta de cobertura mediática do que se passa entre a Arménia e o Azerbaijão está a dar origem a um "genocídio silencioso", denunciado pelo Papa Francisco que, por sua vez, sublinha a urgência de "encontrar uma solução para a dramática situação humanitária dos habitantes daquela região, favorecendo o regresso dos deslocados às suas casas de forma legal e segura, bem como respeitando os lugares de culto das várias confissões religiosas presentes na zona" (Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé, 8 de janeiro de 2024).
No entanto, as autoridades negam o que está a acontecer na Arménia e é difícil estabelecer um caminho para uma situação estável e pacífica.
Divisão Índia
Em 1947, a colónia britânica da Índia foi dividida em duas partes: o Domínio do Paquistão (que se dividiu em Paquistão e Bangladesh) e a União da Índia (atual República da Índia). No entanto, esta divisão não foi pacífica e a luta pelas fronteiras de cada território transformou-se numa guerra. Milhares de pessoas perderam a vida e milhões desapareceram nos tumultos e conflitos armados.
O foco dos combates é a região de Caxemira, que é disputada entre a Índia, o Paquistão e a China. Esta última ocupou a zona nordeste, enquanto a Índia controla a zona sul e central e o Paquistão a região noroeste. Há também uma parte da população caxemirense que reivindica a independência do território.
O grande perigo na contenda Índia-Paquistão são as ameaças nucleares entre as duas partes, que atingiram o clímax em 2012. Apesar disso, em 2021, as duas partes acordaram um cessar-fogo.
No entanto, as relações diplomáticas continuam a ser desiguais. A Índia exige que o Paquistão abandone o território de Caxemira, enquanto o Governo paquistanês considera que o território em disputa demonstrou a sua rejeição da administração indiana e deve poder tornar-se independente ou ser incorporado no Paquistão.

China e Índia
Como já foi referido, a Índia e a China estão em conflito por causa de Caxemira, mas essa área não é a única fonte de conflito. Há décadas que os dois países estão em desacordo sobre a demarcação das suas fronteiras adjacentes ao longo de uma linha com milhares de quilómetros de comprimento. Em 5 de maio de 2020, no auge da pandemia de COVID-19, os militares na fronteira abriram fogo. Um grupo do exército chinês avançou através dos territórios fronteiriços que tinham sido acordados como linhas de patrulha comuns. Esta ação surpreendeu a Índia, que reagiu de imediato.

Após meses de combates, as duas partes assinaram um acordo de cessar-fogo. No entanto, em 15 de junho, voltaram a entrar em conflito quando, segundo o exército chinês, soldados indianos entraram no seu território e incendiaram os seus pertences. Os combates foram particularmente violentos e os dois governos tentaram rapidamente controlar a situação. Para isso, as administrações e os meios de comunicação chineses e indianos ocultaram factos e manipularam informações, deixando na sombra até mesmo os acontecimentos de 5 de maio.
Embora não exista atualmente um conflito armado aberto, grupos de cada uma das nações estão constantemente a fazer incursões ou ataques. A nível diplomático, existe um clima de desconfiança e não parece haver um diálogo fluido entre os países.
Por outro lado, a nível militar, os soldados de ambos os lados retiraram-se das zonas que provocaram o confronto em 2020. Apesar disso, de acordo com dados do Grupo de Crise Internacional, a China tem mais de 50.000 soldados na linha disputada. A Índia parece ter um maior número de militares na zona.
Os peritos do Grupo de Crise Internacional argumentam que "o reforço militar e a construção de infra-estruturas em ambos os lados da fronteira, embora não violem tecnicamente os acordos entre as partes, quebram o seu espírito e aprofundam a desconfiança". Nesta base, defendem que "as duas partes deveriam considerar o estabelecimento de um canal de comunicação de alto nível para clarificar mal-entendidos, complementando as linhas diretas existentes".
O conflito da Coreia
A relação entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul é também objeto de preocupação internacional. Após uma guerra de três anos em meados do século XX, os dois países assinaram um armistício. Apesar disso, as duas nações afirmam que toda a Coreia lhes pertence e as ameaças são constantemente cruzadas.
A imprensa internacional sublinha frequentemente o perigo nuclear que representa o confronto entre estas duas potências, mas atualmente não existe qualquer confronto armado aberto. No entanto, em 15 de janeiro de 2024, o líder norte-coreano Kim Jong Un declarou publicamente que não acredita que seja possível uma solução pacífica para o conflito e propôs declarar oficialmente a Coreia do Sul como um Estado hostil.

Preparado?
Dada a quantidade de tensões acumuladas, desde o início de 2024, muitos políticos e governantes alertaram os cidadãos para uma possível guerra em grande escala. Do Presidente dos EUA, Joe Biden, ao Presidente da Rússia, Vladimir Putin, os líderes mencionam frequentemente a necessidade de estar preparado para a guerra.
Tanto assim que, na Dinamarca, por exemplo, o serviço militar passou a ser obrigatório também para as mulheres do país. Entretanto, o Presidente francês Emmanuel Macron fez uma declaração pública apelando a outros países europeus para que considerem a possibilidade de guerra se a Rússia continuar a avançar. Estas declarações aumentam a desconfiança do público e criam um sentimento de incerteza quanto ao futuro.
Guerra dos media
Outra questão que é frequentemente esquecida é a batalha nos meios de comunicação social e nas redes sociais. A ascensão das novas tecnologias tem consequências muito positivas para o desenvolvimento da sociedade, mas também tem um impacto negativo.
A facilidade de partilha de informação, bem como as ferramentas que permitem modificar ou mesmo criar uma imagem de raiz, fazem da Internet um buraco onde é difícil distinguir a realidade da mentira.
Apelos à paz
Neste contexto, as palavras do Papa Francisco na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2019 vêm à tona. Nela, ele afirmou que "a paz nunca pode ser reduzida a um simples equilíbrio entre força e medo". Pelo contrário, explicou o Pontífice, "a paz baseia-se no respeito por cada pessoa, independentemente da sua história, no respeito pelo direito e pelo bem comum".
Todos os anos, o Bispo de Roma publica algumas palavras de reflexão sobre a paz. Mas, como é óbvio, os seus antecessores também defenderam a paz durante os seus mandatos. Um exemplo claro é o Papa Paulo VI, um homem que viveu as duas guerras mundiais. Na sua encíclica "Populorum Progressio", deixou claro que "a paz não pode ser reduzida a uma ausência de guerra, fruto de um equilíbrio de forças sempre precário. A paz constrói-se dia a dia, no estabelecimento de uma ordem querida por Deus, que realiza uma justiça mais perfeita entre os homens".
Responsabilidade solidária
Tanto o Papa Francisco como os seus antecessores consideraram o direito como uma forma de resolver conflitos. O atual Bispo de Roma apela frequentemente a um "direito humanitário". Comentando esta questão, a Dra. María Teresa Gil Bazo explica que "o direito pode e deve colocar a pessoa no centro. O direito internacional já contém um conjunto de regras relativas aos conflitos armados e ao tratamento das pessoas mesmo em situações de guerra. Mas o direito tem limites e por vezes é violado. É aqui que o papel de uma sociedade que exige soluções reais aos seus governantes é mais relevante.
A este respeito, Francisco denunciou em 2013 "a cultura do bem-estar, que nos leva a pensar em nós mesmos, nos torna insensíveis aos gritos dos outros, nos faz viver em bolhas de sabão, que são bonitas mas não são nada, são a ilusão do fútil, do provisório, que leva à indiferença para com os outros, ou melhor, leva à globalização da indiferença" (discurso do Papa Francisco a 8 de julho de 2013 durante a sua visita a Lampedusa). E é importante lutar contra esta indiferença porque a resposta para travar os conflitos actuais é reconhecer a nossa responsabilidade comum de promover a paz. Uma paz que seja "laboriosa e artesanal", como a define o Papa Francisco na sua encíclica "Fratelli Tutti".