Acreditar em algo que não é percepcionado com a visão pode parecer ilógico para uma sociedade do século XXI habituada a procurar e a provar tudo através da lógica, onde as provas racionais parecem ofuscar qualquer crença que não possa ser provada. A fé, entendida como a capacidade de acreditar sem ter visto, parece estar em desacordo com uma sociedade racionalista, em que as provas prevalecem sobre as convicções pessoais. No entanto, estas diferenças não implicam um conflito que leve à destruição de uma ou de outra, mas podem conduzir a uma relação de complementaridade.
"Eu acredito".
É certo que acreditar não é um simples ato passageiro. Ter a certeza da fé molda o ser humano, orienta-o para um fim último, penetra no mais profundo do seu ser e é aí que amadurece. Não se trata de um ato exterior, mas de algo que se torna parte essencial da pessoa. Tudo isto deve acontecer em liberdade; se não se reconhece o papel ativo e a participação do ser humano, é precisamente esta liberdade que é negada. No que diz respeito à fé, sem liberdade, o que se professa perde o sentido: já não seria fé, mas apenas uma norma imposta.
Em relação à liberdade, pensa-se muitas vezes que o apelo à fé implica uma perda total da liberdade e atenta contra a dignidade humana, reduzindo-a a um conjunto de regras. No entanto, esta visão é uma falácia, uma vez que a verdadeira liberdade atinge a sua plenitude precisamente através da fé.
Atualmente, assiste-se a uma luta por uma "liberdade" que exalta apenas o eu e, nessa forma individualista, a liberdade autêntica é mal compreendida ou rejeitada. Em contraste com esta visão, a liberdade cristã não transforma as pessoas em meros cumpridores de regras, mas oferece-lhes uma meta, um objetivo que é um caminho para o encontro com Aquele que é o próprio Caminho, a Verdade e a Vida, Jesus Cristo, nosso Senhor.
O que é que acontece se não acreditarmos num bem supremo? De facto, se não houver uma orientação para Deus, somos pobres homens que vivem sem ordem. A ordem presente na natureza é já um sinal claro de um Criador omnipotente. Não se pode negar obstinadamente a ação de Deus na história; fazê-lo implica colocar o homem no centro, deslocando Deus.
No entanto, a relação entre fé e liberdade continua a exigir que a pessoa assuma plenamente a sua própria identidade. Se não se assumir, a liberdade corre o risco de se tornar uma mera imposição. Leonardo Polo sublinha: "O homem tem de construir o ato voluntário, mas não o pode fazer sem se aceitar a si mesmo de acordo com a compreensão desse ato" ("Pessoa e liberdade", p. 153). O ato voluntário exige inteligência: primeiro, para compreender quem se é; depois, para se reconhecer naquilo que se faz. No âmbito da fé, se nos compreendemos como amados por Deus e redimidos por Cristo, então, com um ato voluntário, podemos experimentar esse amor e orientar-nos livremente para Deus.
Entendemos que a liberdade é algo próprio do ser humano. Por outro lado, reconhecemos a relação entre Deus e a nossa fé, uma relação que está plenamente unida na pessoa de Cristo. Ter liberdade não significa simplesmente ter uma infinidade de caminhos à disposição, onde muitas vezes não há um fim percebido, mas apenas meios que buscam satisfazer momentaneamente o desejo de prazer. Tal busca, porém, é uma ilusão, pois o caminho para a verdadeira liberdade está em encontrar Aquele que a deu a nós.
Dissociar completamente a pessoa de Cristo como fonte de liberdade é negar a ação de Deus na história e a salvação realizada através do Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo (cf. Jo 1,29). Não se trata de aceitar uma ideia abstrata de algo que não se vê, mas de viver um encontro pessoal com Deus tal como Cristo o revelou: mostrou o Pai para que tenhamos vida em abundância. Como diz Bento XVI: "No início do ser cristão não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas um encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, portanto, uma orientação decisiva" ("...").Deus Caritas Est", 1).
Sem liberdade não há fé. E se a liberdade é dada por Cristo, então essa fé é uma fé que confia plenamente que tudo está nas mãos do Pai.
As obras de Deus
Em segundo lugar, a fé é o reconhecimento da ação de Deus no mundo. Se já afirmámos que a fé implica um encontro pessoal, isso mostra que Deus também actua na realidade humana. Fá-lo através da Igreja, dos sacramentos, do magistério, bem como através da conversão e da santificação dos seus membros. Isto revela uma pluralidade de acções que, no entanto, respondem a um único plano divino: "Mas embora cada uma destas decisões seja única, todas elas constituem um todo, um plano divino" (Jean Daniélou, "Deus e nós", p. 113).
A comunicação contínua entre Deus e o homem é um sinal de Amor, a Aliança que é Cristo garante-nos a salvação. S. Paulo indica a necessidade de o nosso entendimento e o nosso corpo se orientarem conjuntamente para a fé em Jesus: "Porque se professares com os teus lábios que Jesus é o Senhor e acreditares com o teu coração que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo" (Rm 10,9).
Não é certamente uma tarefa fácil encontrar um ponto de encontro entre aquilo em que acredito e aquilo que professo, especialmente numa época tão racionalista como a atual. Neste contexto, ressoa fortemente a advertência de Bento XVI durante a missa "pro eligendo Pontifice" de 2005, quando falou da existência de uma "ditadura do relativismo". Esta luta pela coerência de vida não é fácil, mas é precisamente esta concordância que manifesta autenticamente a ação do Espírito Santo e assegura o caminho da salvação.
Em particular, encontramos uma cena significativa de falta de fé no relato da aparição de Jesus aos discípulos depois da Ressurreição (cf. Jo 20, 24-25). Tomé não acreditou, porque a tendência humana natural é confiar apenas naquilo que pode ser provado. É difícil abandonar esta ideia. Foi assim que o então professor Joseph Ratzinger em "Introdução ao Cristianismo": "O homem tende, por inércia natural, para o que é possível, para o que pode tocar com a mão, para o que pode entender como seu" (p. 49). Mudar isto é uma condição prévia para encontrar a fé.
Em última análise, a fé é um ato que necessita de graça. Requer um encontro pessoal - embora não visível - com o Criador. O salto para o desconhecido sempre assustou o homem; esse grande abismo desconhecido assusta-o e fá-lo recuar. É por isso que este passo não é possível sem a ajuda da graça. Mas esta graça não anula o ser humano; pelo contrário, eleva-o e aperfeiçoa-o, orientando-o plenamente para o bem supremo, que é o próprio Deus. Isto reflecte-se em S. Tomás: "A graça não destrói a natureza, mas aperfeiçoa-a" ("Summa Theologica", I, 1, 8 ad 2).
Muito mais poderia ser dito sobre a fé; é um tema inesgotável, porque inesgotável é a divindade. A sua graça é perpétua e, por isso, nunca a compreenderemos completamente. Só no mundo podemos vislumbrar aquilo em que acreditamos, mas conhecê-lo-emos plenamente quando o contemplarmos face a face. É por isso que o "eu creio" não é uma simples afirmação exterior, mas uma aceitação profunda, uma expressão do desejo de vida eterna. Como afirma Joseph Ratzinger: "A fé é uma mudança que tem de ser feita todos os dias; só numa conversa ao longo da vida é que podemos compreender o que significa a frase 'EU CREIO'" ("Introdução ao Cristianismo", p. 49).
Que grande dádiva é ter fé! Muitas vezes não nos apercebemos disso. Numa única palavra está contida a passagem para a salvação. Como é belo partilhar a crença num novo céu e numa nova terra; numa fé que muda vidas; numa fé comum que conduz a uma felicidade partilhada que é procurar Cristo e ser continuamente um louvor à sua majestade.
Maria, Mãe da fé
Não se pode falar de fé sem falar de Santa Maria. Pensemos por um momento na cena da Anunciação, essa imagem preciosa de uma mulher humilde, cujo único desejo era agradar a Deus e guardar a lei, como uma boa judia. Mas, de facto, o Senhor encarna-se através de um "sim"; assim começa a nova humanidade redimida em Cristo. Maria não sabia o que lhe iria acontecer a partir de agora, mas este ato de fé em Deus faz dela o exemplo mais puro: "Bem-aventurada aquela que acreditou, porque se cumprirá o que o Senhor lhe disse" (Lc 1,45). A ela, Mater Ecclesiae, dirigimos as nossas orações, para que um dia, por sua intercessão, possamos alcançar o que recebemos pela fé.