Vaticano

As finanças do Vaticano, os balanços do IOR e da Obrigação de São Pedro

Existe uma ligação intrínseca entre os orçamentos dos Oblatos de S. Pedro e o Instituto para as obras de religião.

Andrea Gagliarducci-12 de julho de 2024-Tempo de leitura: 4 acta

Existe uma estreita relação entre a declaração anual da O obolo de São Pedro e o balanço do Istituto delle Opere di Religione, o chamado "banco do Vaticano". Porque o óbolo é destinado à caridade do Papa, mas esta caridade exprime-se também no apoio à estrutura da Cúria Romana, um imenso "orçamento missionário" que tem despesas mas não tem tantas receitas, e que deve continuar a pagar salários. E porque o IOR, desde há algum tempo, faz uma contribuição voluntária dos seus lucros precisamente para o Papa, e esses lucros servem para aliviar o orçamento da Santa Sé. 

Durante anos, o IOR não teve os mesmos lucros que no passado, de modo que a parte atribuída ao Papa diminuiu ao longo dos anos. A mesma situação se aplica ao Óbolo, cujas receitas diminuíram ao longo dos anos e que também teve de enfrentar esta diminuição do apoio do IOR. Tanto assim que, em 2022, teve de duplicar as suas receitas com um desinvestimento geral de activos.

É por isso que os dois orçamentos, publicados no mês passado, estão de alguma forma ligados. Afinal de contas, o Finanças do Vaticano sempre estiveram ligados, e tudo contribui para ajudar a missão do Papa. 

Mas vejamos os dois orçamentos em mais pormenor.

O globo de São Pedro

No passado dia 29 de junho, os Oblatos de S. Pedro apresentaram o seu balanço anual. As receitas foram de 52 milhões, mas as despesas ascenderam a 103,4 milhões, dos quais 90 milhões para a missão apostólica do Santo Padre. Incluídas na missão estão as despesas da Cúria, que ascendem a 370,4 milhões. A Obrigação contribui assim com 24% para o orçamento da Cúria. 

Apenas 13 milhões foram destinados a obras de caridade, aos quais se juntam as doações do Papa Francisco através de outros dicastérios da Santa Sé, num total de 32 milhões, dos quais 8 milhões foram destinados a obras de caridade. financiado diretamente pelo Obolo.

Em resumo, entre o Fundo Obolus e os fundos dos dicastérios parcialmente financiados pelo Obolus, a caridade do Papa financiou 236 projectos, num total de 45 milhões. No entanto, o balanço merece algumas observações.

Será esta a verdadeira utilidade da Obrigação de São Pedro, que é frequentemente associada à caridade do Papa? Sim, porque o próprio objetivo da Obrigação é apoiar a missão da Igreja, e foi definida em termos modernos em 1870, depois de a Santa Sé ter perdido os Estados Pontifícios e não ter mais receitas para fazer funcionar a máquina.

Dito isto, é interessante que o orçamento dos Oblatos também pode ser deduzido do orçamento da Cúria. Dos 370,4 milhões de fundos orçamentados, 38,9% destinam-se às Igrejas locais em dificuldade e a contextos específicos de evangelização, num total de 144,2 milhões.

Os fundos para o culto e o evangelismo ascendem a 48,4 milhões, ou seja, 13,1%.

A difusão da mensagem, ou seja, todo o sector da comunicação do Vaticano, representa 12,1% do orçamento, com um total de 44,8 milhões.

37 milhões (10,9% do orçamento) foram destinados a apoiar as nunciaturas apostólicas, enquanto 31,9 milhões (8,6% do total) foram para o serviço da caridade - precisamente o dinheiro doado pelo Papa Francisco através dos dicastérios -, 20,3 milhões para a organização da vida eclesial, 17,4 milhões para o património histórico, 10,2 milhões para as instituições académicas, 6,8 milhões para o desenvolvimento humano, 4,2 milhões para a Educação, Ciência e Cultura e 5,2 milhões para a Vida e Família.

As receitas, como já foi referido, ascendem a 52 milhões de euros, dos quais 48,4 milhões de euros são donativos. No ano passado, houve menos donativos (43,5 milhões de euros), mas as receitas, graças à venda de bens imobiliários, ascenderam a 107 milhões de euros. Curiosamente, há 3,6 milhões de euros de receitas provenientes de rendimentos financeiros.

Em termos de donativos, 31,2 milhões provêm da recolha direta pelas dioceses, 21 milhões de donativos privados, 13,9 milhões de fundações e 1,2 milhões de ordens religiosas.

Os principais países doadores são os Estados Unidos (13,6 milhões), a Itália (3,1 milhões), o Brasil (1,9 milhões), a Alemanha e a Coreia do Sul (1,3 milhões), a França (1,6 milhões), o México e a Irlanda (0,9 milhões), a República Checa e a Espanha (0,8 milhões).

O balanço do IOR

O IOR 13 milhões de euros para a Santa Sé, em comparação com um lucro líquido de 30,6 milhões de euros.

Os lucros representam uma melhoria significativa em relação aos 29,6 milhões de euros registados em 2022. No entanto, os valores devem ser comparados: variam entre os 86,6 milhões de lucro declarados em 2012 - que quadruplicaram o lucro do ano anterior -, 66,9 milhões no relatório de 2013, 69,3 milhões no relatório de 2014, 16,1 milhões no relatório de 2015, 33 milhões no relatório de 2016 e 31,9 milhões no relatório de 2017, até 17,5 milhões em 2018.

O relatório de 2019, por sua vez, quantifica os lucros em 38 milhões, também atribuídos ao mercado favorável.

Em 2020, o ano da crise da COVID, o lucro foi ligeiramente inferior, com 36,4 milhões.

Mas no primeiro ano pós-pandemia, um 2021 ainda não afetado pela guerra na Ucrânia, a tendência voltou a ser negativa, com um lucro de apenas 18,1 milhões de euros, e só em 2022 voltou à barreira dos 30 milhões.

O relatório IOR 2023 fala de 107 empregados e 12.361 clientes, mas também de um aumento dos depósitos de clientes: +4% para 5,4 mil milhões de euros. O número de clientes continua a diminuir (12.759 em 2022, mesmo 14.519 em 2021), mas desta vez o número de empregados também diminui: 117 em 2022, 107 em 2023.

Assim, a tendência negativa dos clientes mantém-se, o que nos deve fazer refletir, tendo em conta que o rastreio das contas consideradas não compatíveis com a missão do IOR foi concluído há algum tempo.

Agora, o IOR é também chamado a participar na reforma das finanças do Vaticano desejada pelo Papa Francisco. 

Jean-Baptiste de Franssu, presidente do Conselho de Superintendência, sublinha na sua carta de gestão os numerosos elogios que o IOR recebeu pelo seu trabalho em prol da transparência durante a última década e anuncia: "O Instituto, sob a supervisão da Autoridade de Supervisão e Informação Financeira (ASIF), está, portanto, pronto a desempenhar o seu papel no processo de centralização de todos os bens do Vaticano, de acordo com as instruções do Santo Padre e tendo em conta os últimos desenvolvimentos regulamentares.

A equipa do IOR está ansiosa por colaborar com todos os dicastérios do Vaticano, com a Administração do Património da Sé Apostólica (APSA) e por trabalhar com o Comité de Investimento para desenvolver ainda mais os princípios éticos do FCI (Faith Consistent Investment), em conformidade com a doutrina social da Igreja. É fundamental que o Vaticano seja visto como um ponto de referência".

O autorAndrea Gagliarducci

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Os temas debatidos na última congregação geral

Se olharmos para os tópicos discutidos pelos cardeais, podemos ver como eles se pronunciaram nos últimos dias tanto a favor das linhas principais promovidas pelo Papa Francisco como dos riscos que elas implicam.

Javier García Herrería-6 de maio de 2025-Tempo de leitura: 2 acta

A décima segunda e última Congregação Geral dos cardeais, antes do início do conclave para a eleição do novo Papa, realizou-se esta terça-feira, 6 de maio, às 9 horas. Estiveram presentes 173 cardeais, dos quais 130 eleitores, e foram registadas 26 intervenções que abordaram muitas questões centrais para o futuro da Igreja.

Prioridades do novo pontificado

A sessão começou, como habitualmente, com um momento de oração. As intervenções "reiteraram a consciência de que muitas das reformas promovidas pelo Papa Francisco precisam de continuar": a luta contra os abusos, a transparência económica, a reorganização da cúria, a sinodalidade, o compromisso com a paz e o cuidado com a criação.

Um dos aspectos centrais que emergiu nas intervenções foi o perfil desejado para o próximo Papa: "Surgiu o perfil de um Papa pastor, mestre de humanidade, capaz de encarnar o rosto de uma Igreja samaritana, próxima das necessidades e das feridas da humanidade". Neste tempo "marcado pela guerra, pela violência e por uma forte polarização", procura-se uma figura de guia espiritual que inspire "misericórdia, sinodalidade e esperança".

Poder papal e unidade

Algumas intervenções centraram-se em questões canónicas e reflectiram "sobre o poder do Papa". Foram também abordadas "as divisões no seio da Igreja e da sociedade e o modo como os cardeais são hoje chamados a exercer o seu papel em relação ao papado".

A necessidade de tornar mais significativas as reuniões do Colégio dos Cardeais durante o ConsistóriosO encontro recordou também "os mártires da fé", especialmente nas regiões onde os cristãos são perseguidos. Foram também recordados "os mártires da fé", especialmente nas regiões onde os cristãos são perseguidos.

Envolvimento climático, ecumenismo e paz

Falou do Dia Mundial dos Pobres e da sua relação com a Solenidade de Cristo Rei, sublinhando que "a verdadeira realeza do Evangelho se manifesta no serviço".

Entre as urgências pastorais, o desafio das alterações climáticas foi reafirmado como "um desafio global e eclesial". O diálogo ecuménico também foi retomado, com referências ao Concílio de Niceia e à possibilidade de uma data comum para a celebração da Páscoa.

A Congregação terminou com a leitura de um comunicado oficial: "um apelo dirigido às partes envolvidas em vários conflitos internacionais". Nele, os cardeais pedem "um cessar-fogo permanente e o início de negociações que conduzam a uma paz justa e duradoura, no respeito da dignidade humana e do bem comum".

Actos simbólicos

Durante a sessão, foi também anunciado o cancelamento do Anel do Pescador e do Selo de Chumbo, sinais distintivos do pontificado anterior. Por fim, "foram tomadas algumas disposições práticas para o programa dos cardeais eleitores durante a conclave". A reunião terminou às 12h30 e não estão previstas outras congregações gerais.

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Conclave: regras, perfis, duração e curiosidades

O conclave de 2025 começa na quarta-feira com 133 cardeais eleitores de 71 países, sob rigorosas medidas de segurança e sigilo.

Redação Omnes-6 de maio de 2025-Tempo de leitura: 3 acta

No dia 7 de maio de 2025, a Igreja Católica inicia o conclave para eleger o novo pontífice, um processo regido por regras e tradições que garantem a sua solenidade e secretismo.

Regras do Conclave

Antes do início do conclave, às 10 horas, os cardeais celebrarão a "Missa Pro Eligendo Pontifice" na Basílica de São Pedro. Esta cerimónia litúrgica invoca a orientação do Espírito Santo para a eleição do novo Papa e será presidida pelo Cardeal Giovanni Battista Re, decano do Colégio dos Cardeais.

À tarde, às 16h30, terá lugar a procissão de entrada dos cardeais na Capela Sistina. juramento dos cardeais, após o que será pronunciado o "extra omnes" e terá lugar a primeira votação.

A partir de quinta-feira, realizam-se quatro votações diárias: duas de manhã e duas à tarde. Após as votações da manhã e da tarde, sai um fumo da chaminé da Capela Sistina: branco se houver um novo Papa, preto se não for alcançada a maioria necessária.

Para uma eleição válida, é necessária uma maioria de dois terços (89 votos).

E, uma nuance importante, se ao fim de três dias não tiver sido eleito um Papa, é concedido um dia de pausa para oração e reflexão. Isto significa que, se o Papa não for eleito até sábado, não haverá votação no domingo.

Medidas de segurança e isolamento

Para preservar a confidencialidade do processo e impedir a comunicação com o exterior, as janelas do Santa Marta que têm vista para a cidade de Roma e são mais altos do que a altura dos muros do Vaticano. Antes de os cardeais ocuparem os seus quartos, os seus pertences serão revistados, certificando-se de que não transportam aparelhos de comunicação.

Tal como aconteceu no conclave de 2013, são utilizados bloqueadores de sinal, sistemas anti-drone e proteção laser para evitar qualquer fuga de informação, não só na Capela Sistina, mas também no perímetro interior da Cidade do Vaticano.

Perfis dos Cardeais-eleitores

Dos 135 cardeais elegíveis, 133 participarão no conclave. Dos cardeais eleitores, 5 foram nomeados por João Paulo II, 22 por Bento XVI e 108 por Francisco.

São 133 os cardeais com direito a voto, representando 71 países, o que faz deste o conclave mais multicultural até à data. Em termos de distribuição geográfica, 53 são da Europa, 23 da Ásia, 18 de África, 68 da América (16 da América do Norte, 4 da América Central e 17 da América do Sul) e 4 da Oceânia.

A Itália tem 17 cardeais eleitores, os Estados Unidos 10, o Brasil 7, a Espanha e a França 5, a Índia, a Argentina, o Canadá, Portugal e a Polónia 4. A distribuição geográfica reflecte a diversidade da Igreja.

Dois cardeais não estarão presentes no conclave devido a doença, o espanhol Antonio Cañizares e o queniano John Njue. O cardeal bósnio Vilko Puljić votará a partir do seu quarto na Casa Santa Marta, devido ao seu delicado estado de saúde.

Duração dos últimos conclaves

A duração média dos conclaves nos séculos XX e XXI foi de três dias. Pio XII e Bento XVI foram eleitos em dois dias. João Paulo II saiu no quarto dia do conclave e Pio XI demorou cinco dias.

No longo e caótico conclave que se seguiu à morte do Papa Clemente IV, realizado em Viterbo entre 1268 e 1271, os cardeais demoraram quase três anos a chegar a um acordo, o que levou as autoridades civis a tomarem medidas extremas: selaram o edifício, reduziram a alimentação a pão e água e, por fim, retiraram o teto do local onde deliberavam, expondo-os às intempéries.

Esta pressão drástica surtiu efeito e foi finalmente eleito o Papa Gregório X, que, depois de assumir o pontificado, estabeleceu as primeiras regras formais do conclave no Concílio de Lyon, em 1274, constituindo um marco na história do processo de eleição papal.

Medidas para o Conclave

Para garantir que o conclave decorra de forma segura e absolutamente confidencial, o Vaticano adoptou um conjunto de medidas logísticas e de segurança sem precedentes. Uma equipa de 60 funcionários está a trabalhar intensamente para adaptar a Capela Sistina, instalando sistemas tecnológicos para impedir qualquer tipo de comunicação com o mundo exterior, bem como para adaptar o espaço sagrado como sala de votação.

Em conformidade com as regras de sigilo rigorosas, os enfermeiros, os ascensoristas e o restante pessoal autorizado a circular nas zonas de trabalho prestarão um juramento de sigilo de funções na véspera do início do conclave.

Devido ao grande número de participantes e assistentes, foram criadas salas adicionais tanto na antiga Casa Santa Marta como no vizinho Colégio Teutónico, reforçando assim o isolamento necessário para este processo solene e reservado que marcará o futuro da Igreja.

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Bem-aventurados os misericordiosos

Para Francisco, cada pessoa excluída era objeto do seu amor. Se essa exclusão era ou não culpa sua, não era uma questão para ele. O amor via a necessidade, não o mérito.

Joseph Evans-6 de maio de 2025-Tempo de leitura: 7 acta

O facto de um dos últimos "arrependimentos" da Papa Francisco não ter podido lavar os pés aos presos numa prisão romana diz muito sobre o homem e o seu coração misericordioso. De acordo com o seu médico pessoal, Sergio Alfieri, o Pontífice teria gostado de lavar os pés aos prisioneiros quando visitou a prisão a 17 de abril.

"Ele lamentava não poder lavar os pés dos prisioneiros", disse Alfieri ao diário italiano Corriere della Sera. Desta vez não pude fazê-lo", foi a última coisa que me disse.

Não se trata de um desejo aleatório, como qualquer católico sabe. O lava-pés faz parte da cerimónia anual de Quinta-feira Santa, em que o padre, imitando as acções de Cristo na Última Ceia, lava os pés de alguns dos seus paroquianos como expressão de serviço e humildade.

E, no entanto, como qualquer padre diria, não é uma parte absolutamente obrigatória do serviço e pode ser omitida, e mais de um padre fá-lo com prazer. Mas a visita do Papa a essa prisão era para ele um compromisso anual, e lavar os pés a esses 12 prisioneiros escolhidos era uma parte essencial da visita. Desta forma, o Papa mostrava a sua solidariedade para com os excluídos da sociedade.

Para Francisco, cada pessoa excluída era objeto do seu amor. Se essa exclusão era ou não culpa sua, não era uma questão para ele. O amor via a necessidade, não o mérito. E foi assim que Francisco o viveu.

Revolução da Misericórdia

Veja-se, por exemplo, o seu documento "Fratelli Tutti"de 2020. É um texto muito longo, que muitas vezes parece mais um grito de dor do que um documento papal (e a preocupação de Francisco pelos pobres e excluídos levou-o por vezes a delírios de justiça, tão perturbado estava com a injustiça social). A certa altura, propõe algo que parece quase utópico: "A decisão de incluir ou excluir aqueles que estão feridos à beira do caminho pode servir de critério para julgar qualquer projeto económico, político, social e religioso".

Será que alguém pode realmente viver assim? Será que um governo pode adoptá-lo como política económica? Cada decisão, cada uma delas, é tomada com base na inclusão ou exclusão dos necessitados: se os inclui, luz verde; se os exclui, esqueça. Nestes tempos de pragmatismo duro, é considerado totalmente impraticável.

E, no entanto, já imaginaram se algumas pessoas vivessem isto? Se alguma autoridade pública começasse a levar isto a peito? Isso criaria uma verdadeira revolução social, precisamente uma revolução da misericórdia. Era Francisco. De uma forma muitas vezes pouco prática, pedia e esperava misericórdia, confiante de que, de facto, na prática, só a misericórdia pode transformar a sociedade para o bem.

Rezo para que, por intercessão de Francisco, este artigo inspire pelo menos alguns leitores a adotar esta política aparentemente rebuscada mas, na verdade, profundamente realista.

A Boa Nova da Misericórdia

Sejamos claros: o Papa Francisco não inventou a misericórdia. Deus foi o primeiro. Mesmo nas páginas aparentemente duras do Antigo Testamento, a misericórdia inspirou todas as acções de Deus para com Israel e, através dela, para com a humanidade.

Os Evangelhos são, antes de mais, a boa nova da misericórdia de Deus em Jesus Cristo, Deus que se fez homem para tomar sobre si o castigo que merecíamos. E à maneira de Francisco (ou deveríamos dizer que Francisco agiu à maneira de Jesus?), vemos Jesus ir ao encontro dos excluídos, mesmo quando isso escandalizava os mais "ortodoxos" e rigorosos.

Mesmo entre os Papas, quando se tratava de proclamar a misericórdia, muitos pontífices estavam à frente de Francisco. O primeiro deles foi São João Paulo II, para quem a promoção da misericórdia divina foi uma caraterística fundamental do seu pontificado. O Papa polaco fez tudo o que pôde para proclamar esta misericórdia, em particular canonizando a grande apóstola da misericórdia divina, Santa Faustina, e promovendo a sua mensagem.

Ovelha perdida

Francisco era espontâneo e terno (e, por vezes, autoritário e errático, porque isso também era verdade), mas mesmo as suas decisões mais autocráticas partiam de um bom lugar: a sua convicção sincera de que, ao tomar uma determinada ação, estava a servir os necessitados.

Algumas das suas declarações irreverentes chocaram muitos, como o seu comentário "quem sou eu para julgar?" num avião vindo do Brasil em 2013, quando lhe perguntaram sobre os homossexuais. "Se uma pessoa é gay e procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgar?", disse ele aos repórteres. Francisco não estava a tentar elogiar a atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo. Com o seu coração misericordioso, estava simplesmente a reconhecer que todas as pessoas, independentemente das suas inclinações, e mesmo por vezes em situações objetivamente pecaminosas (um ponto explicado de forma magnífica na sua "Amoris Laetitia" de 2015), podem ainda assim mostrar muita bondade e abertura a Deus.

Não foi isso que Jesus nos ensinou no seu encontro com a Samaritana, ela que, com os seus cinco maridos anteriores e o seu atual companheiro, foi capaz de anunciar Cristo e evangelizar os seus compatriotas?

Era um homem à procura de ovelhas perdidas. Isto fez com que parecesse ter menos tempo para os que já faziam parte do rebanho. Não é, portanto, surpreendente que Francisco tenha sido, de um modo geral, mais amado pelos não católicos ou pelos católicos não praticantes do que por alguns católicos praticantes que, por vezes, se sentiram magoados e, sim, excluídos por algumas das suas declarações e acções.

Mas é preciso lembrar que a decisão de Deus de instituir o papado implica necessariamente uma institucionalização das limitações humanas e da visão parcial. Embora não tenha sido Papa, isto é muito claro em S. Paulo. Como Francisco, tinha um coração enorme e, também como Francisco, a sua visão, muitas vezes parcial e unilateral, impregnava tudo o que escrevia.

Em cada epístola paulina, não podemos deixar de pensar: "mas o que pensavam os que estavam do outro lado? E talvez também eles sentissem que a abertura radical do apóstolo os excluía?"

Ao estender a mão a todos, Francisco foi uma fonte de incómodo para mais do que alguns. As suas frequentes advertências aos padres para não transformarem o confessionário numa câmara de tortura irritaram muitos, especialmente os padres que passavam mais tempo a ouvir confissões, com uma verdadeira preocupação de serem misericordiosos. Mas suponho que Francisco sentiu que tinha de dizer isto porque a própria ideia de alguém ser magoado por aquilo que deveria ser o sacramento da misericórdia o magoava profundamente.

Tradicional

Francisco amava a piedade popular e as devoções. Admirava profundamente a piedade simples das pessoas comuns. A inclusão de uma menção a São José em todas as missas de rito latino foi uma das suas grandes dádivas à Igreja. Mas durante o seu pontificado, alguns dos novos movimentos e organizações de leigos da Igreja, bem como algumas novas ordens religiosas, sentiram-se menos bem-vindos e, por vezes, sob suspeita.

Mas tratava-se também de misericórdia, em parte para lidar com alguns dos problemas que João Paulo II, com o seu coração misericordioso, tinha criado. Parece que João Paulo II, na sua abertura a tudo o que considerava bom, foi por vezes demasiado acolhedor para com pessoas que mais tarde se revelaram problemáticas.

Bento XVI, primeiro, e Francisco, depois, tiveram de lidar com uma série de novas instituições cujos fundadores tinham cometido vários actos de abuso, casos que, infelizmente, não foram poucos. Penso que a possibilidade de, sob o pretexto de uma espiritualidade fervorosa, alguém poder ser abusado por um lobo em pele de cordeiro magoou profundamente Francisco.

Perante estas situações, o pontificado de Francisco pareceu um pouco hesitante face às novas realidades eclesiais.

Francisco e os leigos

A promoção da sinodalidade por parte de Francisco - por muito que, para os seus detractores, parecesse ser uma grande conversa - também veio de um lugar de misericórdia. Francisco tinha horror ao clericalismo, em que os clérigos dominam os leigos e os reduzem à passividade, e pronunciou-se frequentemente contra ele.

Ele encorajou a santidade dos leigos, também em seu documento de 2018 sobre o chamado à santidade "Gaudete et Exsultate". E a viagem sinodal foi precisamente um meio para encorajar uma maior participação dos leigos na Igreja, especialmente das mulheres. Por outras palavras, para integrar mais aqueles que anteriormente se sentiam excluídos.

Da mesma forma, a repressão de Francisco sobre as formas litúrgicas do rito antigo foi feita por misericórdia. No início, tentou ser indulgente com estas formas, mas provavelmente sentiu que tinha chegado o momento em que era necessário um amor duro (e Francisco nunca se esquivou a decisões duras): por vezes, a Mãe Igreja sabe melhor. Amor duro e também boa teologia: em última análise, a liturgia é uma questão de obediência à Igreja.

O próximo Papa

O que é que precisamos do próximo Papa? Não tenho dúvidas de que os cardeais de ambos os extremos estarão ocupados a tentar colocar o seu homem no cargo. Enquanto os liberais vão querer um Francisco com esteróides, os conservadores reacionários vão querer um Papa que esperam que trave as reformas de Francisco.

Espero que o senso comum e sobrenatural prevaleça. Precisamos de um homem que preserve tudo - tanto! - o que há de bom no pontificado de Francisco, incluindo a sua visão eminentemente prática da fé como algo a ser vivido e levado a verdadeiras obras de misericórdia, mas que também confirme os seus irmãos na fé (Lc 22,32).

É uma questão de tensão: João Paulo II e Bento XVI também encorajaram a ação social. Mas Francisco encorajou-a especialmente. Espero e rezo para que o novo Papa continue a encorajá-la; eu preciso certamente de continuar a ouvi-la. Costumo dizer que, de certa forma, é fácil ser ortodoxo, ter ideias claras sobre a nossa fé. O difícil é pô-las em prática na vida quotidiana, de modo a que o verdadeiro amor inspire as nossas acções.

A Igreja é o barco de Pedro, mas este navio move-se muitas vezes mais como um superpetroleiro muito lento do que como um iate ágil. Muda de rumo lenta e desajeitadamente, e nenhum Papa consegue reunir todas as suas qualidades. Mas eu rezo por um Papa que nos dê uma oportunidade de respirar, que cure as feridas também dentro da Igreja, que vá ao encontro das ovelhas perdidas e, ao mesmo tempo, faça com que o rebanho maior e os pastores que o assistem se sintam valorizados.

E o novo papa terá de tomar medidas para que o que era bom em Francisco não seja desvirtuado. Um exemplo disso é o já referido caminho sinodal que, apesar de todos os seus potenciais benefícios, acarreta um grande perigo: pode, de facto, conduzir a um clericalismo mais profundo, reduzindo a participação dos leigos na Igreja ao envolvimento em comissões diocesanas ou paroquiais.

Assim como os leigos católicos devem participar nas decisões da Igreja, devem participar ainda mais na vida cívica e social quotidiana, dando testemunho de Cristo e procurando transformar a sociedade segundo os princípios cristãos.

Talvez seja altura de ultrapassar os rótulos esquerda-direita e conservador-liberal na Igreja. Não se é um liberal por promover a misericórdia radical e ir ao encontro dos marginalizados. Foi isso que Jesus fez. Não se é conservador por se ensinar fielmente a verdade: Jesus também o fez.

Se querer tudo isto é pedir um milagre, então é exatamente isso que eu peço. E faço-o por intercessão de João Paulo II, de Bento XVI e, muito, muito amado, do Papa Francisco.


Este artigo foi originalmente publicado no Adamah Media e é reproduzido no Omnes com permissão. Pode ler o artigo original AQUI.

Vaticano

Como os 133 cardeais eleitores fazem o juramento de segredo

Por mandato do Colégio Cardinalício, o Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias, D. Diego Ravelli, assinou há alguns dias o livrinho do conclave. Nele está contido o juramento que os 133 cardeais eleitores do próximo Papa deverão prestar na Capela Sistina, no dia 7 de maio.  

Francisco Otamendi-6 de maio de 2025-Tempo de leitura: 2 acta

O 133 cardeais eleitores do próximo Romano Pontífice deve ser empossado imediatamente antes do conclave que começa na quarta-feira, dia 7. Como é sabido, para o eleição do Papa são necessários pelo menos 2/3 dos boletins de voto, ou seja 89 votos com o seu nome, com regras muito precisas. 

Uma delas é o juramento. Após a invocação ao Espírito Santo através do hino "Veni Creator Spiritus", o Cardeal Giovanni Battista Re, Decano do Colégio Cardinalício, ou o primeiro cardeal por ordem de antiguidade, lê o texto do "iureiurando" ou juramento. 

Nela, os cardeais são obrigados a respeitar fielmente as regras do conclave. Juram que quem for eleito Romano Pontífice desempenhará fielmente o "munus petrinum" (ofício ou missão de Pedro), de Pastor da Igreja universal. Juram também observar o "segredo" em todos os assuntos relacionados com a eleição.

Texto completo 

O texto integralintitulada "De ingressu in conclave et iureiurando" (Entrada no conclave e juramento), é a seguinte

"Todos e cada um de nós, Cardeais eleitores presentes nesta eleição do Sumo Pontífice, prometemos, comprometemo-nos e juramos observar fiel e escrupulosamente todas as prescrições contidas na Constituição Apostólica do Sumo Pontífice João Paulo II, Universi Dominici Gregisemitido em 22 de fevereiro de 1996, e as alterações do Motu Proprio "....Regras não nulasPapa Bento XVI em 22 de fevereiro de 2013.

De igual modo, prometemos, obrigamo-nos e juramos que aquele que de entre nós, por disposição divina, for eleito Romano Pontífice, se empenhará em cumprir fielmente o "munus petrinum" de Pastor da Igreja universal e não deixará de afirmar e defender com coragem os direitos espirituais e temporais e a liberdade da Santa Sé".

Durante e após

"Acima de tudo", continua o juramentoPrometemos e juramos observar com a máxima fidelidade e com todos, tanto clérigos como leigos, 

- o segredo sobre tudo o que de alguma forma está relacionado com a eleição do Romano Pontífice e sobre o que acontece no local de eleição que diz respeito direta ou indiretamente ao escrutínio; 

- não violar de modo algum isto é segredo durante e após da eleição do novo Pontífice, salvo autorização expressa do próprio Pontífice; 

- não apoiar ou encorajar qualquer interferênciaA eleição do Romano Pontífice, a oposição ou qualquer outra forma de intervenção através da qual as autoridades seculares de qualquer ordem ou grau, ou qualquer grupo de pessoas ou indivíduos, desejem interferir na eleição do Romano Pontífice".

Juramento de cada cardeal eleitor 

Depois, de acordo com o folheto da celebração, "cada cardeal eleitor, segundo a ordem de precedência, prestará juramento com esta fórmula:

E eu, N. Cardeal N., prometo, comprometo-me e juro.

E, colocando a mão sobre os Evangelhos, acrescentará: "Que Deus me ajude e estes Santos Evangelhos que eu toco com a minha mão".".  

Depois do juramento, o já referido Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias, o Arcebispo Ravelli, pronunciará o famoso "....Extra omnes". e todos os que estão fora do conclave devem abandonar a Capela Sistina.

AnteriormenteNa segunda-feira, dia 5, o juramento foi prestado pelos chamados "oficiais e funcionários do conclave".

O autorFrancisco Otamendi

Evangelização

S. Domingos Sávio e S. Pedro Nolasco

No dia 6 de maio, a liturgia celebra São Domingos de Sávio, falecido aos 14 anos, que conheceu e tratou Dom Bosco. O Papa Pio XI descreveu-o como "um pequeno mas grande gigante do espírito". São Pedro Nolasco, fundador da Ordem das Mercês, é também comemorado neste dia.

Francisco Otamendi-6 de maio de 2025-Tempo de leitura: 2 acta

A Igreja inclui uma série de santos e beatos no calendário dos santos do dia 6 de maio. Entre os mais conhecidos contam-se o jovem São Domingos de Sávio e o fundador da Ordem dos Mercedários, São Pedro Nolasco.

Domingos Sávio nasceu a 2 de abril de 1842, perto de Chieri, Turim, segundo de 10 filhos, filho de Carlos, ferreiro, e de Brigida, costureira. Foi batizado no mesmo dia do seu nascimento na igreja paroquial de Riva, perto de Chieri.

Recebeu a Primeira Comunhão aos 7 anos de idade e fez estas objectivos1) Confessar-me-ei frequentemente e comungarei sempre que o meu confessor mo permitir. 2) Guardarei santamente os dias de festa. 3) Os meus amigos serão Jesus e Maria. 4) Prefiro morrer a pecar. Domingos renovou estas resoluções todos os dias da sua curta vida. 

Jesus no Santíssimo Sacramento, Maria, o Papa

Dom BoscoAo relatar o seu primeiro encontro com Sávio, diz: "Reconheci nele um estado de espírito segundo o espírito do Senhor. Fiquei espantado ao aperceber-me da obra que a graça divina já tinha feito naquele coração terno". As suas grandes devoções eram Jesus no Santíssimo Sacramento, a Imaculada Conceição de Maria e o Papa. 

É preciso lembrar, dizem os sítios Web O papel de Domingos Sávio na fundação da Sociedade da Imaculada Conceição, berçário da futura Congregação Salesiana". Em março de 1857, devido a uma doença grave e súbita, a saúde de Domingos deteriorou-se. Morreu aos 14 anos de idade, exclamando: "Oh, que coisas maravilhosas eu vejo...". O Papa Pio XI chamou-lhe "um pequeno mas grande gigante do espírito". 

Visita e libertação de prisioneiros

Outro santo do dia é São Pedro Nolasco. "Deus, Pai de misericórdia", escrevem os religiosos mercedários, "quis para suscitar na Igreja homens e mulheres guiados pelo espírito redentor de Jesus Cristo". Que eles "visitem e libertem os cristãos que, devido a circunstâncias adversas à dignidade da pessoa humana, correm o risco de perder a sua fé".

Para levar a cabo esta missão, "movido pelo amor de Cristo, inspirado pela Virgem Maria e respondendo às necessidades da Igreja, a 10 de agosto de 1218, São Pedro Nolasco fundou em Barcelona a Ordem de São Pedro Nolasco. Virgem Maria da Misericórdia da redenção dos cativos, com a participação do rei Jaime de Aragão e perante o bispo da cidade, Berenguer de Palou".

De facto, os pobres cativos não tinham ninguém que olhasse por eles e estavam condenados a morrer na sua situação miserável ou a negar a sua fé. O drama tocou-lhe o coração e Pedro embarcou no a tarefa de os redimire trouxe os seus amigos para bordo. E quando o seu ânimo estava a fraquejar e não havia meios, Pedro Nolasco reparou como Maria o encorajava a continuar e a não desistir.

O autorFrancisco Otamendi

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A Igreja e a Segunda República Espanhola

Durante a Segunda República Espanhola, o confronto entre o Estado laico e uma Igreja ainda muito influente na sociedade intensificou-se, alimentado por um crescente anti-clericalismo ideológico e popular.

José Carlos Martín de la Hoz-6 de maio de 2025-Tempo de leitura: 8 acta

A partir de finais do século XIX, em consequência da penetração do liberalismo em Espanha, verificou-se uma enorme clivagem entre as classes dirigentes do país e o povo simples. Se entre as primeiras havia casos de agnosticismo ou simplesmente de vidas descrentes, entre as segundas havia uma fé religiosa quase generalizada. Por outro lado, havia também uma distinção entre a prática cristã na vida dos subúrbios das grandes cidades e na vida das aldeias. 

A descristianização das massas trabalhadoras

No final do século XIX e início do século XX, assistiu-se à descristianização das massas trabalhadoras em Espanha, sobretudo com o nascimento de bairros de extrema pobreza e de pobreza nas zonas rurais desfavorecidas do país. Embora tenham sido lançadas muitas iniciativas de carácter social, sobretudo a partir da Encíclica de Leão XIII, Rerum NovarumA desconexão de grandes massas de trabalhadores da mensagem cristã é um facto comprovado.  

Um fator-chave para compreender o ódio desencadeado no período constitucional da Segunda República Espanhola foi o elevado nível de analfabetismo existente em Espanha nessa época. Falou-se do 40% no final da Ditadura de Primo de Rivera. Só a ignorância explicaria que obras de arte de valor incalculável tenham sido destruídas, templos queimados sem a mínima consideração. E explicaria também como é que as pessoas da aldeia acreditaram em afirmações tão absurdas como a de que os padres envenenavam as fontes ou matavam as crianças com rebuçados venenosos.

A ascensão do anticlericalismo

Por outro lado, a partir do início do século XX, consolidaram-se sectores de intelectuais espanhóis formados na descrença, convictos do seu ateísmo e agnosticismo, que habilmente movimentaram as massas, principalmente através da imprensa. A ação constante do krausismo e da Institución Libre de Enseñanza teve, sem dúvida, a sua influência. 

Uma parte da imprensa republicana insistia, naqueles anos, em ver a Igreja como um poder espiritual que tiranizava as consciências, pelo que era urgente libertarmo-nos dela. A isto juntam-se as editoras que surgiram e as edições populares que publicaram, bem como peças de teatro, etc.

A influência de alguns pensadores será cada vez maior, e a sua aversão à Igreja irá da frieza à hostilidade. O seu reflexo mais claro é o anti-clericalismo crescente, que se tornou uma paixão entre as massas trabalhadoras e em algumas zonas rurais. Evidentemente, cometeram um erro de cálculo: nem a Igreja era a mesma do Antigo Regime, nem a fé católica estava tão enraizada como pensavam. Como refere Álvarez Tardío: "Devemos, portanto, rejeitar a explicação comum e elementar de que o laicismo agressivo dos republicanos foi uma resposta ao intolerável antirrepublicanismo dos católicos".

O objetivo do anticlericalismo não era contestar a doutrina da Igreja, ou o conteúdo do Evangelho, ou a verdade da fé proposta pela Igreja, mas tentar libertar-se do jugo da consciência e das formas sociais moldadas pela Igreja. Estes novos pensadores pretendiam uma moral laica e princípios liberais autónomos.. É interessante notar o fenómeno que se produziu durante o século XIX em Espanha: em primeiro lugar, o aparecimento de intelectuais e, em segundo lugar, o exercício de um magistério moral que, até então, só correspondia à Igreja. Devido à elevada taxa de analfabetismo, não deixaram de falar às minorias. Entretanto, o clero, através da catequese, do ensino e das celebrações litúrgicas, dirigia-se à maioria dos espanhóis ao longo da sua vida.

O artigo 26º e a eclosão da "questão religiosa".

As discussões em torno do artigo 26º da Constituição, em outubro de 1931, trouxeram à tona uma grande quantidade de opiniões contra a ação da Igreja, altamente carregadas de paixão. Como salienta Jackson: "Assim que as comportas se abriram, ninguém foi capaz de refletir serenamente sobre a necessidade de novas reflexões entre a Igreja e o Estado". Assim, foi como um rio transbordante de paixões, incluindo o próprio nome: "a questão religiosa", que até então, para a maioria do país, tinha sido algo cativante, tornou-se um problema, e aparentemente um problema importante, porque se prestou mais atenção a estes debates do que aos graves problemas económicos, estruturais e educativos.

No entanto, a influência da Igreja Católica era muito grande em todo o país. Quer através do controlo da maioria dos estabelecimentos de ensino, quer através dos seus professores, na sua maioria bons católicos.

Uma grande parte dos intelectuais, bem como as classes dirigentes, eram católicos bem formados, mesmo que a sua prática espiritual fosse mais ou menos fervorosa. É claro que os costumes sociais eram basicamente cristãos. As boas maneiras são respeitadas. Faltavam, sem dúvida, intelectuais católicos com a formação adequada para apresentar a mensagem cristã de uma forma empolgante, com mais força e coerência pessoal.

É interessante notar a boa situação geral do clero durante a Segunda República. É o resultado dos seminários e dos diplomas aí obtidos, ou em Roma, na Universidade Gregoriana. O clero e os bispos gozavam de saúde espiritual: abundavam os padres piedosos, virtuosos, dedicados, exemplares. De facto, o número de mártires e confessores durante a guerra civil foi impressionante.

O mito de uma Igreja voltada para o passado

Intelectualmente, viviam fechados num pequeno mundo intelectual, mas nem os bispos nem o clero tinham sido afectados pela crise modernista que tinha abalado a Europa anos antes. Por outro lado, vale a pena recordar a situação das Faculdades de Teologia espanholas que, desde 1851, data em que deixaram de pertencer à Universidade Civil, estavam a decair em prestígio e nível científico. Em 1932, Pio XI publicou a "Deus scientiarum Dominus"Era a primeira vez que se criava uma Faculdade de Teologia em Espanha. De facto, em 1933, a maior parte destas faculdades espanholas foram encerradas, restando apenas a de Comillas. Em 1933, teve lugar uma visita canónica a todos os seminários de Espanha. O clero era abundante, mas mal distribuído. 

Também não se pode esquecer que a filosofia dominante de muitos estudantes universitários era a da fé no progresso científico e, portanto, numa nova era de progresso sem Deus ou, pelo menos, em que Deus estava entre parêntesis. Ortega y Gasset apareceu como um modelo próximo para muitos homens formados em torno das ideias da Institución Libre de Enseñanza. No calor destas ideias, tinha-se consolidado a falsa apreciação da Igreja como inimiga do progresso humano.

Por outro lado, em muitas aldeias, conservava-se uma fé consolidada ao longo dos séculos, onde a vida girava em torno da prática dos sacramentos e das estações litúrgicas, preenchendo os costumes, o folclore e os hábitos de vida. Havia agnósticos e descrentes, mas a maioria era cristã de coração.

Os católicos na República: entre o compromisso e a desilusão

A chegada da República, a 14 de abril de 1931, e as rápidas eleições para as Cortes Constituintes, produziram resultados que prenunciavam o pior para as relações Igreja-Estado, uma vez que a maioria dos deputados eleitos eram de esquerda e radicais, que tinham sobrevivido à Ditadura de Primo de Rivera. 

De facto, a 6 de maio, a Gaceta de Madrid publicou uma circular que declarava voluntário o ensino da religião no ensino primário. Esta foi a consequência da abolição, alguns dias antes, da confessionalidade estatal. De facto, em maio de 1931, foram queimadas igrejas e obras de arte, como a Inmaculada de Salcillo, em Múrcia.

É por isso que, quando a maioria dos deputados da Câmara procedeu à discussão dos artigos da Constituição, apresentou uma batalha frontal contra a Igreja. A maioria desses deputados não tinha o nível intelectual e a formação religiosa necessários, com exceção de alguns intelectuais de reconhecido prestígio. Mas, no final, os debates apenas serviram para pôr em evidência a lei da aritmética em oposição à razão.

Tudo parece indicar que a esquerda republicana apresentava a questão religiosa independentemente da situação real do país e da opinião dos católicos sobre a República; o que os incomodava era a presença do catolicismo na vida social e cultural. 

Uma análise da atuação dos protagonistas: dignitários da Igreja, membros do governo, deputados, imprensa da época, etc., mostra claramente que aquelas Cortes não representavam a realidade do país, mas mostravam em toda a sua crueza as diferentes posições contra a Igreja que existiam naquele momento em Espanha. O resultado, como é sabido, foi uma Carta Magna que não podia ser um instrumento de concórdia e pacificação, pois nasceu contra a vontade da maioria dos cidadãos. 

Mais uma vez, a propósito do século XIX, uma pequena minoria tentou corrigir o rumo de um país, pretendendo, através de Constituições, provocar uma evolução. "Um país pode ser descatolizado, mas não por força de uma lei". No fundo, faltava uma verdadeira cultura democrática.

Alguns dos deputados republicanos eram católicos e tinham desempenhado um papel fundamental no nascimento da República, como por exemplo Niceto Alcalá Zamora, que no seu famoso discurso contra as disposições anti-eclesiásticas do artigo 26º da Constituição, em 10 de outubro de 1931, que levou à sua demissão do cargo de Presidente do Governo, afirmou: "Não tenho conflitos de consciência. A minha alma é filha da religião e da revolução ao mesmo tempo, e a paz dela consiste no facto de que, quando as duas correntes se misturam, encontro-as de acordo na expressão da mesma fonte, do mesmo critério, que a razão eleva aos princípios últimos e a fé encarna no ensinamento do Evangelho. Mas eu, que não tenho problemas de consciência, tenho uma consciência (...) E que remédio me resta? A guerra civil, nunca (...). Para o bem da pátria, para o bem da República, peço-vos a fórmula da paz". Ele encarnaria aquilo a que chamava a terceira Espanha. Um governo verdadeiramente democrático e não confessional do centro. A sua esperança era que a República tivesse contido a Revolução Social e anticlerical.

Vale a pena recordar o célebre discurso contemporâneo de Manuel Azaña, de 13 de outubro de 1931: "Tenho as mesmas razões para dizer que a Espanha deixou de ser católica que tenho para dizer o contrário da velha Espanha. A Espanha era católica no século XVI, apesar de ter havido aqui muitos dissidentes muito importantes, alguns dos quais são a glória e o esplendor da literatura castelhana, e a Espanha deixou de ser católica, apesar de haver agora muitos milhões de espanhóis católicos e crentes". A tradução é clara: o Estado deixou de ser católico. Uma vez aceite a premissa, o que seria válido: se o povo espanhol, no seu conjunto, decidisse democraticamente que o Estado deveria ser não-confessional. O que não faria sentido, porém, é que se tornasse anti-católico e que, depois, o Estado perseguisse a Igreja, a privasse da sua liberdade e tentasse submetê-la a si próprio. 

Não era a primeira vez que um pequeno grupo, em nome da democracia, tentava subjugar a consciência da maioria. Mas a aceleração da história faz muitos estragos. 

De facto, a maior parte das leis que foram promulgadas eram consequência do princípio da laicização do Estado, mas muitas outras atentavam contra a liberdade proclamada para todos na Constituição. Esta falta de verdade deixaria claro que não se procurava o bem comum, mas sim interesses partidários, acabando por quebrar a harmonia e a convivência pacífica. É claro que "não se alcançou uma cultura democrática, mas uma cultura alternativa".

A educação, epicentro do confronto

A intenção da maioria parlamentar nas Cortes Constituintes era retirar a Igreja da educação, como mostra o artigo 16º da Constituição, mas na prática era inviável construir tantas escolas e formar tantos professores quantos os necessários. 

Por fim, vale a pena recordar as palavras de um outro primeiro-ministro da República, Lerroux, que observou o seguinte: "A Igreja não recebeu a República com hostilidade. A sua influência num país tradicionalmente católico era evidente. Provocá-la a lutar, logo que nasce o novo regime, era impolítico e injusto, e portanto insensato.

A reação do episcopado espanhol

É importante assinalar que a atitude da Santa Sé perante a chegada da Segunda República, a 14 de abril de 1931, foi cordial. A prova disso são as numerosas diligências efectuadas pelo Núncio e pelos prelados espanhóis. 

Por outro lado, o Arcebispo de Toledo, Cardeal Segura, tornou-se uma figura incómoda, devido à sua abordagem tradicionalista, segundo a qual a Igreja deve orientar a ação do Estado, e não escondia o seu apoio à monarquia. A República conseguiu expulsá-lo de Espanha e a Santa Sé, num gesto de simpatia para com a República, retirou-o da Sé de Toledo em 1.X.1931 e substituiu-o pelo Cardeal Gomá. No entanto, não se deve esquecer que o Governo da República, em 18.V.1931, promoveu a expulsão do Bispo de Vitória, Múgica, levantando o problema do carlismo como força antirrepublicana e a sua influência sobre o povo basco-navarês.

Assim, com a adoção da Constituição num curto espaço de tempo, nas fases iniciais, a reação dos Vaticano e dos bispos espanhóis era de serena expetativa. A Declaração Conjunta do episcopado espanhol de 20 de dezembro de 1931, em resposta à Constituição aprovada a 12 de dezembro, recordava que os direitos e a liberdade aprovados na Constituição eram para todos.

O próprio Niceto Alcalá Zamora demitiu-se do cargo de Presidente do Governo para não aprovar estes artigos anti-católicos, mas apresentou a sua candidatura à Presidência da República, para - a tempo - adequar estes artigos à situação objetiva do país. E aí permaneceu até abril de 1939.

Vaticano

Os cardeais debatem os principais desafios antes do Conclave

Entre os temas debatidos pelos cardeais durante a décima congregação geral estiveram a natureza missionária da Igreja, o papel da Caritas como testemunha da justiça evangélica e a necessidade de um Papa que seja próximo, um guia e uma ponte num mundo fragmentado.

Redação Omnes-5 de maio de 2025-Tempo de leitura: < 1 minuto

A décima Congregação Geral dos Cardeais realizou-se na manhã do dia 5 de maio, no Vaticano, com a participação de 179 cardeais, 132 dos quais eleitores. A sessão começou com uma oração partilhada e contou com 26 intervenções centradas nos grandes desafios e na missão da Igreja no mundo atual.

A Igreja hoje

Entre os temas destacados estavam a natureza missionária da Igreja, o papel da Caritas como testemunha da justiça evangélica e a necessidade de um Papa que seja próximo, guia e ponte num mundo fragmentado.

Foram feitas reflexões sobre a transmissão da fé, a criação, a guerra e a unidade no seio da própria Igreja. Evocou-se também a esperança inspirada pela oração do Papa Francisco durante a pandemia.

Foi sublinhado o poder permanente do Evangelho, mesmo na atenção dos media, e foi recordado que Cristo está presente não só na Eucaristia, mas também nos pobres. Entre os documentos citados, o Constituição Dei Verbumcomo alimento espiritual para o Povo de Deus.

Juramento dos cardeais e funcionários

O Diretor da Sala de Imprensa informou que os Cardeais eleitores já estão alojados na Casa Santa Marta e em Santa Marta Vecchia e que os trabalhos na Capela Sistina estão quase terminados. Na segunda-feira à tarde, realizar-se-á a décima primeira Congregação e, às 15 horas, terá lugar a juramento dos funcionários e assistentes do Conclave na Capela Paulina.

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Vaticano

Os desafios do novo Papa

Alguns dos grandes desafios que esperam o novo sucessor de Pedro, desde a renovação da fé e da credibilidade institucional até ao papel da Igreja na cena mundial.

Relatórios de Roma-5 de maio de 2025-Tempo de leitura: < 1 minuto
relatórios de roma88

Enquanto o mundo aguarda o anúncio do novo Papa, muitas questões se colocam sobre a direção que a Igreja irá tomar nos próximos anos.

No meio de uma sociedade em crescente mudança, o futuro pontífice terá de enfrentar importantes decisões pastorais, reformas internas e a necessidade de dialogar com uma humanidade marcada pela polarização, pelas crises sociais e pela procura de sentido.


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Duas anedotas para compreender o Papa Francisco

O testemunho de Borges sobre o jovem Bergoglio e uma anedota com George Weigel revelam o estilo dialógico e humano do Papa Francisco.

5 de maio de 2025-Tempo de leitura: 2 acta

Toda a Igreja está atenta nestes dias, na preparação para o ConclaveRezamos, lemos as notícias, falamos em círculos de amigos.... Rezamos, lemos as notícias, falamos em círculos de amigos... Neste clima, deparei-me com um vídeo curioso, que circula nas redes, intitulado "Ele tem tantas dúvidas como eu".

Neste vídeo, um jornalista faz eco do testemunho de um escritor e poeta argentino, Roberto Altifano, que tratou e ajudou o famoso escritor Jorge Luis Borges, no qual relata a opinião que este autor universal argentino tinha do padre jesuíta Jorge Mario Bergoglio, então com 26 anos.

Roberto Altifano transmite esta confidência de Borges, que retiro do vídeo, não textualmente, mas de memória e em resumo: "Roberto, como o povo de Deus às vezes é estranho e desconcertante. Há dois padres que me visitam com frequência e que não têm nada a ver um com o outro. Um é o Guillermo, um padre que herdei da minha dedicada mãe. O outro é Jorge, um químico jesuíta, com quem tenho uma grande amizade. O Guillermo insiste em converter-me e não pode admitir que exista um credo agnóstico para o qual estou inclinado. É tempo de acabares com as tuas dúvidas, Jorge, repete ele. Aos domingos, convida-me para ir à missa, almoçar com os irmãos da sua congregação em sua casa e depois ir ao jogo de futebol. O Padre Bergoglio é uma pessoa inteligente e sensata, podemos falar com ele sobre qualquer assunto porque é um grande leitor, mas ele notou que tem tantas dúvidas como eu. A minha mãe não ia gostar disto...".

Este testemunho de Jorge Luis Borges Parece-me que define bem a maneira de ser e de agir, no trato com as pessoas, do futuro Papa Francisco, que acaba de nos deixar, e reflecte bem, além disso, toda uma época eclesial.

Li também, há alguns dias, um artigo do famoso jornalista George Weigel. Na sua última entrevista com o Papa Francisco, realizada no final de 2016, quando Weigel lhe apresentou a sua perplexidade em relação a algumas das suas decisões, o Papa Francisco respondeu: "Oh, as discussões estão óptimas".

Penso que são dois testemunhos que captam uma faceta do modo de pensar e de lidar com as pessoas do nosso querido Papa Francisco. Não sabemos como será o carácter e a maneira de ser do futuro Papa. O Cardeal Camillo Ruini, que foi Vigário do Papa para a Diocese de Roma e Presidente da Conferência Episcopal Italiana, traçou algumas linhas para o próximo pontificado, que me parecem corretas: caridade, firmeza doutrinal, bom governo e unidade.

O autorCelso Morga

Arcebispo Emérito da Diocese de Mérida Badajoz

Evangelização

Santos Anjo de Jerusalém ou da Sicília e Máximo de Jerusalém, bispo

A 5 de maio, a Igreja celebra Santo Ângelo de Jerusalém, ou da Sicília, carmelita e mártir, e o bispo São Máximo de Jerusalém. Segundo a tradição, Santo Ângelo conheceu São Domingos de Guzman e São Francisco de Assis em Roma.    

Francisco Otamendi-5 de maio de 2025-Tempo de leitura: 2 acta

Santo Anjo de Jerusalém está entre os primeiros carmelitas que veio do Monte Carmelo para a Sicília. É comemorado juntamente com o bispo Máximo de Jerusalém no dia 5 de maio. A tradição carmelita ensina que era palestiniano e que entrou com o seu irmão no Carmelo de Santa Ana em Jerusalém

A mesma tradição, que pode ser consultada aquiNuma viagem a Roma, conta como encontrou S. Francisco de Assis e S. Domingos de Guzmán em S. João de Latrão. Neste encontro, S. Anjo prediz as chagas a S. Francisco, que por sua vez lhe anuncia o seu martírio. Foi por sua intercessão que a Regra foi confirmada pelo Papa Honório III em 1226. 

Em meados do século XIII, foi mortalmente ferido em Lycata, na sequência de um ataque de um grande homem da cidade, denunciado por Santo Ângelo pela sua falta de ética. No local da sua morte foi construída uma igreja e o seu túmulo foi muito rapidamente local de peregrinação. A Ordem dos Carmelitas venera Santo Ângelo como santo desde, pelo menos, 1456. Em 1459, o Papa Pio II aprovou o seu culto.

São Máximo e outros santos e beatos

A liturgia celebra também, a 5 de maio, São Máximo de Jerusalém, "repetidamente torturado", diz o Diretório Franciscanono tempo do imperador Maximinus Daya. Com a paz de Constantino, foi libertado e eleito bispo de Jerusalém, onde morreu em 350. Também os beatos Bienvenido Mareri de Recanati, Nunzio Sulprizio e Caterina Cittadini. Esta última promoveu a congregação das Irmãs Ursulinas de Somasca para a educação e formação de raparigas e jovens mulheres.

Entre os santos de hoje contam-se os bispos germânicos São Gotardo e São Bretão, Santo Hilário de Arles e o beato polaco Gregório Frackowiak. Este jovem irmão dos Missionários do Verbo Divino foi guilhotinado em Dresden pelos nazis em 1943, depois de ter dado catequese e levado secretamente a comunhão aos doentes.

O autorFrancisco Otamendi

Evangelização

Perto de Deus apesar de ter perdido uma perna e a namorada numa derrocada

Perante as contrariedades da vida, algumas pessoas voltam-se contra Deus e outras revelam a melhor versão de si próprias. Hoje vamos ouvir a história de uma destas últimas.

P. Manuel Tamayo-5 de maio de 2025-Tempo de leitura: 3 acta

Jhosmar Rodríguez é um jovem de Trujillo, de 22 anos, recém-licenciado e jogador de futebol amador na Taça do Peru. Mas o que ele nunca imaginou é que uma saída de rotina com a namorada acabaria por marcar a sua vida para sempre. Na noite de 21 de fevereiro, às 20h40, o telhado da praça de alimentação do Real Plaza de Trujillo, na cidade de Trujillo, foi coberto por um incêndio. desmoronado de repente. Seis pessoas morreram. Ele sobreviveu, mas perdeu uma perna... e também o seu companheiro, que morreu no acidente.

O desabamento apanhou-o de pé e, em segundos, uma viga caiu sobre a sua perna direita. "Fiquei ajoelhado... Não me podia mexer, não me podia virar, não podia fazer nada". 

Esteve preso durante mais de cinco horas, a esvair-se em sangue, mas sempre consciente. "Nunca desmaiei nem desmaiei... No início, resisti com os joelhos, mas quando já não aguentava mais, apoiei-me com os braços numa cadeira que consegui alcançar. Foi assim que me aguentei nas últimas horas. Ele foi o último a ser resgatado. "Deram-me um sedativo quando ainda estava de joelhos".

"A minha mãe nunca me deixou cair".

Durante esse tempo entre as vigas e a escuridão, Jhosmar não parava de pensar na sua família. "Pensava no que tudo isto iria ser para eles... dava-me forças pensar na minha mãe e nos meus irmãos". É o mais novo de cinco filhos de uma família simples, crente e muito unida. O pai é professor reformado; dois irmãos são polícias; outro irmão é contabilista, como ele. Todos esperam com grande expetativa.

Mas se alguém foi fundamental para a sua reconstrução emocional, foi a sua mãe. Mulher de fé inabalável, ia à igreja todos os dias e não se cansava de apoiar o filho quando ele vacilava. "No início, ele estava muito zangado... até ressentido com Deus", admite ela. "Mas a minha mãe estava sempre lá, a gritar comigo, a corrigir-me, para que eu não me desviasse. Estou-lhe muito grata... Deus trabalhou através dela.

A sua mãe ensinou-o desde muito cedo a amar Deus. "Ela levava-me à igreja, à escolinha onde se dava catequese às crianças. Essa semente deu frutos: Jhosmar foi catequista, recebeu todos os sacramentos e hoje, mesmo numa cama de clínica, continua a rezar todos os dias com mais confiança. "Agradeço a Deus porque me protegeu. Peço-lhe que me acompanhe neste longo caminho de recuperação.

"Quero ser um santo

Apesar da dor e das consequências físicas, Jhosmar não desiste. Sonha, luta, reza. "Sempre quis ser um santo", confessa sem afetação. "Vivi a minha vida sem fazer mal a ninguém, rezando, apoiando na igreja, acompanhando a minha mãe...".

Embora saiba que o momento em que se encontra é difícil, não se deixa derrotar: "Quando se acorda, o choque do que aconteceu mistura-se com a nova realidade. Perguntamo-nos o que será da nossa carreira, do futebol, de tudo. Mas com o tempo, ficamos mais fortes.

Antes do acidente, tinha acabado de concluir a sua licenciatura em contabilidade e finanças. Jogava na Copa Peru, "futebol macho", como lhe chama, percorrendo os bairros e os campos de Trujillo. Hoje, o seu novo campeonato é a reabilitação. "O futuro é incerto, mas eu tenho fé.

"O que conta é o interior, não o exterior".

A mensagem que quer deixar aos jovens da sua situação é simples e profunda: "Isto vai acompanhar-me toda a vida, sim, mas não tenho de me sentir menos. O medo da rejeição tem de ser retirado da nossa cabeça. O que conta é o que está dentro de nós, não o que está fora".

Jhosmar encontrou no meio da dor não só a sua força, mas também o seu objetivo. Reza pelo Papa, pelos outros feridos, pelos seus médicos, por aqueles que mais perderam. Recebeu o apoio de toda uma equipa médica que o encorajou desde o primeiro dia: "Em Trujillo, encontrei técnicos e enfermeiros incríveis, todos de topo. Empurraram-me para dentro e para fora".

Hoje, enquanto prossegue a sua reabilitação na clínica San Pablo, em Lima, Jhosmar não se define pelo que perdeu, mas pelo que ganhou: uma nova forma de encarar a vida, com os pés - agora apenas um - bem assentes no chão e a alma voltada para Deus. "Como fomos amados, assim podemos amar. Só quero que a minha vida continue a ter sentido. E sei que vai ter.

O autorP. Manuel Tamayo

Padre peruano

Experiências

Scott Hahn: "O Novo Testamento era um sacramento antes de ser um documento".

Nesta conversa com a Omnes, Scott Hahn, teólogo e biblista de renome, reflecte sobre a centralidade da Bíblia na vida cristã e a sua ligação com a liturgia. Salienta a importância do diálogo ecuménico e o desafio de redescobrir a maravilha eucarística, chave de uma fé viva e autêntica.

Giovanni Tridente e Paloma López-5 de maio de 2025-Tempo de leitura: 10 acta

Scott Hahn é um dos autores de espiritualidade e teologia mais lidos da atualidade. A sua conversão ao catolicismo, há quase 40 anos, quando era pastor protestante, marcou um ponto de viragem na sua vida e faria com que todo o seu estudo e reflexão anteriores ganhassem um novo e pleno significado no seio da Igreja Católica, permitindo-lhe construir pontes entre diferentes tradições cristãs. Teólogo bíblico e apologista católico de renome internacional, Hahn é professor de Teologia Bíblica e Nova Evangelização na Universidade Franciscana de SteubenvilleOhio (EUA). O seu profundo conhecimento das Escrituras e a sua capacidade de transmitir verdades teológicas complexas de uma forma acessível são duas das suas principais caraterísticas, tanto no seu ensino como nos seus muitos livros, incluindo títulos como Roma, doce lar, A Ceia do Cordeiro, Compreender as Escrituras o Breve guia de leitura da Bíblia.

Durante uma recente visita a Roma para um curso na Pontifícia Universidade da Santa Cruz sobre "Santidade nas Escrituras", Omnes teve a oportunidade de o entrevistar. Nesta conversa, Hahn partilha reflexões fundamentais sobre a importância da Bíblia na vida dos católicos, sublinhando que "A ignorância das Escrituras é a ignorância de Cristo".. Sublinha a ligação intrínseca entre a Sagrada Escritura e a liturgia, explicando como o Novo Testamento foi primeiro um sacramento antes de se tornar um documento.

O teólogo americano também aborda o diálogo ecuménico, observando que católicos e protestantes partilham mais semelhanças do que diferenças, e oferece ideias sobre a forma como os católicos podem redescobrir práticas como a oração conversacional e a leitura diária da Bíblia. Os seus pontos de vista sobre a Eucaristia como presença real de Cristo e o seu apelo a uma "Espanto eucarístico reflectem a profundidade da sua fé e o seu compromisso com o ensino apostólico.

Qual é o papel fundamental da Bíblia para um católico e como podemos aprofundar a nossa compreensão e vivência quotidiana da mesma?

-Considero muito importante que todos os católicos compreendam a verdade expressa por S. Jerónimo: "A ignorância das Escrituras é a ignorância de Cristo".. Queremos conhecer Cristo, segui-Lo e submeter as nossas vidas, o nosso trabalho e a nossa família ao Seu senhorio. Mas como é que o podemos fazer se não O conhecermos através da Sua Palavra?

A Bíblia é vasta, 73 livros no total. Dediquei a minha vida, tanto a nível profissional como pessoal, a estudá-la com paixão. Sei que pode parecer demasiado grande, que não é fácil. Por isso, encorajo as pessoas a lerem os Evangelhos todos os dias, mesmo que seja apenas um capítulo ou meio capítulo. Conheçam o Senhor Jesus Cristo de uma forma pessoal; isso não só guiará a vossa oração, mas também iluminará o vosso casamento, a vossa família, as vossas amizades e o vosso trabalho.

Eu diria o seguinte: quando os católicos começam a ler as Escrituras, descobrem uma graça extraordinária e verdadeiramente prática. Posso também partilhar que, quando estava a pensar na minha conversão ao catolicismo, fiz amizade com um professor de ciências políticas. 

Descobri que estava a usar um Novo Testamento no bolso de trás e perguntou-lhe: "Porque é que faz isso? Ele respondeu: "Ser capaz de ler os Evangelhos e também as cartas de Paulo". Curioso, perguntei-lhe onde o tinha aprendido. Disse-me que no seu trabalho, no Opus Dei. Pedi-lhe que me dissesse mais. Quando me explicou que São Josemaria Escrivá não só lia os Evangelhos, mas incentivava os outros a fazê-lo - não só o clero ou os professores, mas também os trabalhadores comuns - percebi: "... eu não estava só a ler os Evangelhos, eu também estava a ler os Evangelhos.Ao converter-me ao catolicismo, descobri que há uma tribo em Israel que é a minha tribo, que é o Opus Dei".

Qual é a importância da relação entre a Bíblia e a liturgia, e como é que esta relação nos pode ajudar a viver uma fé mais profunda nas nossas celebrações eucarísticas?

-Quando estudei a Escritura na universidade e, mais tarde, nos meus estudos de doutoramento, descobri algo fascinante: a Sagrada Escritura, ou a Bíblia, como lhe chamamos, é de facto um documento litúrgico. Desde o início, foi compilada para ser lida na liturgia.

Lendo-o com atenção, apercebemo-nos de que ele nos remete sempre para o culto, para o sacrifício, para os sacerdotes que conduzem o povo de Deus, um povo cuja verdadeira identidade é ser a sua família. Ao aprofundar a leitura, apercebi-me de algo chocante: eu, sendo um pastor protestante, evangélico e presbiteriano, queria ser um cristão do Novo Testamento. Mas, ao estudá-lo, descobri que Jesus usa a expressão "Novo Testamento" apenas uma vez.

E quando é que ele o faz? Não no Sermão da Montanha, mas no cenáculo, na Quinta-feira Santa. Em Lucas 22, 20, toma o cálice e diz "Este cálice é a nova aliança no meu sangue"., kyne diatheke em grego, o Novo Testamento, "que é derramado por vós".. E depois não diz: "Escreve isto em memória de mim".mas: "Faz isto em memória de mim".O que é "isto"? Nós chamamos-lhe Eucaristia, mas Ele não lhe chamou isso. O que é que Ele lhe chamou? Novo Testamento, kyne diatheke

Assim, como protestante evangélico do Novo Testamento, apercebi-me de que "Isto" era um sacramento muito antes de se tornar um documento. E descobri-o no próprio documento. Isso não desvalorizou o texto a que chamamos Novo Testamento, mas revelou-me a sua natureza litúrgica: um sinal que nos remete para o que Jesus instituiu, não só para nos instruir, mas para se dar a si mesmo na Sagrada Eucaristia.

Descobrir que o Novo Testamento foi um sacramento antes de ser um documento não só mostra que o documento está subordinado ao sacramento, mas que a Sagrada Eucaristia ilumina a sua verdade de uma forma que transforma a nossa compreensão. Porque, em última análise, o documento é tão litúrgico como o sacramento. Juntos, estão inseparavelmente ligados.

Como podemos motivar os católicos, especialmente a geração mais jovem, a redescobrir a Bíblia como um guia para a sua vida quotidiana?

-Na América temos um ditado: "A prova do pudim está no ato de comer".. Podemos olhar para ela, mas só saberemos se é boa quando a experimentarmos. Eu diria que o mesmo acontece com a experiência dos católicos: quando começam a ler a Bíblia, especialmente os Evangelhos e os Salmos, descobrem que ela não é apenas um livro. 

A Bíblia é uma porta. Uma porta que nos convida a um diálogo mais profundo com o Deus vivo, para nos apercebermos de que Ele nos ama a nós e aos nossos entes queridos mais do que podemos imaginar. Ele quer não só conduzir-nos a um destino que mal podemos conceber, mas também entrar em amizade connosco. É isto que transforma a leitura quotidiana das Escrituras: a oração deixa de ser um monólogo e passa a ser um diálogo.

Também muda a nossa experiência da Missa. Se lermos a Bíblia todos os dias, mesmo que só possamos ir à missa ao domingo, compreenderemos melhor a relação entre o primeiro dia da semana e os outros. Mas, acima de tudo, veremos como o que Jesus disse e fez nessa altura nos fala hoje e nos chama a agir.

Lembro-me de um velho conhecido do liceu. Era católico e agora é protestante evangélico. Ele disse-me: "Não acredito que sejas católico. Antes eras tão anti-católica.. De seguida, perguntou: "Onde é que no Novo Testamento está o Sacrifício da Missa? Eu só vejo o Sacrifício no Calvário; a Missa é apenas uma refeição"..

Respondi-lhe: "Chris, eu também costumava pensar assim. Mas se tivesses estado no Calvário naquela Sexta-feira Santa, não terias visto um sacrifício. Como judeu, saberias que um sacrifício só pode ser feito no templo, num altar, com um sacerdote. O que terias presenciado teria sido uma execução romana"..

A verdadeira questão é: "Como é que uma execução romana foi transformada num sacrifício? E não um sacrifício qualquer, mas o mais sagrado, aquele que pôs fim aos sacrifícios do templo. Chris ficou em silêncio. Depois admitiu: "Não sei.. Respondi-lhe: "Eu também não sabia". Mas quando olhámos para a Eucaristia, a mesma Eucaristia que nós, católicos, celebramos há dois mil anos, tudo fez sentido. 

Se a Eucaristia fosse apenas uma refeição, o Calvário seria apenas uma execução. Mas se foi aí que começou o sacrifício da nova Páscoa, tudo faz sentido: não é apenas uma refeição, é o sacrifício. Começou na Quinta-feira Santa e consumou-se no Calvário. No Domingo de Páscoa, Cristo ressuscitou dos mortos, mas os seus discípulos não o reconheceram imediatamente. Os seus corações ardiam quando Ele lhes explicava as Escrituras, mas os seus olhos abriram-se ao partir do pão. É este o mistério pascal.

Para os não católicos, a missa é apenas uma refeição e o Calvário é apenas um sacrifício. Mas sem a Eucaristia, o Calvário parece uma execução. No entanto, se aqui começou o sacrifício, ali ele foi consumado. E então, Cristo ressuscitado, glorificado no céu, oferece o seu próprio corpo por nós e dá-o a nós.

A Bíblia, quando lida regularmente, liga todos estes pontos. Depois, sempre que voltamos à Missa, compreendemos que é o Antigo e o Novo Testamento, a Páscoa, a Eucaristia, a Quinta-feira Santa, a Sexta-feira Santa e o Domingo de Páscoa, tudo em unidade. É por isso que a Igreja chama a cada domingo uma pequena Páscoa: porque tudo se conjuga. Se conseguirmos que os católicos cheguem a esse ponto - onde a leitura da Bíblia e a participação na Missa revelam a unidade do documento, do sacramento e da vida - então tudo se encaixará.

Existem aspectos da vida de fé protestante com os quais, na sua opinião, nós, católicos, poderíamos aprender e aplicar mais na nossa vida espiritual e comunitária?

Partilhamos muito mais do que discordamos com os não católicos, especialmente com os evangélicos e protestantes - como eu era enquanto pastor presbiteriano -, bem como com os ortodoxos e os cristãos orientais. É natural que nos concentremos nas diferenças, mas se partíssemos do que nos une, veríamos que a base comum é muito maior: estamos a falar de 80, 85, talvez 90 por cento, incluindo todos os livros do Novo Testamento e o Credo. Se estivéssemos unidos no essencial, poderíamos discutir as nossas diferenças com maior respeito. Ao mesmo tempo, como católicos, poderíamos redescobrir as práticas que agora associamos aos protestantes - como a oração dialogada, a leitura e o estudo da Bíblia - que faziam parte da Igreja primitiva. Tanto o clero como os leigos viviam-nas em pleno. 

Muitas das coisas que consideramos "protestantes" provêm, de facto, da tradição católica. E, longe de ver nisso uma disputa, podemos reivindicá-las sem precisar de acusar ninguém, porque, no fim de contas, graças a Deus pelo que eles fazem com o que têm! De facto, eles conseguem muitas vezes fazer mais com menos do que nós com a plenitude da fé.

Dadas as tensões históricas entre católicos e protestantes, como vê o futuro do diálogo ecuménico? Que medidas podem ser tomadas para promover a unidade sem comprometer os princípios doutrinais? 

-Esta é uma questão muito importante. Não é fácil de responder, mas temos de a abordar com honestidade intelectual, mesmo que seja um desafio. Nas décadas de 1960, 1970 e 1980, o diálogo ecuménico exprimia frequentemente a fé de uma forma ambígua, a fim de realçar os pontos comuns. Chamo a isso ambiguidade estratégica. Mas quanto mais quisermos avançar no diálogo fraterno - mesmo que não estejamos de acordo em tudo - mais essencial se torna reconhecer o que realmente partilhamos.

Em certas partes do mundo, este diálogo é crucial. Estive em São Paulo no ano passado e vi como o pentecostalismo está a crescer exponencialmente: não estamos a falar de milhares, mas de milhões de católicos que abandonaram a Igreja. Porquê? Porque experimentaram o Espírito Santo, as Sagradas Escrituras, a oração e a comunhão. E, perante isto, temos de dar graças a Deus. A força do Espírito e a oração são realidades inegáveis. Não se trata de aprovar tudo ou de rejeitar tudo completamente, mas de reconhecer o que é verdadeiro e de valorizar os pontos comuns.

Este é um apelo a trazer essa experiência de volta às nossas paróquias, lares, vida familiar e oração pessoal. Precisamos de redescobrir o poder do Espírito Santo na nossa própria vida, todos os dias. Não admira que alguns se afastem se não lhes oferecermos o que Cristo lhes quer dar através dos santos, dos sacramentos e da Virgem Maria. É por isso que o diálogo ecuménico não é apenas um desafio teológico, mas também um desafio prático. Convida-nos a reconhecer o que partilhamos e a perguntar-nos: o que podemos fazer para recuperar o que já faz parte da nossa herança e do nosso património de fé?

Como é que nós, católicos, podemos aprofundar ainda mais a nossa compreensão e adoração da Eucaristia, especialmente num contexto cultural que tende a diminuir a sua importância?

Identifico-me muito com esta pergunta. O que mais me impressionou quando era um não-católico a observar as práticas católicas foi o seguinte: eles acreditam que é o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Cristo. Mas como é que pode ser? À primeira vista, parece apenas um pedaço de pão.

No entanto, reflectindo, perguntei-me: poderia Jesus transformá-lo no Seu próprio Corpo? Claro, Ele é suficientemente poderoso; será que nos ama o suficiente para nos alimentar com a Sua própria Carne e Sangue? Sim, faz sentido.

Quando me aprofundei na Bíblia, descobri que os primeiros Padres da Igreja concordavam com a presença real de Cristo na Eucaristia. Isto desafiou-me a acreditar e, pela fé, aceitei que Cristo não só veio em forma humana, mas que também se entrega a nós no pão e no vinho como seu Corpo e Sangue. Depois de quase 40 anos como católico, esta verdade ainda me afecta tanto como na altura. É quase demasiado boa para ser verdade. Este é o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Cristo ressuscitado.

Quando eu era protestante, costumávamos cantar Graça maravilhosa (Graça Sublime). Continuamos a cantá-la como católicos, mas hoje apercebo-me de uma coisa: não temos grande admiração pela Eucaristia. Chegamos a tomá-la como um dado adquirido. Mas quando nos apercebemos de que não é apenas verdade, mas que é real, e se é real, é poderosa, e se é poderosa, é bela, compreendemos que não devemos julgar apenas pela aparência. Sim, parece apenas uma hóstia redonda. Mas é o Corpo e o Sangue de Cristo ressuscitado, o Senhor dos Senhores e o Rei dos Reis.

É a verdade. É toda a verdade. É a essência do Evangelho para nós, católicos. Por isso, temos de redescobrir este mistério todos os dias. E não há melhor maneira de o fazer do que visitar uma igreja e ajoelharmo-nos diante do Santíssimo Sacramento. Quer seja no sacrário ou exposto na custódia, este ato recorda-nos que caminhamos pela fé e não pela vista. O que parece ser pão é, na realidade, o próprio Cristo.

Para mim, era isto que São João Paulo II pedia quando falava de "renovar a maravilha eucarística".. Vá lá, é espantoso! Não se trata apenas de uma questão de sentimentos passageiros. Se fôssemos estritamente lógicos, a reação mais razoável à nossa fé na presença real do Senhor dos Senhores e Rei dos Reis seria o espanto. Não ficar maravilhado não é inteiramente racional. Porque ficar maravilhado com a realidade de Cristo na Eucaristia é a consequência natural daquilo que professamos como verdade.

Qual é a sua opinião sobre o estado doutrinal da Igreja Católica atualmente? Num mundo em constante mudança, como pode a Igreja permanecer fiel ao ensinamento apostólico, enfrentando os desafios actuais?

-O maior favor que podemos fazer ao mundo - para levar a graça da conversão e para o amar apaixonadamente - é dizer a verdade. Dizer a verdade com amor, sensibilidade e consciência cultural. Mas dizê-la completamente: toda a verdade, e nada mais do que a verdade. Não para a diluir ou omitir o que possa ser incómodo, mas para ser razoável e sensato, reconhecendo que, em última análise, a tarefa não é nossa, mas do Espírito Santo. Se confiássemos verdadeiramente no Espírito de Deus - o Espírito da verdade que Jesus prometeu - compreenderíamos que é Ele que tem a responsabilidade de convencer o mundo.

Fazemos o que podemos, mas também temos de reconhecer perante Deus que isso não é suficiente. É Ele que tem de suprir o que nos falta. É o Espírito Santo que se apodera das nossas palavras, das nossas amizades, das nossas conversas, e as transforma em instrumentos de conversão. E nós devemos acreditar nisto de todo o coração. Deus quer fazê-lo mais do que nós o queremos fazer. E só Ele o pode fazer, por mais comités que formemos ou programas que concebamos.

Se alguma vez começarmos a ficar com os louros dos frutos, falharemos. Mas se nos entregarmos completamente, fizermos o que está ao nosso alcance - sermos práticos, pessoais e sensíveis - e, acima de tudo, sobrenaturalizarmos os nossos esforços naturais através da oração, então, e só então, Deus receberá toda a glória.

O autorGiovanni Tridente e Paloma López

Vaticano

A arte da palavra: as metáforas vivas do Papa Francisco

O Papa Francisco utilizou metáforas poderosas e acessíveis para se relacionar com as pessoas e transmitir mensagens espirituais.

OSV / Omnes-4 de maio de 2025-Tempo de leitura: 4 acta

Por Carol Glatz, CNS

Poucos dias antes de ser eleito papa, em março de 2013, o então cardeal Jorge Mario Bergoglio disse aos seus colegas cardeais: "Tenho a impressão de que Jesus estava fechado na Igreja e está a bater à porta porque quer sair".

Com esta frase breve e simples, o Cardeal de Buenos Aires deu uma ideia clara e forte daquilo de que, segundo ele, a Igreja precisava naquele momento: discípulos missionários que levassem a alegria do Evangelho às periferias.

Mais adiante, afirmava que a Igreja adoece se permanecer fechada, segura, ocupada em ser uma espécie de "cabeleireiro", afofando e enrolando o velo do seu rebanho, em vez de sair, como Cristo, para procurar as ovelhas perdidas. As suas frases soavam a provérbios: reflexões curtas e cheias de sabedoria.

Antes e depois de se tornar padre, o Papa Francisco foi professor de literatura no ensino secundário e tinha uma sólida formação em temas e recursos literários e cinematográficos. A sua língua materna era o espanhol, cresceu com familiares de língua italiana na Argentina e recebeu formação jesuíta, pelo que o seu vasto e eclético conhecimento lhe forneceu elementos que muitas vezes combinou com uma mensagem religiosa, criando metáforas como quando advertiu que a Igreja não pode ser uma "ama" dos fiéis, para descrever uma paróquia que não dá à luz evangelizadores activos, mas apenas cuida para que os fiéis não se desviem do caminho.

Os "católicos de poltrona", por outro lado, não permitem que o Espírito Santo guiam as suas vidas. Preferem ficar quietos, seguros, recitando uma "moral fria", sem deixar que o Espírito os impulsione a sair de casa para levar Jesus aos outros.

O Papa, que via Cristo como um "verdadeiro médico dos corpos e das almas", utilizava frequentemente metáforas relacionadas com a medicina.

Ele sonhava com uma igreja que fosse "um hospital de campanha depois de uma batalha". Não vale a pena perguntar a uma pessoa gravemente ferida se tem colesterol alto ou qual é o seu nível de açúcar no sangue. Primeiro é preciso tratar as feridas.

Noutra ocasião, advertiu que o orgulho ou a vaidade são como "uma osteoporose da alma: os ossos parecem bons, mas por dentro estão todos estragados".

Outro problema médico de que a alma pode sofrer é o "Alzheimer espiritual", uma doença que impede algumas pessoas de se lembrarem do amor e da misericórdia de Deus para com elas e, por conseguinte, impede-as de mostrarem misericórdia para com os outros.

E se as pessoas fizessem um "eletrocardiograma espiritual" - perguntou ele uma vez -, este mostraria uma linha plana porque o coração está endurecido, indiferente e sem reação, ou bateria com os impulsos e inspirações do Espírito Santo?

Embora muitos não o reconheçam, Deus é o seu verdadeiro pai, disse ele. "Antes de mais, deu-nos o ADN, ou seja, fez-nos filhos, criou-nos à sua imagem, à sua imagem e semelhança, como ele próprio.

Através de muitos dos seus artifícios linguísticos, podia-se sentir a espiritualidade inaciana que o formou. Tal como um jesuíta procura usar os cinco sentidos para encontrar e experimentar o amor de Deus, o Papa não hesitou em empregar uma linguagem que envolvia a visão, a audição, o paladar, o tato e o olfato.

Por isso, exortou os sacerdotes do mundo a serem "pastores com cheiro de ovelha", por estarem com as pessoas, testemunharem os seus desafios, ouvirem os seus sonhos e serem mediadores entre Deus e o seu povo para lhes levar a graça de Deus.

A comida e a bebida oferecem muitas lições. Por exemplo, os anciãos católicos devem partilhar com os jovens a sua visão e sabedoria, que se tornam "um bom vinho que sabe melhor com a idade".

Para transmitir a atmosfera destrutiva que um padre amargo e zangado pode gerar na sua comunidade, o Papa disse que esses padres fazem pensar: "Este, de manhã, ao pequeno-almoço bebe vinagre; depois, ao almoço, legumes em conserva; e, finalmente, à noite, um bom sumo de limão".

Os católicos melancólicos e pessimistas, com "cara de vinagre", estão demasiado concentrados em si próprios e não no amor, na ternura e no perdão de Jesus, que acendem e alimentam a verdadeira alegria, afirmou.

Até a vida no campo lhe dava lições. Numa ocasião, disse aos paroquianos que incomodassem os padres como um vitelo incomoda a mãe para obter leite. Bater sempre "à sua porta, ao seu coração, para que lhes dêem o leite da doutrina, o leite da graça e o leite da orientação espiritual".

Os cristãos não devem ser arrogantes e superficiais como alguns biscoitos especiais que a sua avó italiana costumava fazer: a partir de uma tira muito fina de massa, os biscoitos eram insuflados e inchados numa panela com óleo quente. Chamam-lhes "bugies" ou "mentiras", diz ele, porque "parecem grandes, mas não têm nada lá dentro, não têm nada de verdadeiro, não têm substância nenhuma".

Explicando o tipo de "ansiedade terrível" que resulta de uma vida de vaidade baseada em mentiras e fantasias, o Papa disse que é como aquelas pessoas que põem demasiada maquilhagem e depois têm medo que chova e toda a maquilhagem escorra do rosto.

O Papa Francisco nunca se esquivou do desagradável ou do vulgar, e chamou ao capitalismo desenfreado e ao dinheiro, quando este se torna um ídolo, o "esterco do demónio".

Comparou o gosto dos media pela vulgaridade e pelo escândalo com o ".coprofilia", ou seja, a atração fetichista pelos excrementos, e dizia que a vida dos corruptos é uma "podridão envernizada" porque, tal como os sepulcros caiados, parece bonita por fora, mas por dentro está cheia de ossos mortos.

Num encontro com os cardeais e os chefes dos departamentos do Vaticano para a saudação anual de Natal, o Papa explicou que a reforma da Cúria Romana era muito mais do que uma simples plástica para rejuvenescer ou embelezar um corpo envelhecido. Tratou-se de um processo de profunda conversão pessoal.

Por vezes, disse, a reforma "é como limpar a Esfinge egípcia com uma escova de dentes".

O autorOSV / Omnes

Livros

Consolidação da democracia

Consolidação da democracia analisa o governo de Leopoldo Calvo-Sotelo (1981-1982), salientando o seu papel fundamental na estabilização da jovem democracia espanhola após o 23-F e no meio de uma profunda crise política.

José Carlos Martín de la Hoz-4 de maio de 2025-Tempo de leitura: 4 acta

A Fundação Espanhola "Transição" e as Edições Marcial Pons publicaram esta magnífica obra sobre o trabalho do segundo presidente democrático de Espanha após a Constituição de 1976, Leopoldo Calvo-Sotelo (1926-2008).

A obra foi escrita por dois jovens professores de história contemporânea, José-Vidal Pelaz López, da Universidade de Valladolid, e Pablo Pérez López, da Universidade de Navarra, ambos amigos e colegas na Universidade de Valladolid e especialistas neste período da história recente de Espanha. Esta equipa promete e anuncia um novo e interessante trabalho sobre a história de Espanha durante a Transição, uma vez que, como referem, dispõem de vastos arquivos sobre as personalidades da Transição.

Investigação documentada

Além disso, o livro apresenta um relato muito intenso e bem documentado do primeiro momento de verdadeiro perigo no decurso da transição política espanhola entre 1981 e 1982, quando ocorreram três acontecimentos-chave na incipiente democracia espanhola. 

Em primeiro lugar, a saída do governo de Adolfo Suárez em 1981, o homem-chave na transição da ditadura para a democracia desde que o Rei Juan Carlos I lhe entregou o governo em 1976 com a missão de instalar a democracia em Espanha. 

O segundo perigo surgiu em pleno debate de investidura de Leopoldo Calvo-Sotelo, em 1981, o fracassado golpe militar de 23-F, com a atuação profundamente democrática do rei Juan Carlos I, do ainda presidente Adolfo Suárez e do seu vice-presidente, o general Gutiérrez Mellado. Este fracasso foi, sem dúvida, o fim das intervenções do exército na política espanhola, tão frequentes em Espanha nos séculos XIX e XX.

A transição

Finalmente, depois de Calvo-Sotelo ter fracassado na sua tentativa de unir o partido UCD, no poder, à presidência do governo, o processo terminou com as eleições antecipadas de 1982 e a vitória dos socialistas com maioria absoluta.

A primeira chave desta transição foi Calvo-Sotelo, que governou num clima de normalidade democrática, com um magnífico programa de governo, antes de finalmente entregar o poder a Felipe González, que governaria durante catorze intermináveis anos para completar a transição, uma vez que a alternância nas instituições é fundamental para medir a verdadeira maturidade democrática. Ou seja, a verdadeira alternância de governo e, durante muitos anos, reflectiu a normalidade democrática que acabou por se instalar.

É interessante que o grupo parlamentar da UCD se tenha desfeito (p.130) porque continha uma verdadeira amálgama de ideologias políticas, desde a social-democracia de Fernández Ordoñez e Meilán Gil até ao extremo oposto, como Iñigo Cavero dos democratas-cristãos e Herrero de Miñón que sairia com Fraga: um projeto político sempre inclinado para a direita que tinha colaborado com o regime de Franco, que estagnaria a vida política espanhola porque não podia oferecer uma alternativa plausível ao povo espanhol que queria ser democrata e virar a página da anterior ditadura.

Os socialistas

Outra das chaves destacadas neste interessante trabalho é a real e verdadeira colaboração dos socialistas no governo espanhol durante o período Calvo Sotelo, perfeitamente compatível com as habituais disputas parlamentares. De facto, o desenvolvimento das regiões autónomas, a entrada na NATO, o apoio face à ofensiva duríssima da ETA que não deu tréguas ao governo, a manutenção do exército fora da esfera de influência do executivo (para o que podia contar com o apoio do rei) (p.149), medidas económicas fundamentais e urgentes. O livro regista muitos encontros cordiais entre os dois líderes que trabalharam juntos.

Mesmo nos momentos críticos da UCD, Calvo-Sotelo tinha a proposta de um governo de coligação entre os socialistas e a UCD, embora na realidade o governo de coligação já estivesse a sofrer com isso. Calvo-Sotelo na sua pele antes de Fernández Ordoñez passar para os socialistas e Herrero de Miñón para Fraga (85). Este facto é visível na relação de forças durante a crise governamental de 15 de janeiro de 1982 (141).

É certo que a procura da "legitimação da esquerda democrática" foi um facto nesses anos, como o seria mais tarde quando os socialistas governaram com os sindicatos, especialmente com a irmã UGT (29).

A explicação detalhada que os autores fazem da viragem autonomista do PSOE é interessante, já que desde Suresnes, onde se exigia "-Uma República Federal das nacionalidades que compõem o Estado Espanhol"- até à Espanha das Autonomias reflectida na Constituição, há muitas mudanças importantes, e não mero oportunismo político, como os autores relatam com abundante documentação (191, 192). E acrescentam: "Só o PSOE estava disposto a chegar a um acordo, talvez porque os socialistas compreendiam que se aproximava o momento em que teriam de assumir as responsabilidades do governo" (193). Interessantes são também as relações intensas com Jordi Pujol e Miquel Roca (206-207).

A economia

No que diz respeito à economia durante esse curto período, convém recordar que foi o pior ano dos países que nos rodeiam, mas, em contrapartida, a habilidade de Calvo-Sotelo e dos seus ministros conseguiu que "a Espanha crescesse entre 1,5 e 2 por cento, face a uma contração de 0,2 por cento em média nas economias da OCDE. Isto permitiu melhorar a evolução do emprego; o desemprego tinha crescido, mas a um ritmo mais lento do que noutros anos" (265).

É interessante o facto de não haver nenhuma referência ao longo do livro e nenhum capítulo dedicado às relações entre a Igreja e o Estado. Este facto indica que as sugestões da Conferência Episcopal para encorajar os cristãos a preocuparem-se com a sociedade e a viverem a doutrina social da Igreja

Consolidação da democracia

AutorJosé-Vidal Pelaz López e Pablo Pérez López
EditorialMarcial Pons
Ano: 2025
Número de páginas: 425
Língua: Inglês
Recursos

Sem ressurreição, não há cristianismo

Não vale a pena tentar ignorar a Ressurreição, simplificá-la ou racionalizá-la como um mito, uma figura de estilo ou uma experiência subjectiva. Ou a aceitamos como realidade, ou não a aceitamos.

Bryan Lawrence Gonsalves-4 de maio de 2025-Tempo de leitura: 4 acta

Nesta semana de celebração do Senhor Ressuscitado, lembremo-nos disto: A Ressurreição de Jesus Cristo não é apenas um pilar do cristianismo, é um pilar da nossa fé. o pilar. Se ela cair, tudo o resto cai com ela. A Ressurreição de Jesus dos mortos é o princípio e o fim da fé cristã. Não é um acontecimento trivial ou algo que se possa ignorar casualmente.

Se Jesus não ressuscitou dos mortos, todos os bispos, sacerdotesAs freiras e os monges devem voltar para casa e arranjar empregos seculares honestos e todos os fiéis cristãos devem abandonar imediatamente as suas igrejas e nunca mais voltar. Porquê? Como diz S. Paulo: "Mas, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e também é vã a vossa fé" (1 Cor 15,14).

É claro que não vale a pena tentar ignorar a Ressurreição, simplificá-la ou racionalizá-la como um mito, uma figura de estilo ou uma experiência subjectiva. Ou a aceitamos como realidade, ou não a aceitamos. Se Jesus não ressuscitou dos mortos, então o cristianismo é uma anedota ou, na pior das hipóteses, uma fraude. Mas se Cristo ressuscitou dos mortos, então o cristianismo é a plenitude da revelação de Deus e Jesus deve ser o centro absoluto das nossas vidas. Não há uma terceira opção.

Suborno de guardas

Uma questão que é frequentemente levantada em relação à Ressurreição de Cristo é que "o seu corpo foi roubado pelos Apóstolos", mas tal argumento não faz realmente sentido.

Vejamos primeiro o que diz o Evangelho de Mateus sobre o rescaldo da Ressurreição: "Enquanto as mulheres iam a caminho, alguns da guarda entraram na cidade e contaram o sucedido aos chefes dos sacerdotes. Estes, reunidos com os anciãos, chegaram a um acordo e deram aos soldados uma grande quantia, ordenando-lhes: "Dizei-lhes que os seus discípulos foram de noite e roubaram o corpo enquanto dormíeis. E se isto chegar aos ouvidos do governador, nós ganhamos o dinheiro e livramo-vos de problemas". Eles aceitaram o dinheiro e fizeram o que lhes foi ordenado. E esta história espalhou-se entre os judeus até aos dias de hoje". (Mateus 28, 11-15)

Em primeiro lugar, havia o problema do que deveria ser feito com o corpo de Cristo depois que os discípulos estivessem de posse dele. Tudo o que os inimigos de nosso Senhor teriam que fazer para refutar a ressurreição seria apresentar o corpo. Certamente poderiam ter prendido os Seus discípulos e torturá-los para que confessassem onde o corpo estava escondido.

Além disso, era muito improvável que uma guarda inteira de soldados romanos dormisse durante o serviço e, além disso, seria absurdo que dissessem o que se tinha passado enquanto dormiam. Logicamente, não faz sentido, os soldados foram mandados dizer que estavam a dormir. Mas, estando a dormir, estariam suficientemente despertos para ver os ladrões que roubaram o corpo de Cristo? E poderiam não só vê-los como identificá-los especificamente como discípulos de Cristo?

Se todos os soldados estivessem a dormir, nunca teriam descoberto os ladrões. Se alguns deles estivessem acordados, teriam impedido o roubo. Também é engraçado pensar que os mesmos discípulos que fugiram para o jardim quando Cristo foi preso, alguns dias depois, de alguma forma superaram a timidez e o medo e ousaram tentar roubar o corpo do seu mestre de um túmulo fechado com pedras, oficialmente selado e guardado por soldados romanos, tudo sem acordar os guardas adormecidos.

Além disso, a disposição ordenada das vestes funerárias no túmulo é a prova de que o corpo não foi roubado pelos discípulos. Porque é que os discípulos de Cristo roubariam o corpo completamente nu do seu mestre, sem lhe darem a dignidade básica de roubarem também as vestes funerárias que envolviam o seu corpo? Não faz qualquer sentido lógico.

A remoção secreta do cadáver não teria tido qualquer utilidade para os discípulos, uma vez que, do ponto de vista deles, o seu mestre estava morto, a sua vida era, portanto, um fracasso e os seus 3 anos de acompanhamento também.

Num sentido algo poético, eu diria que o crime foi certamente maior nos subornadores do que nos subornados. Com efeito, o conselho dos sumos sacerdotes era constituído por doutores, enquanto os soldados eram incultos e simples. De um certo ponto de vista, a ressurreição de Cristo foi primeiro proclamada oficialmente às autoridades civis, o Sinédrio acreditou na ressurreição antes dos apóstolos. Sabiam que o corpo não tinha sido roubado, mas engendraram um plano para dizer que o corpo tinha sido roubado. Pagaram a Judas apenas 30 moedas de prata para lhes trair Cristo e, como diz o Evangelho de Mateus, "deram aos soldados uma grande soma de dinheiro". Tentaram comprar a submissão e o silêncio com dinheiro, na esperança de que isso resolvesse os seus problemas e, desta forma, deixaram claro que, apesar dos sinais e prodígios realizados, os sumos sacerdotes e os anciãos serviriam sempre o seu verdadeiro senhor, que era a riqueza e o poder, mesmo perante a Ressurreição.

O poder transformador da Ressurreição

Os Apóstolos, com medo, fecharam-se numa "casa" (João 20,19). O forte contraste entre o seu medo e hesitação antes da Ressurreição e a sua ousadia e coragem depois de se encontrarem com Cristo ressuscitado é um dos mais fortes argumentos a favor da verdade da Ressurreição.

Os mesmos homens que outrora temiam a morte, que abandonaram Cristo quando Ele foi preso no jardim, foram agora para a morte proclamando a Ressurreição de Cristo. Esta vontade seria impensável, a menos que estivessem plenamente convencidos do que tinham visto pessoalmente.

O melhor exemplo seria o próprio S. Pedro, que passou de negar Cristo três vezes a pregar corajosamente no Pentecostes (Actos 2). Mais uma vez, uma transformação tão dramática só poderia acontecer ao ver Cristo ressuscitado. Pedro tremeu à voz de uma criada que dizia reconhecê-lo como um dos seguidores de Cristo e, mais tarde, enfrentou sem medo os governantes e os chefes dos sacerdotes. Qual é então a causa de tal mudança? A Ressurreição.

Sem dúvida que foi a Ressurreição de Cristo que despertou os corações vacilantes e temerosos dos Apóstolos, transformando a sua fraqueza em força. Digo isto com alguma piada, mas talvez seja mais milagroso que estes pescadores ignorantes e simples tenham conseguido persuadir o mundo a abraçar o Evangelho do que ressuscitar um morto ou curar um doente.

A Ressurreição foi uma explosão espiritual que transformou a história da humanidade através das vidas que tocou. De temerosos a destemidos, de duvidosos a devotos, a transformação radical dos Apóstolos é um dos testemunhos mais poderosos da verdade da Ressurreição.

O autorBryan Lawrence Gonsalves

Fundador de "Catholicism Coffee".

52 pequenas lições de "Como é belo viver".

Bob Welch publicou em 2012 o livro "52 Little Lessons from It's a Wonderful Life" (52 pequenas lições do filme "A vida é maravilhosa"), onde extrai uma lição semanal para todo o ano do filme "It's a Wonderful Life".

4 de maio de 2025-Tempo de leitura: 6 acta

Bob Welch é escritor, colunista, orador e antigo professor adjunto de jornalismo na Universidade de Oregon, em Eugene. Em 2012, publicou o livro "52 pequenas lições de "A vida é maravilhosa"onde extrai uma lição semanal para o ano inteiro do imortal filme lançado em 1946 por Frank Capra (1897-1991). Vale bem a pena ler o livro e conhecer essas 52 lições, que vou enumerar como aperitivo neste artigo.

  1. Deus honra a nossa "fé de criança": "Sim, mas tem a candura da fé de uma criança" (o anjo Franklin).
  2. Os mais desfavorecidos são importantes: "Lembre-se disto, Sr. Potter: essa ralé de que fala... trabalha, paga, vive e morre nesta comunidade" (George Bailey).
  3. Por vezes, é preciso dançar: "Lembras-te da minha irmãzinha Mary, podias dançar com ela?" (Marty Hatch).
  4. O mundo preocupa-se consigo: "É engraçado, não é? A vida de cada homem afecta muitas outras vidas, e quando ele se vai, deixa um vazio terrível, não é?" (Clarence).
  5. A autocomiseração distorce a nossa visão: "Quem me dera nunca ter nascido" (George Bailey).
  6. As maiores aventuras da vida dependem das pessoas, não de lugares ou coisas: "Zuzu! Zuzu! Minha bonequinha!" (George Bailey).
  7. Não se pode fugir dos problemas: "Não olhes agora, mas está a acontecer algo estranho no banco, George. Nunca vi um, mas parece um pânico bancário" (Ernie, o taxista).
  8. É sensato pedir conselhos: "Cartaz de cigarros Sweet Caporal na loja de Gower, que George repara enquanto pondera o que fazer quando se apercebe que o Sr. Gower, na sua aflição, pôs veneno num frasco de cápsulas que devia entregar".
  9. Parai para dar graças pelo que tendes: "Pão! Para que esta casa nunca tenha fome. Sal! Para que a vida tenha sempre sabor" (Mary, na inauguração da nova casa dos Martini em Bailey Park). "E vinho! Para que a alegria e a prosperidade reinem para sempre" (George, juntando-se à bênção de Mary na casa dos Martini).
  10.  Não há impacto sem contacto: "Se vamos ajudar um homem, temos de saber alguma coisa sobre ele, não acha?
  11. Quando for criticado, considere a fonte: "Então suponho que devo dar (o dinheiro) a falhados miseráveis como tu e o idiota do teu irmão para esbanjarem" (Sr. Potter).
  12.  Encontre a sua própria Bedford Falls onde quer que viva: "Saudades de casa? De Bedford Falls?" (George para Mary). "Sim" (Maria).
  13.  Não vale a pena tentar ser menos do que o vizinho: "Pai, os nossos vizinhos, os Browns, têm um carro novo. Devias vê-lo" (Pete Bailey).
  14.  Tudo muda com a perspetiva: "Oh, olhem para esta maravilhosa casa velha e cheia de correntes de ar! Mary! Mary!" (George Bailey).
  15.  A oração muda tudo: "Eu sou a resposta à tua oração. É por isso que fui enviado para cá" (o anjo Clarence, depois de George lhe dizer: "Levei um murro no queixo em resposta à minha oração").
  16.  Deleitar-se com as conquistas dos outros: "Muito ciumento. Muito ciumento. Tão ciumento que não consegue conter a sua alegria" (Billy para Henry Potter sobre a reação de George à notícia de que Harry tinha recebido a "Medalha de Honra do Congresso").
  17.  Não esperem para dizer a alguém de quem gostam: "Pai, queres saber uma coisa? Acho que és um tipo extraordinário" (Jorge para o pai durante o jantar).
  18.  Todas as viagens têm um destino secreto: "Vou ver o mundo. Itália, Grécia, o Parthenon..., o Coliseu. Depois volto para cá, vou para a universidade e vejo o que eles sabem... e depois construo coisas..." (George Bailey).
  19.  Não olhem para o que é, mas para o que pode ser: "Esta casa antiga é tão romântica. Adoraria viver aqui" (Mary, na noite em que ela e George atiram pedras e pedem desejos na velha casa dos Granville).
  20.  É ajudando os outros que nos ajudamos a nós próprios: "Se eu conseguisse cumprir esta missão, poderia talvez ganhar as minhas asas" (Clarence para Franklin).
  21.  A vida não é um mar de rosas: "Porque é que tivemos de viver aqui... nesta velha e miserável lixeira de uma cidade" (George Bailey).
  22.  É preciso uma aldeia inteira para criar uma criança: "Eles não são meus filhos" (Sr. Potter). "Mas são os filhos de alguém" (Peter Bailey).
  23.  Vidas discretas podem ter um impacto maior: "Sabes uma coisa, George? Acho que, de uma forma modesta, estamos a fazer algo importante. Estamos a satisfazer uma necessidade fundamental. É uma aspiração profunda do ser humano ter o seu próprio teto, as suas próprias paredes e a sua própria chaminé, e nós estamos a ajudá-los a obter essas coisas no nosso 'pequeno escritório maltrapilho'" (Peter Bailey).
  24.  Nenhum homem é uma ilha: "Podemos ultrapassar isto, mas temos de nos manter unidos. Temos de ter fé uns nos outros" (George Bailey).
  25.  A maior dádiva de Deus é a vida: "Esta noite, exatamente às dez e quarenta e cinco horas, hora da Terra, aquele homem estará a pensar seriamente em estragar a maior dádiva de Deus" (voz de Franklin). "Caramba, a vida dele!" (voz de Clarence).
  26.  O maior presente que se pode dar é a graça: "E tu, Ed, lembras-te de quando as coisas não estavam a correr bem e não conseguias pagar as prestações? Não perdeste a tua casa, pois não? Achas que o Potter te teria deixado ficar com ela?" (George Bailey)
  27.  Há muito a dizer sobre os compromissos a longo prazo: "George Bailey, amar-te-ei até ao dia em que morrer" (May Bailey, em criança, na loja de gelados e refrigerantes).
  28.  As obras são amor, e não são boas razões: "O meu gabinete deu instruções para lhe adiantar até vinte e cinco mil dólares" (telegrama de Sam Wainwright).
  29.  Ele procura o melhor nas pessoas: "Toma lá, estás falido, não estás?" (George, enquanto tira dinheiro do bolso para dar a Violet Bick).
  30.  A vingança não é da nossa conta, diz o Senhor: "O que se passa, Otelo, estás com ciúmes? Sabias que há uma piscina debaixo deste chão? E sabias que o botão atrás de ti abre o chão? E sabias que o George Bailey está a dançar mesmo onde ele abre? E que eu tenho a chave?" (Mickey para Freddie, no baile do liceu, depois de George interromper a dança deste último com Mary).
  31.  Ninguém é perfeito..., o que nos leva à graça: "Harry Bailey, 1911-1919" (o tempo de vida inexato de Harry Bailey, na sua lápide, no mundo sem George de Clarence).
  32.  A essência da vida são as relações: "George, sou um homem velho e a maioria das pessoas odeia-me. Mas eu também não gosto delas" (velho Potter).
  33.  O que desencadeia a verdadeira mudança é a verdadeira humildade: "Ajuda-me, Clarence. Devolve-me... Por favor, meu Deus, deixa-me viver outra vez" (Jorge, depois de regressar ao presente).
  34.  A fama não é sinónimo de sucesso, nem o anonimato é sinónimo de fracasso: "Inapto para o serviço por causa da sua audição, George lutou na batalha de Bedford Falls... Vigia antiaéreo... Apanhando papéis..., destroços..., pneus..." (Joseph descreve as prosaicas tarefas de George em tempo de guerra).
  35.  A amargura volta-se contra a pessoa amarga: "Frustrada e doente" (Descrição de Potter por Peter Bailey).
  36.  A vida simples ajuda-nos a apreciar o que é mais significativo: "Aqui nunca ninguém muda, sabes disso" (tio Billy para Harry quando o sobrinho lhe diz na estação de comboios: "Tio Billy, não mudou nada").
  37.  Os ideais elevados são uma busca honrosa: "Parece-me que ele morreu um homem muito mais rico do que tu alguma vez serás!" (George Bailey para Potter, sobre o seu pai, Peter Bailey).
  38.  Os sonhos perdidos podem ser oportunidades encontradas: "Quem me dera ter um milhão de dólares... Um cachorro-quente!" (George, enquanto experimenta o isqueiro à moda antiga na loja de Gower).
  39.  Nem tudo o que reluz é ouro: "Oh, sim, George Bailey, cujo navio acaba de chegar ao porto, se for suficientemente esperto para subir a bordo" (Sr. Potter).
  40.  As pessoas respondem aos exemplos honrosos: "Porque é que não vais ter com a máfia... e lhes pedes oito mil dólares" (Sr. Potter para George, depois de o dinheiro ter desaparecido).
  41.  Ajudar os outros exige sacrifício: "Nesse dia, o Jorge salvou a vida do irmão. Mas apanhou uma grande constipação que lhe infectou o ouvido esquerdo e nunca mais voltou a ouvir" (o anjo José).
  42.  Pesquisar amigos para fazer sobressair o que há de melhor em nós: "A Mary é uma boa rapariga..., o tipo de rapariga que te vai ajudar a encontrar as respostas, George" (mãe de George).
  43.  O desespero pode ser um catalisador para grandes coisas: "Quanto é que eles querem?" (Mary Bailey, recém-casada, oferecendo um maço de notas do seu presente de casamento a clientes desesperados de uma empresa de empréstimos).
  44.  Há milagres: "Jorge, é um milagre! É um milagre!" (Maria, enquanto se prepara para a chegada dos cidadãos com as suas "ofertas").
  45.  A idade é irrelevante; a sua maneira de viver não é: "Oh, que desperdício de juventude" (o homem no alpendre que acha que George devia beijar Mary "em vez de a aborrecer até à morte com toda esta conversa").
  46.  As pessoas mais ricas da cidade podem ter pouco dinheiro: "Um brinde... ao meu irmão mais velho George - o homem mais rico da cidade!" (Harry Bailey).
  47.  O mundo precisa de mais patranhas sentimentais: "Patranhas sentimentais!" (velho Potter).
  48.  Prestar atenção à tarefa em curso: "E puseste o envelope no bolso?" (Jorge) "Sim... sim... talvez... talvez" (Tio Billy).
  49.  As pessoas podem mudar: "George Bailey? O que é que ele quer?" (a irascível mãe de Mary, Mrs Hatch, ao saber que George veio ver a filha).
  50.  Entrar no mundo de uma criança expande o nosso mundo: "Papá, arranjas-me a minha flor?
  51.  Algumas flores demoram a desabrochar: "Tão afectadas que se aproximam de uma linguagem infantil" (crítica do New Yorker quando o filme foi lançado).
  52.  As revisões da vida reforçam o guião: "Pai nosso que estais no céu..." (Tio Billy, na cena final climática, tal como Capra a escreveu originalmente).
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Jesus nos quatro Evangelhos

Os quatro Evangelhos canónicos foram escritos em meados ou finais do século I, com base em tradições orais e fontes mais antigas, como a fonte Q. Estudos recentes propõem que podem ter sido originalmente escritos em hebraico e em datas mais antigas do que se pensava.

Gerardo Ferrara-3 de maio de 2025-Tempo de leitura: 5 acta

Antes de ilustrar brevemente o que sabemos até agora sobre os quatro Evangelhos canónicos, leiamos as belas palavras de S. Francisco de Sales, Doutor da Igreja, a propósito da importância da palavra "evangelho" e da tradição oral e da pregação para a transmissão da fé (já falámos disso em artigo anterior sobre a catequese):

Toda a doutrina cristã é em si mesma Tradição. Com efeito, o autor da doutrina cristã é o próprio Cristo Nosso Senhor, que escreveu apenas alguns caracteres enquanto perdoava os pecados à mulher adúltera. [...] A fortiori, Cristo não mandou escrever. É por isso que não chamou à sua doutrina "Eugrafia", mas sim Evangelho, e mandou que esta doutrina fosse transmitida sobretudo pela pregação, pois nunca disse: escreve o Evangelho a toda a criatura; disse antes: prega-o. A fé, portanto, não vem da leitura, mas da audição. 

No artigo anterior, mencionámos alguns estudiosos que se propõem antecipar a datação "oficial" da composição dos Evangelhos. Segundo a maioria dos especialistas, de facto, estes escritos datariam da segunda metade do século I, ou seja, quando muitas das testemunhas oculares dos acontecimentos narrados ainda estavam vivas. No entanto, basear-se-iam em fontes ainda mais antigas, como os chamados fonte Q (do alemão quelle(a "fonte"), da qual Lucas e Mateus terão retirado grande parte da sua informação, e que vários estudiosos identificam com um projeto anterior de Marcos, e a lógia kyriaká (ditos sobre o Senhor).

Os Evangelhos Sinópticos

São assim chamados porque contam muitas histórias sobre Jesus quase com as mesmas palavras. De facto, podem ser lidas em muitas partes num relance (sinopses), tanto em grego como em traduções para línguas comuns. É frequente perguntarmo-nos em que língua foram escritos. 

Jean Carmignac (1914-1986), padre católico francês e biblista, foi um grande exegeta e tradutor dos Manuscritos do Mar Morto, dos quais era um dos maiores especialistas mundiais. Graças aos seus conhecimentos na matéria, Carmignac apercebeu-se de que o grego destes Evangelhos era muito semelhante ao tipo de hebraico utilizado nos pergaminhos de Qumran (até 1947, pensava-se que a língua hebraica na Palestina se tinha extinguido no tempo de Jesus, mas a descoberta de centenas de manuscritos nas grutas do Mar Morto veio confirmar que o hebraico continuava a ser utilizado, pelo menos como língua "culta", até ao fim da Terceira Guerra Judaica, em 135 d.C.).C.).

Com base num estudo linguístico aprofundado destes Evangelhos ao longo de vinte anos, tornou-se defensor da sua redação original em hebraico, e não no grego em que chegaram até nós, mas também da sua datação por volta do ano 50. Carmignac apresentou a sua tese na sua obra O nascimento dos Evangelhos Sinópticos.

Marca

É o Evangelho mais antigo (entre 45 e 65 d.C.). Seria a base da tripla tradição sinóptica. Segundo os estudiosos, deriva da pregação do próprio Pedro, na Palestina, mas sobretudo em Roma. Jean Carmignac acredita que este Evangelho foi escrito, ou ditado, pelo próprio Pedro, em hebraico (ou aramaico) por volta do ano 42, e que foi depois traduzido para grego (como escreve Papias de Hierápolis na sua obra Exegese da Lògia Kyriakà) por Marcos, hermeneuta (intérprete) de Pedro, por volta do ano 45 (como afirma também J. W. Wenham) ou, o mais tardar, 55.

De facto, no Exegese do Lògia kiriakàDa qual Eusébio de Cesareia cita fragmentos na História Eclesiástica (Livro III, cap. 39), Papias escreve: 

Marcos, que era o hermeneuta [intérprete] de Pedro, escreveu exatamente, embora sem ordem, tudo o que se lembrava do que o Senhor tinha dito ou feito. Porque ele não tinha ouvido nem acompanhado o Senhor, mas depois, como já disse, acompanhou Pedro. 

Temos relatos semelhantes de Clemente de Alexandria, Orígenes, Ireneu de Lyon e do próprio Eusébio de Cesareia.

Mateus

Este Evangelho terá sido escrito por volta de 70 ou 80 d.C., resultado de uma coleção de discursos em hebraico ou aramaico (lògia), recolhida e utilizada pelo apóstolo Mateus entre 33 e 42 d.C. no decurso das suas actividades evangelísticas entre os judeus da Palestina (fonte Q também utilizada por Lucas).

Esta informação é confirmada por Papias: "Mateus, portanto, reuniu os lògias em língua hebraica, e cada hermeneuta [traduziu-os] o melhor que pôde. Ireneu de Lião (um discípulo de Policarpo de Esmirna, ele próprio um discípulo do evangelista João) também escreveu em 180 d.C. (em Contra as heresias).

Mateus publicou o seu evangelho para os judeus na sua língua materna, enquanto Pedro e Paulo pregavam em Roma e fundavam a Igreja; depois da sua morte, Marcos, discípulo e tradutor de Pedro, transmitiu também por escrito a pregação de Pedro; Lucas, companheiro de Paulo, escreveu o que este pregava.

Testemunhos antigos semelhantes vêm de Panthenus, Orígenes, Eusébio de Cesareia. Segundo Carmignac, o Evangelho de Mateus data do ano 50.

Lucas

Também este Evangelho, segundo muitos estudiosos, terá sido escrito por volta dos anos setenta ou oitenta. Acredita-se amplamente que o Evangelho de Lucas é a compilação historicamente mais exacta do Evangelho de Lucas, e baseia-se na fonte Q (também utilizada por Mateus e, na opinião de vários historiadores e biblistas, a versão mais antiga do Evangelho de Marcos), complementada por pesquisas pessoais efectuadas no terreno (como o próprio autor afirma no Prólogo).

Carmignac acredita que a edição de Lucas data de 58-60, se não pouco depois de 50 (uma hipótese apoiada por Wenham e outros).

John

 É o único Evangelho não sinóptico, considerado durante muito tempo o menos "histórico", até que um estudo cuidadoso revelou que é, pelo contrário, do ponto de vista geográfico e cronológico, um documento ainda mais exato do que os Evangelhos anteriores (de facto, intervém para esclarecer o que foi ou não narrado pelos outros).

A terminologia rica e precisa e as informações topográficas, cronológicas e históricas claras e inequívocas permitiram, entre outras coisas, reconstituir em pormenor o número de anos da pregação de Jesus, datar os acontecimentos da Páscoa num calendário mais preciso e descobrir achados arqueológicos posteriormente identificados com os locais descritos por João (pretório de Pilatos, piscina da provação, etc.). Para muitos, a Páscoa data dos anos 90-100 d.C. Carmignac, Wenham e outros, porém, situam-na pouco depois de 60 d.C.

Por último, é de salientar que o fragmento mais antigo do Novo Testamento canónico corresponde precisamente a um dos Evangelhos, o de João, e é o Papiro 52, também conhecido como Rylands 457, encontrado no Egito em 1920 e datado entre os séculos II e III d.C. 

Do ponto de vista histórico, a proximidade entre a edição da obra propriamente dita (como já escrevemos, entre 60 e 100 d.C.) e o registo escrito mais antigo que foi encontrado é surpreendenteO manuscrito mais antigo da Ilíada que foi encontrado data de 800 d.C., enquanto se pensa que a obra em si terá sido escrita provavelmente por volta de 800 a.C.!

Evangelização

Santos Apóstolos Filipe e Tiago Menor, mártires 

No dia 3 de maio, a Igreja comemora os santos apóstolos Filipe e Tiago Menor. Ambos foram discípulos de Jesus, membros dos Doze e mártires. São recordados pela sua fidelidade à missão de anunciar o Evangelho.

Francisco Otamendi-3 de maio de 2025-Tempo de leitura: < 1 minuto

São muitas as coisas que os santos Filipe e Tiago, o Menor, filho de Alfeu, têm em comum. Eles eram chamado por Jesus. E são recordados no mesmo dia porque as suas relíquias foram levadas na mesma altura para Roma, no século VI, e são veneradas na basílica chamada "Dos Santos Apóstolos", inicialmente dedicada a eles.

"Segue-me" (Jo 1,43). Esta era a expressão habitual de Jesus para chamar os seus discípulos. Foi o que Jesus disse a Filipe, e isso mudou a sua vida. Oriundo de Betsaida, era já discípulo de João Batista. São João conta assim a sua vocação. "No dia seguinte, Jesus decidiu partir para a Galileia; encontrou Filipe e disse-lhe: 'Segue-me'".

"Venha e veja".

"Filipe era de Betsaida, a cidade de André e Pedro", continua João. Filipe encontrou Natanael e disse-lhe: "Aquele de quem Moisés escreveu na lei e nos profetas, encontrámo-lo: Jesus, filho de José, de Nazaré". Natanael perguntou-lhe: "De Nazaré pode vir alguma coisa boa? Filipe respondeu: "Vem e vê". Pode ler-se aqui o texto completo. Evangelização da Ásia Menorsegundo a tradição.

O apóstolo Tiago, de apelido Tiago Menor, filho de Alfeu, foi bispo da primeira comunidade judaico-cristã de Jerusalém. Ele escreveu o Carta O apóstolo com quem o convertido Paulo entrou em contacto e a quem o Concílio de Jerusalém concedeu um papel importante na evangelização. São Paulo chamou-lhe "o irmão do Senhor" (Gálatas 1,19), uma forma de designar os parentes mais próximos da família. Foi martirizado, provavelmente por lapidação, entre 62 e 66.

O autorFrancisco Otamendi

Livros

O humanismo de Francisco de Vitoria

     

José Carlos Martín de la Hoz-3 de maio de 2025-Tempo de leitura: 4 acta

Há alguns dias, estava a ler uma obra interessante de um professor de história da teologia da Universidade de Oxford, Alister E. McGrath (1953), sobre a doutrina cristã como um verdadeiro laboratório da fé, no qual se podem encontrar novas fórmulas para apresentar o cristianismo aos olhos dos homens de uma forma nova e atraente.

Não basta, certamente, criticar o que está errado na sociedade, nas abordagens culturais de outras pessoas ou na vida dos outros. Temos de entrar no laboratório da doutrina cristã e procurar na riqueza da revelação cristã novas abordagens, ideias atractivas: "Se o cristianismo quiser sobreviver, terá de oferecer algo que seja pessoalmente transformador e existencialmente plausível, que permita um modo de vida significativo, se quiser apelar às novas paisagens culturais que aguardam o futuro" (Alister E. McGrath, The Laboratory of Faith, p. 212).

Após a queda de Constantinopla e a perda do Império Bizantino no mundo ocidental, surgiram, sobretudo em Florença, Bolonha e Roma, muitos artistas, escultores, pintores, arquitectos, músicos e escritores que, à luz da riqueza da literatura clássica grega e latina, reavivaram a ideia de uma civilização assente na dignidade humana.

O homem tornou-se o centro da vida cultural, política e mesmo religiosa. O homem, criado e redimido por Deus, livre, podia e devia dar glória a Deus. Seguidores de Marsilio Ficino e da corrente neoplatónica, que ele tentou trazer de volta ao diálogo com o cristianismo, Píco della Mirandola e Gianezzo Manetti recuperaram a tradição grega e latina, bem como a teologia da interiorização agostiniana, centrando o seu interesse na definição da dignidade associada à encarnação e não tanto à criação.

A conceção antropológica adoptada por estas correntes filosóficas convidava a contemplar a pessoa na sua capacidade de viver a união com Deus, mas centrando-se não tanto na origem da pessoa e na sua dignidade, mas na sua potencialidade real, na capacidade de desenvolver esta faculdade de encontro místico com Deus.

Muitos tratados de antropologia foram escritos nesses anos e, acima de tudo, o homem foi colocado como a medida de todas as coisas, como diria Leonardo Da Vinci. De facto, "Dignidade do Homem" é o título de uma obra de Pico de la Mirandola (1486) e também de Ferrán Pérez de la Oliva (1546).

A entrada do Renascimento e do humanismo nas universidades levou a uma retificação deste humanismo pagão que se encontrava difundido em todas as cortes refinadas da Europa, com demasiados traços da filosofia estoica e de Maquiavel.

Neste contexto de reforma da Igreja - que englobava as ordens e congregações religiosas, bem como o clero regular e secular, os concílios e, em última análise, todo o povo de Deus - promoveu-se também uma transformação interior. Esta incluía a renovação da teologia, do direito, da espiritualidade e dos estudos bíblicos e filológicos, culminando na nova versão da Vulgata, a Septuaginta-Clementina.

O cume do humanismo cristão serão os documentos do Concílio de Trento e as suas expressões pastorais: os seminários, o missal de S. Pio V e o catecismo romano ou dos párocos.

Dentro de alguns meses, celebraremos o 5º centenário do início do magistério de Francisco de Vitoria na Faculdade de Teologia da Universidade de Salamanca. Tanto ele como os seus primeiros discípulos, Domingo de SotoMelchor Cano, formarão uma plêiade de mestres que influenciarão todas as universidades da Europa e da América, trazendo um único espírito e uma nova forma de fazer teologia: a da Escola de Salamanca.

Entre outras obras que estão a ser publicadas, gostaria de mencionar a que publicámos recentemente com León Gómez Rivas, professor da Universidade Europeia em Edições SekotiaA origem e o desenvolvimento do projeto podem ser consultados em pormenor neste sítio.

Francisco de Vitória, através da sua cátedra em Salamanca, esteve na origem de uma verdadeira escola de teólogos, muitos deles oriundos da Ordem de São Domingos, que enfrentaram os primeiros desafios humanos, teológicos e morais da época, provocados pela irrupção do protestantismo com as suas diversas correntes, pela descoberta, colonização e evangelização da América, e pelas consequências económicas e sociais da primeira globalização.

É interessante determo-nos um pouco sobre o significado da Escola de Salamanca, uma vez que é um lugar-comum atribuir-lhe a fundação do direito internacional e a sua oposição aos títulos que Carlos V ostentava pela sua presença na América, e pouco mais.

É uma escola teológico-jurídica porque baseou todos os seus argumentos, lições e opiniões no conceito de dignidade da pessoa humana. Não apenas com a capacidade de tomar decisões morais, mas verdadeiramente como filhos de Deus e dotados de personalidade jurídica e teológica. Promoviam os direitos dos índios, tanto os que aderiam livremente à fé cristã como os que não aderiam.

As consequências são imensas: a liberdade e a responsabilidade de lidar com a economia e de a globalizar, a eliminação dos obstáculos económicos e dos receios da atividade comercial. O respeito pelas leis do mercado, pelos preços justos, o esforço para reduzir a carga fiscal dos reis e das corporações municipais.

Talvez a leitura deste livro nos ajude a compreender mais profundamente as caraterísticas do humanismo cristão, que sobreviveu praticamente até aos nossos dias, para podermos afirmar que o espírito de Vitória permaneceu latente até aos nossos dias.

A Escola de Salamanca. Quando o pensamento espanhol iluminou o mundo

AutorJosé Carlos Martín de la Hoz e León M. Gómez Rivas
Número de páginas: : 152
Editorial: : Sekotia
Língua: : Inglês
Evangelização

Teté Calderón: Ligar as crianças a Deus

Teté Calderón é muito mais do que uma cantora e compositora católica equatoriana de 29 anos; é uma educadora muito especial que, através da sua música, ajuda as crianças a ligarem-se a Deus.

Juan Carlos Vasconez-3 de maio de 2025-Tempo de leitura: 3 acta

Durante o Congresso Eucarístico Internacional de 2024, estava a passear por Quito com o bispo espanhol José Ignacio Munilla quando nos cruzámos com Teté Calderón. (@tetecalderonl). Para minha surpresa, o monsenhor reconheceu-a como a autora de uma das suas canções preferidas. Naquele momento, pensei: "Esta jovem mulher é ainda mais influente do que eu imaginava".

Uma fé enraizada na infância

Criada num país com uma tradição profundamente católica, a sua ligação a Deus foi reforçada após o nascimento do seu irmão mais novo, o que atribui à intercessão do Padre Pio.

Teté recorda com carinho os ensinamentos do seu pai: "O meu pai sempre se preocupou em aproximar-nos de Deus. Lembro-me com muito carinho das nossas longas conversas e momentos de oração antes de deitar. Ele vinha ao meu quarto, rezávamos juntos e depois falávamos de assuntos espirituais".. "Desde criança que era muito sensível e gostava de falar com Deus, sobretudo às quintas-feiras, durante a bênção do Santíssimo Sacramento". diz Teté. A sua mãe incutiu-lhe o valor do serviço e da dedicação aos outros. "A minha mãe ensinou-me o amor no serviço: dar-se pelos outros com alegria e sem esperar nada em troca".diz ele.

Uma mudança de escola aos 11 anos deu-lhe a oportunidade de aprofundar a sua fé através da missa diária, da comunhão e da participação em palestras e retiros espirituais. "Sinto que Deus preparou o meu coração desde antes e, ao levar-me para aquela escola, deu-me as ferramentas para continuar a amá-Lo e a crescer na minha relação com Ele".reflecte Teté.

A música como caminho para Deus

"Aos 15 anos descobri que podia encontrar Deus nas melodias, mas foi aos 24 que comecei a escrever música católica".explica ele. "Nos momentos mais difíceis da minha vida, quando tudo parecia desmoronar-se, a única forma de encontrar consolo era compondo", explica Teté.

Os sacramentos ocupam também um lugar central na sua vida espiritual. "Preciso de ir à missa diariamente ou pelo menos quatro vezes por semana para me sustentar espiritualmente".confessa. A leitura diária do Evangelho é outra prática essencial para ela, onde encontra "orientação e um apelo para viver o amor de Deus no meu ambiente"..

Um farol de fé para as crianças

Teté dedica as suas tardes a criar espaços onde as crianças possam descobrir Deus e ligar-se a Ele. "As crianças são transparentes, simples e sinceras, o que torna natural e divertido falar com elas sobre Deus".diz ele.

Através de "Niños Adoradores", um espaço concebido para crianças dos 3 aos 6 anos, com um acompanhante, apresenta-lhes figuras-chave da fé através de histórias, canções e actividades artesanais, e guia-os em momentos de silêncio e contemplação diante do Santíssimo Sacramento. É uma experiência fabulosa que muitos pais católicos procuram para os seus filhos mais pequenos. Além disso, com o seu coro infantil, oferece às crianças dos 3 aos 10 anos a oportunidade de exprimirem a sua fé através da música, preparando-as para cantar na missa e em eventos especiais como o Natal. "O meu desejo é que estes espaços sejam não só momentos de aprendizagem, mas também de comunidade, onde as crianças se sintam acompanhadas na sua caminhada de fé e aprendam que Deus nos ama imenso"..

Uma memória indelével

A perda da sua mãe, há um ano e meio, marcou profundamente Teté, mas também lhe deu uma lição poderosa sobre a presença de Deus na sua vida.

Depois de se ter ausentado de uma turma de "Niños Adoradores", as crianças cumprimentaram-no com perguntas e afeto. Semanas mais tarde, uma nova criança perguntou pela fotografia da sua mãe que estava no seu telemóvel. "Ela é a mãe da Tia Teté, e agora está no Céu com Deus".responde outra criança. Teté ficou comovida com a preocupação do novo rapaz pelo seu pai: "Ahh, pois. É que, se te perderes, alguém tem de ir à tua procura e encontrar-te. Se não for a tua mãe, pode ser o teu pai.. As suas palavras impressionaram-me profundamente. Lembrou-me que, tal como o meu pai estará sempre lá para me procurar se eu me perder, o nosso Pai Celestial nunca deixará de nos procurar e de nos levar até Ele".conclui Teté.

Vaticano

De que é que os cardeais falam nas congregações gerais?

Nas congregações gerais que antecederam o conclave, os cardeais debateram a urgência de uma evangelização efectiva, a polarização interna, os abusos e escândalos financeiros e a situação financeira crítica da Santa Sé.

Javier García Herrería-2 de maio de 2025-Tempo de leitura: 2 acta

Às 9 horas da manhã de hoje, a Oitava Congregação Geral foi aberta na Sala Nova do Sínodo com a oração habitual. Participaram na sessão mais de 180 cardeais, incluindo mais de 120 eleitores. O Vaticano informou sobre os principais temas discutidos.

Ao longo da manhã, 25 cardeais tomaram a palavra para apresentar as suas reflexões e propostas sobre o futuro da Igreja. As intervenções giraram em torno de temas fundamentais, destacando-se a urgência de uma evangelização profunda e efectiva, especialmente dirigida às novas gerações. Foi sublinhada a visão de uma Igreja fraterna e missionária, seguindo o impulso do pontificado do Papa Francisco.

Algumas questões

Foi dada especial atenção às Igrejas Orientais, muitas delas marcadas pelo sofrimento, mas também por um testemunho exemplar de fé. Vários cardeais insistiram também na necessidade de comunicar o Evangelho com autenticidade e coerência a todos os níveis da vida eclesial, sublinhando que o amor fraterno é o primeiro anúncio, como ensina o Evangelho.

Questões dolorosas como os abusos sexuais e os escândalos financeiros foram também claramente abordadas. De acordo com Matteo Bruni, diretor do gabinete de imprensa da Santa Sé, estas questões foram tratadas como "uma ferida" que deve ser mantida aberta para garantir uma consciência constante do problema e para promover formas concretas de cura.

Outros temas debatidos incluíram a centralidade da liturgia, a importância do Direito Canónico e o valor da sinodalidade como expressão de missão e colegialidade, bem como a necessidade de responder ao secularismo com firmeza pastoral.

A sessão foi concluída com uma reflexão sobre a continuidade espiritual e pastoral entre os pontificados de São João Paulo II, Bento XVI e Papa Francisco, e sobre o papel da Eucaristia na tarefa de evangelização.

Por outro lado, foi confirmado que dois cardeais eleitores não participarão no próximo Conclave: o Cardeal Antonio Cañizares Llovera, Arcebispo Metropolitano Emérito de Valência, e o Cardeal John Njue, Arcebispo Metropolitano Emérito de Nairobi. Prevê-se ainda a chegada a Roma de quatro cardeais eleitores.

Em dias anteriores

Nos dias anteriores, o gabinete de imprensa do Vaticano explicou que os cardeais analisaram a situação financeira da Santa Sé, que tem um défice de 83,5 milhões de euros registado em 2023, levantando preocupações sobre a sustentabilidade económica da Igreja e a necessidade de uma gestão mais transparente e eficiente.

Os cardeais reconheceram a existência de divisões significativas no seio da Igreja, especialmente no que diz respeito à sinodalidade e às reformas levadas a cabo durante o pontificado de Francisco. Esta polarização é vista como uma "ferida" que requer atenção e cura.

Relativamente aos abusos sexuais e aos escândalos financeiros, foi abordada a necessidade de manter viva a consciência destes problemas, considerados como feridas abertas, a fim de identificar formas concretas de os curar e evitar a sua recorrência no futuro.

Capela Sistina

Por fim, foi noticiado que esta manhã foi instalada a chaminé no teto da Capela Sistina, um símbolo fundamental no processo do Conclave. A capela está fechada ao público desde domingo, enquanto se ultimam os preparativos para o início do processo de eleição papal.

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Evangelização

Santo: Atanásio. Fidelidade e fortaleza

O século IV foi marcado por grandes heresias e crises, mas também por grandes teólogos que defenderam a doutrina católica, muitas vezes à custa de grandes sofrimentos. Um desses grandes Padres é Santo Atanásio, que a Igreja comemora todos os dias 2 de Maio.  

Antonio de la Torre-2 de maio de 2025-Tempo de leitura: 5 acta

Vimos o tremendo terramoto que a heresia de Ário causou numa Igreja que estava a entrar numa era de estabilidade e prosperidade após a paz de Constantino. Os primeiros anos do século IV trouxeram, de facto, paz social para o cristianismo, mas, ao mesmo tempo, testemunharam o início de uma longa guerra entre arianos e nicenos. 

Os primeiros defendiam as doutrinas do ariano de Alexandria, que para muitos bispos representavam uma ponte para a cultura dominante da época e para outros uma certa continuidade com as suas tradições teológicas e culturais. Os segundos defendiam a ortodoxia estabelecida no Concílio de NiceiaA doutrina trinitária e a fé na divindade de Cristo, que consideravam ser o pilar fundamental da mensagem de salvação da Igreja, podiam ser salvaguardadas da melhor forma.

Um bispo combativo e brilhante

Neste ambiente convulsivo, e constituindo uma parte importante do segundo campo, para não dizer o seu líder, encontramos a poderosa figura de Santo Atanásio. Tal como acontece com outros santos padres, sabemos muito pouco sobre a sua origem e início de vida. Parece que terá nascido nos anos anteriores a 300, pois, nas primeiras décadas do século IV, foi diácono e colaborador próximo de Alexandre, o bispo de Alexandria que teve de lidar com a eclosão da crise ariana.

Em 328, três anos após o Concílio de Nicéia, foi nomeado bispo de Alexandria. Teve de enfrentar as doutrinas de Ário na mesma diocese que o herege, também afectada por outras tensões, como o cisma meletiano. A luta contra o arianismo será uma prioridade premente do seu magistério episcopal, que desenvolverá ao longo da sua vida em brilhantes escritos pastorais e teológicos. Mesmo assim, não descurou a orientação dos seus fiéis nas mais diversas facetas da vida de uma comunidade, como podemos ver na sua extensa colecção de Cartas de Páscoa. Eram escritos anualmente para anunciar a Páscoa às dioceses egípcias que dependiam de Alexandria.

Perante a heresia ariana

Em todo o caso, a urgência que Santo Atanásio sente na questão ariana é motivada pelo que ela implica como negação da mensagem salvífica da Igreja. De facto, Ário defende que a Palavra (Logos), o Filho de Deus, não partilha a essência divina com o Pai, sendo uma espécie de deus criado (mais de acordo com a cultura dominante do helenismo neoplatónico). Mas a tradição cristã afirmava que a humanidade só podia ser salva, restaurada, renovada e recriada se se unisse a um Verbo verdadeiramente divino, como acontece na Encarnação. Neste mistério salvífico por excelência, aquele que se une à humanidade é alguém plenamente divino e pode, por isso, comunicar aos homens os dons salvíficos da incorruptibilidade, da imortalidade, da divinização e do conhecimento de Deus.

Em última análise, a salvação do homem só é possível se a humanidade for assumida na Encarnação por alguém verdadeiramente divino. Se o Verbo não é Deus, o homem não se salva e, além disso, a pregação trinitária da tradição cristã é invalidada. Dada a gravidade destas consequências, compreende-se a urgência com que Santo Atanásio combateu a heresia ariana. Esta polémica, porém, foi conduzida com um tom muito firme, posições teológicas fortes, pouca condescendência pastoral e uma relação com os bispos e governantes nada política. Por isso, foi objeto de denúncias e rejeições, que se concretizaram no Sínodo de Tiro, em 335, onde uma comissão de bispos filo-arianos forçou a deposição de Santo Atanásio e obteve do imperador Constantino o seu desterro para Trier, na longínqua Gália.

Caminhos do desterro

Assim começou a sua longa viagem pelos desertos do exílio, a que a sua firme adesão à ortodoxia nicena e as suas complexas relações com bispos e imperadores o conduziram durante toda a sua vida. Sofreu cinco desterros sob cinco imperadores sucessivos: Constantino (335-337), Constâncio I (339-345), Constâncio II (356-361), Juliano (362-363) e Valens (365-366, poucos anos após a sua morte em 373). Estas experiências, no entanto, deram origem a reflexões lúcidas. Assim, o Carta de Páscoa X (escrito a partir de Trier) e o Discurso contra os arianosescritos ao mesmo tempo, são duas obras fundamentais na longa polémica com o arianismo.

Durante o seu segundo exílio, desta vez em Roma, escreveu o seu importante tratado sobre Os decretos do Concílio de Niceia. O Conselho tinha escolhido a expressão homoousios (da mesma essência ou natureza) para definir como o Pai e o Filho partilham a mesma ousia divino. Santo Atanásio defenderá claramente este termo, que, além disso, identificará a secção minoritária desses bispos, os homoousianosque defendiam a ortodoxia nicena. Entre eles estava também Santo Hilário, bispo de Poitiers, autor de um tratado teológico muito importante Sobre a Trindadeo primeiro do seu género.

Exortação aos fiéis do Egito

O seu próximo exílio foi no deserto, para onde foi enviado por Constâncio II. Mas, mais uma vez nesta situação, Santo Atanásio enriqueceu o seu pensamento e a sua produção literária. A sua estadia no deserto pô-lo em contacto com a grande tradição monástica do deserto egípcio, fundada por Santo António Abade. Santo Atanásio escreveu sobre ele na sua Vida de AntónioOs monges apresentam-se como guardiães da verdadeira tradição doutrinal e espiritual e, por isso, firmes opositores do arianismo e protectores daqueles que, como Santo Atanásio, sofrem por se lhe oporem. Os monges apresentam-se como guardiães da verdadeira tradição doutrinal e espiritual e, portanto, firmes opositores do arianismo e protectores daqueles que, como Santo Atanásio, sofrem por se lhe oporem. Para exortar os fiéis do Egipto a permanecerem fiéis à verdade e a não caírem nas redes do compromisso e da falsa unidade, escreve um vibrante Carta aos Bispos do Egipto e da Líbia. Perante a confusão e a divisão entre os bispos, exortou-os a não aprovarem nas suas dioceses fórmulas de fé contrárias a Niceia ou ambíguas.

A tradição salva

Durante anos, Santo Atanásio continuou a ser envolvido em conflitos, tensões eclesiásticas, ambiguidades episcopais, crises de sucessão de imperadores e banimentos recorrentes. De facto, o terramoto desencadeado por Ário só cessará no Oriente quando o imperador Teodósio decretar a ortodoxia nicena. homoousiana como a única doutrina admissível no Império. Mas, apesar de não ter visto o fim da crise, Santo Atanásio permaneceu fiel à sua missão de explicar, defender e difundir a doutrina recebida da Tradição Apostólica.

Ele continuará a escrever o Cartas a SerapiãoNele temos uma importante reflexão sobre a teologia do Espírito Santo: o facto de a fé nicena declarar que o Pai e o Filho partilham a mesma e única essência divina não significa negar a divindade do Espírito Santo. Embora Santo Atanásio tenha tido tendência para sublinhar a unidade no seio da Trindade (para não diminuir a divindade do Filho), não esqueceu a rica tradição teológica alexandrina, muito interessada na diversidade das três pessoas divinas e na sua relação entre si: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Por fim, podemos destacar a sua Carta de Páscoa XXXIX (já em 367), em que expõe a tradição da diocese de Alexandria sobre os livros aceites no cânone da Sagrada Escritura. Nela temos uma das mais antigas exposições da tradição dos Santos Padres sobre o cânone da Bíblia. 

Defesa de Niceia

A coragem de Santo Atanásio, a sua fortaleza, a sua fidelidade à doutrina recebida da tradição, a sua aceitação da ortodoxia definida em Niceia e a sua brilhante capacidade de escritor e teólogo, fazem dele uma figura excepcional. Graças a ele e aos grandes Padres do século IV, a doutrina católica foi salva de sucumbir ao mundanismo da crise ariana, e a Igreja pôde assim continuar a sustentar a sua missão salvífica no meio do mundo.

O autorAntonio de la Torre

Doutor em Teologia

Cinema

Nefarious: um bom filme sobre o diabo

O filme Nefasto (2023) aborda a luta entre o bem e o mal através da conversa entre um demoníaco condenado à morte e o seu psiquiatra.

José Carlos Martín de la Hoz-2 de maio de 2025-Tempo de leitura: 3 acta

O filme Nefasto (2023), realizado pelos cineastas americanos Chuck Konzelman e Cary Solomon, apresenta com notável realismo uma intensa conversa entre um recluso no corredor da morte, possuído por um demónio cruel e inteligente, e o psiquiatra encarregado de o avaliar na prisão. A tensão narrativa assenta quase exclusivamente no diálogo entre as duas personagens, criando uma atmosfera inquietante e profundamente reflexiva.

O filme é concebido de um ponto de vista ecuménico, ou seja, evita explicitamente qualquer referência particular ao catolicismo, como a intercessão da Virgem Maria, os santos, os sacramentos ou o sacerdócio ministerial. No entanto, o núcleo da mensagem é profundamente espiritual e gira em torno da confiança absoluta em Deus, cuja ação salvadora é central. Isto é indicado pelo próprio ensinamento de Jesus Cristo no Pai Nosso: "Não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal" (Mt 6,13).

A dureza da história, por vezes difícil de suportar, parece também ter como objetivo gerar uma reflexão séria sobre a abolição da pena de morte. Neste sentido, o filme pode ser lido como um apelo a favor da vida, em linha com a modificação do Catecismo da Igreja Católica promovida pelo Papa Francisco.

Um debate moderno sobre o mal

A caraterização das personagens e o ritmo das sequências captam imediatamente a atenção do espetador, que se vê imerso num verdadeiro debate sobre o bem e o mal no mundo contemporâneo. O filme desmascara os argumentos da pós-modernidade e confronta o espetador com uma realidade espiritual que é frequentemente ignorada ou ridicularizada.

Neste quadro, emerge um grande paradoxo: o diabo, Nefasto, trabalha desde a infância do psiquiatra para influenciar a sua alma, semeando o ateísmo e preparando o terreno para que, no momento oportuno, assine uma sentença de morte. A conversa entre os dois mostra como a negação do espiritual (a existência de Deus, do demónio, da alma) pode esconder o verdadeiro drama interior do ser humano.

Konzelman e Solomon conseguem transmitir, com uma perícia notável, a forma como o psiquiatra consegue salvar-se da possessão, recuperando a fé e confiando novamente em Deus. É precisamente esta invocação que impede o demónio de entrar nele. Assim, o caminho do mal aparece como um processo: começa com o orgulho e o egoísmo, passa pela desconfiança em Deus e culmina na sua negação ou na adoração de uma imagem falsa, deformada pelo próprio Satanás.

O filme mostra, de forma clara e profunda, que a rejeição de Deus conduz a uma incapacidade radical de lidar com o problema do mal, tanto no sofrimento próprio como no sofrimento dos outros. E quando Deus é negado, o mal torna-se ainda mais incompreensível e sem esperança. O objetivo aqui não é resolver o problema do mal, mas expô-lo. Para uma reflexão mais alargada sobre esta questão, ver os trabalhos recentes de José Antonio Ibáñez Langlois.

O mistério do sofrimento e a liberdade do homem

É importante distinguir entre dois tipos de mal: o mal físico e o mal moral. Quanto ao primeiro, basta recordar que a criação é um sistema natural em equilíbrio, onde certos processos implicam dor ou destruição, mas não são desprovidos de sentido. Deus não é o autor do mal, nem direta nem indiretamente. Ele criou o mundo com as suas leis naturais e está sempre presente para nos ajudar a dar um sentido transcendente aos nossos males.

No que diz respeito ao mal moral - o pecado - Deus permite-o porque quis acima de tudo que o ser humano fosse livre, capaz de escolher o bem e, portanto, de amar. A liberdade, como recordou São João Paulo II em Esplendor Veritatisestá inseparavelmente ligada à Verdade, que é o próprio Cristo: "Caminho, Verdade e Vida". Daí que São Tomás entenda a liberdade como força, São Josemaria como energia, e Edith Stein como a coragem da alma livre.

Uma resposta cristã ao sofrimento

Por fim, vale a pena sublinhar a lúcida exposição do sofrimento feita por São João Paulo II em Salvifici doloris. Confrontados com a grande questão que se levantou após o horror do Holocausto - "Porque é que Deus permitiu isto? Bento XVI Propôs transformar a reflexão em oração: "Porque é que, Senhor, permitiste isto? E João Paulo II deu uma resposta cristã e esperançosa: o sofrimento pode tornar-se uma vocação, uma participação na cruz redentora de Cristo. Um mistério que não elimina a dor, mas lhe dá um sentido eterno.

O mistério do Papa

Logo após o fim da Semana Santa, a morte do Papa permitiu-nos reviver a Paixão do Senhor. E o facto é que, nessa história e na Igreja de hoje, há dois tipos de pessoas: as que estão abertas ao mistério e as que só compreendem o mundo em termos político-ideológicos.

2 de maio de 2025-Tempo de leitura: 3 acta

Jesus - tal como a Igreja de hoje - procurava anunciar ao mundo uma boa nova acessível e compreensível a todos, como o demonstram as multidões que atrai, mas curiosamente, entre as personagens da Paixão, há muitas que parecem não compreender que Jesus não procurava o poder religioso ou político, que não queria fazer uma revolução ou atrair as massas para se tornar forte, que o seu único interesse era servir e não ser servido.

Dois mil anos depois, pouco mudou. Tal como naquela Jerusalém apinhada de peregrinos para as celebrações pascais, o mediatismo em torno da mudança da sede de Pedro deu voz a uma multiplicidade de personagens e personagens cuja perspetiva da instituição eclesial está completamente fechada à mensagem que ela traz consigo.

Entre as personagens, há quem se limite a olhar para ela com curiosidade, como Herodes fez com Jesus; a criticá-la porque as suas propostas denunciam a mentira em que vivem, como Caifás, ou a desprezá-la para não se envolver porque tem coisas mais importantes em que pensar, como Pilatos consigo próprio.

Entre os pequenos, há os que se aproveitam da comoção para lucrar. Há os que, perante a importância da personagem, entram na onda e, embora no fundo o desprezem, tentam tirar partido, como o "mau" ladrão; os que, com medo de mostrar a cara, se escondem, como os discípulos; ou os que, manipulando a mensagem da Igreja, fazem parecer que ela diz o que não diz, como as falsas testemunhas no julgamento perante o Sinédrio. E, a par destes, a multidão de guardas judeus, soldados romanos e gentalha diversa que aproveita a ocasião para insultar, cuspir, flagelar, escarnecer ou acusar os seguidores do Nazareno.

Aqueles que, tendo comido e bebido com o Senhor, e sendo membros mais ou menos proeminentes da comunidade, interpretam o momento da sucessão apenas em termos de interesse humano e já se colocam na melhor posição para seu próprio benefício, merecem um lugar à parte. Alguns denunciaram mesmo o "infantilismo religioso" daqueles que acreditam na ação do Espírito Santo durante o processo de eleição de um novo papa, dando a entender que o conclave não passa de um jogo de pactos. São como aquele que pensava que, depois do seu beijo, Jesus se ia revelar com um exército de anjos e colocá-lo num lugar privilegiado. Coitado, não tinha percebido nada!

Perante estas personagens e pessoas pequenas, havia outras figuras mais ou menos grandes que compreenderam que o Reino que Jesus tinha vindo instaurar era "outra coisa". A começar por Maria, João e as santas mulheres que o acompanharam ao pé da cruz; passando por José de Arimateia, Nicodemos, as filhas de Jerusalém ou o Cireneu, e chegando ao centurião romano que reconheceu o mistério, vendo aquele trapo aos olhos do mundo e proclamando: "Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus". Eles viram o que os outros não viram.

O mistério da ação do Espírito Santo na eleição do Papa, tal como o mistério da Igreja, é bem definido pelo Concílio Vaticano II, que diz da Igreja que ela é "como um sacramento". Assim como os sacramentos (batismo, eucaristia, confissão...) manifestam visivelmente a ação da graça invisível de Cristo, assim também a Igreja, como sacramento universal da salvação, torna Cristo presente onde quer que vá, apesar da dificuldade de o ver encarnado em seres humanos fracos e pecadores.

Com Francisco já a repousar em Santa Maria Maggiore, começa agora uma nova "Paixão", uma exposição pública da Igreja visível até à eleição do novo Papa. Haverá muitas especulações, julgamentos infundados ou interesseiros... Com que personagem ou personagem nos identificaremos? Seremos capazes de compreender que o Reino não é deste mundo? Seremos capazes de ver a Igreja visível como o sacramento de Cristo, tal como Cristo era o sacramento do Pai e muitos não o souberam ver? Não é assim tão difícil de compreender para aqueles que, ajoelhados diante de um simples pedaço de pão, e ignorando aqueles que os acusam de terem crenças infantis, são capazes de exclamar: "Verdadeiramente este é o Filho de Deus! Feliz Páscoa!

O autorAntonio Moreno

Jornalista. Licenciado em Ciências da Comunicação e Bacharel em Ciências Religiosas. Trabalha na Delegação Diocesana dos Meios de Comunicação Social em Málaga. Os seus numerosos "fios" no Twitter sobre a fé e a vida diária são muito populares.

Vaticano

Tudo situado em Santa Marta

Já foram feitas as devidas adaptações no hotel dos Cardeais, a fim de preservar as comunicações e os contactos com o mundo exterior.

OSV / Omnes-2 de maio de 2025-Tempo de leitura: 4 acta

Por Cindy Wooden, OSV.

São João Paulo II mandou construir a Domus Sanctae Marthae principalmente para alojar os cardeais com um conforto simples durante um conclave.

O Papa Francisco, que ali ficou durante o conclave que o elegeu em 2013, decidiu viver ali permanentemente em vez de se instalar nos apartamentos papais do Palácio Apostólico.

Esta decisão, para além de ultrapassar o limite de 120 cardeais com menos de 80 anos, significa que o Vaticano se vê novamente na situação de ter de encontrar lugares para os cardeais dormirem durante um conclave.

Quando não estão na Capela Sistina, sentados debaixo dos frescos de Miguel Ângelo para votar no próximo Papa, os cardeais eleitores precisam de um sítio para descansar, conversar e comer.

Os cardeais eleitores são aqueles que têm menos de 80 anos de idade, de acordo com as regras estabelecidas por São Paulo VI, que também estabeleceu um limite de 120 cardeais eleitores de cada vez. São João Paulo II ultrapassou regularmente esse número, mas especificou sempre que o fazia a título temporário e não alterou o limite.

Após os consistórios de 2001 e 2003, São João Paulo II tinha temporariamente 135 eleitores no Colégio Cardinalício. No entanto, após a criação dos cardeais em dezembro, o Papa Francisco aumentou o número para 141. Entre aniversários e mortes, o número de eleitores foi reduzido para 135 até 21 de abril, data da morte do Papa Francisco.

A Domus Sanctae Marthae é uma residência de cinco andares que foi concluída em 1996, especificamente para acolher um conclave. Anteriormente, os cardeais dormiam em berços em quartos pequenos e abafados junto à Capela Sistina.

Antes de o Papa Francisco decidir viver no local, este albergava alguns residentes a tempo inteiro, bem como clérigos e leigos que participavam em conferências e eventos do Vaticano.

Tal como no passado, para o conclave, a maior parte das suas 131 salas serão desocupadas e os cardeais instalar-se-ão nelas.

A exceção é o bloco de quartos utilizado pelo Papa Francisco e encerrado após a sua morte. A parte papal do edifício ocupa cerca de metade do que na Europa se chamaria o primeiro andar e nos Estados Unidos o terceiro andar. As salas seladas incluem: duas suites utilizadas pelo Papa Francisco; uma para cada um dos seus dois secretários; uma para o pessoal de segurança; e uma que era utilizada como gabinete dos secretários. Para além disso, existe uma pequena capela ao fundo do corredor.

Isto deixa cerca de 125 quartos para 133 pessoas, uma vez que Matteo Bruni, diretor do gabinete de imprensa do Vaticano, disse que dois dos 135 cardeais elegíveis estão demasiado doentes para participar no conclave.

Um funcionário do Colégio dos Cardeais disse ao Catholic News Service, em janeiro, que os cardeais também usariam apartamentos vazios no edifício ao lado, o "vecchio" ou "velho" Santa Marta.

Mesmo quando há quartos suficientes para todos, as regras muito formais de um conclave ditam que os cardeais devem tirar à sorte os quartos.

Embora o edifício ofereça um relativo conforto, não é um hotel de luxo. Existem 105 suites de dois quartos e 26 quartos individuais. Cada quarto tem uma cama, uma cómoda, uma mesa de cabeceira, um bengaleiro e uma casa de banho privativa com duche. As suites têm também uma área de estar com uma secretária, três cadeiras, um roupeiro e um armário grande.

A Domus, popularmente conhecida como "Santa Marta", está situada dentro das muralhas do Vaticano e os seus andares superiores são visíveis dos edifícios de apartamentos de Roma. Para o conclave de 2005, as persianas das janelas foram fechadas para que ninguém pudesse ver para dentro. Claro que isso também significava que os cardeais não podiam ver para fora.

A maioria dos cardeais faz curtas viagens de autocarro até à Capela Sistina para as suas sessões de votação duas vezes por dia, embora durante os conclaves de 2005 e 2013, alguns cardeais tenham insistido em caminhar, sob o olhar protetor da segurança do Vaticano, por trás da Basílica de São Pedro e até à capela.

O edifício será inacessível a pessoas não autorizadas durante o conclave, mas será necessário pessoal para cozinhar e limpar. O Cardeal norte-americano Kevin J. Farrell, o atual camarlengo, e três cardeais assistentes devem verificar a idoneidade do pessoal.

Os que passaram na verificação - sacristãos, sacerdotes que estarão disponíveis para ouvir as confissões dos cardeais, médicos, enfermeiros, operadores de elevadores, pessoal dos serviços técnicos, o coronel e o major da Guarda Suíça Pontifícia, bem como o diretor dos serviços de segurança do Estado da Cidade do Vaticano e alguns dos seus assistentes - farão um juramento formal de sigilo no dia 5 de maio. A pena para a divulgação de qualquer informação sobre as eleições é a excomunhão.

Devem também "prometer e jurar abster-se de utilizar qualquer equipamento áudio ou vídeo capaz de gravar tudo o que ocorra durante o período eleitoral na Cidade do Vaticano".

Todos os quartos de Santa Marta têm telefone, mas os cardeais estão proibidos de o utilizar para telefonar a pessoas estranhas ao conclave. As ligações à Internet e o sistema internacional de televisão por satélite serão desligados durante o conclave.

O edifício dispõe ainda de uma grande sala de reuniões, de vários salões e de uma sala de jantar. No rés do chão encontra-se a capela-mor, a Capela do Espírito Santo, de forma triangular, e existem ainda quatro capelas privadas, situadas no final dos corredores do terceiro e quinto andares de cada uma das duas alas do edifício.

O autorOSV / Omnes

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O nome do futuro da Igreja

A morte do Papa Francisco fecha um ciclo e abre outro na Igreja, que continua a viver da ação de Deus e do empenho dos seus fiéis.

2 de maio de 2025-Tempo de leitura: 2 acta

Muitos relógios pararam no dia 21 de abril. O morte de FranciscoO 266º Papa da Igreja Católica encerrou o pontificado de 12 anos de Jorge Mario Bergoglio e abriu uma nova era na história da Igreja.

Desde que o então cardeal de Buenos Aires assumiu a cátedra de Pedro, em março de 2013, até à sua morte, na segunda-feira de Páscoa de 2025, o mundo sofreu mudanças significativas que moldaram um panorama do futuro muito diferente daquele que parecia estar a emergir em 2013. A Igreja também viveu, nestes anos, situações diversas que deixaram questões em aberto para o próximo papado. 

Muito se especula sobre os desafios a enfrentar pelo Papa que sucederá a Francisco à frente da barca de Pedro (nome que, porventura, quando estiver a ler estas linhas, já conheceremos). Nos dias que antecedem a eleição do Romano Pontífice, fica-me a ideia sublinhada por muitos cardeais: a história da Igreja deve ser lida como uma sucessão, uma progressão que não faz sentido se cada pontificado for tratado de forma atomizada. 

Quando se fala de Igreja - e nas últimas semanas tem-se falado até à saturação, sobretudo por parte de organismos que pouco ou nada conhecem da família dos fiéis católicos - é quase impossível traçar um retrato que faça justiça à diversidade de espaços e ambientes em que se encarna o Corpo místico de Cristo. Temos tendência para analisar a Igreja numa perspetiva pessoal, muitas vezes demasiado humana e certamente redutora. 

Considerar a Igreja como um conjunto de dinâmicas de poder é talvez um dos grandes perigos da sociedade atual, dentro e fora da Igreja. É verdade que não podemos cair na infantilidade absurda de não querer reconhecer que, enquanto instituição constituída por homens, eles não têm mais pecados do que nós gostaríamos. Mas se há uma coisa que fica clara em momentos como o da abertura de um novo pontificado, é que a Igreja "Não se trata de uma associação humana, nascida de ideias ou interesses comuns, mas de uma convocação de Deus, que a convocou e, por isso, ela é una em todas as suas realizações". (Bento XVI, Audiência geral de 15-10-2008).

É bem conhecida a anedota do Cardeal Consalvi quando Napoleão ameaçou a destruição da Igreja: "Destruirei a vossa Igreja, Ao que Consalvi sabiamente respondeu "Durante dezanove séculos, nós próprios (católicos) fizemos o nosso melhor para a destruir e não o conseguimos. Napoleão, como ainda o fazem dois séculos mais tarde, não tinha provavelmente integrado esta ação do Espírito Santo na Igreja. 

O que é que a Igreja de amanhã precisa? Da mesma coisa que a de hoje: o empenho de cada um dos seus membros, desde o Papa até ao último batizado, em pôr em prática a chamada à santidade, à missão e ao testemunho através dos quais Deus age em todas as partes da terra.

Ecologia integral

Mónica Santamarina: "Francisco estava convencido de que as mulheres podem e devem contribuir para a Igreja".

Mónica Santamarina, presidente geral da União Mundial das Organizações Femininas Católicas e do seu Observatório Mundial das Mulheres, faz o balanço dos progressos realizados na inclusão das mulheres na Igreja durante o pontificado do Papa Francisco.

Paloma López Campos-2 de maio de 2025-Tempo de leitura: 6 acta

Mónica Santamarina é a presidente geral do União Mundial das Organizações Católicas de Mulheres e o seu Observatório Global para as Mulheres. A sua experiência profissional permite-lhe ver de perto a realidade de muitas mulheres no mundo, incluindo no seio da Igreja. Por isso, nesta entrevista, analisa os progressos efectuados durante o Pontificado de Francisco no sentido de uma maior inclusão das mulheres. Ao mesmo tempo, propõe medidas que ajudarão a continuar a melhorar neste domínio.

Na sua opinião, como é que o Papa Francisco abordou o papel das mulheres na Igreja em comparação com os seus antecessores? Quais foram os avanços mais significativos durante o seu pontificado?

– Tanto São João Paulo IIcomo Bento XVIO Papa, sobretudo o primeiro, falou e promoveu através do seu magistério o papel relevante da mulher na Igreja e a importância de o assumir plenamente. Mas foi sem dúvida o Papa Francisco que abordou o tema com muito mais força, clareza e abertura, dando maior relevância à questão.

A primeira coisa a salientar é a importância da constituição apostólica ".Praedicar Evangelium"(2022), onde se especifica que todos podem dirigir um Dicastério, o que inclui leigos, homens e mulheres, que podem ser nomeados para exercer funções de governo e responsabilidade na Cúria Romana. É a partir daqui que começamos realmente a ver uma maior presença de leigos e mulheres em cargos de responsabilidade na Igreja.

Para além do que foi dito, o que tornou o discurso do Santo Padre ainda mais poderoso foi o seguinte 

  • A sua plena e evidente convicção de tudo o que as mulheres podem e devem contribuir para a Igreja, incluindo a sua liderança e participação na tomada de decisões, de acordo com a sua própria vocação, carismas e ministérios e com os limites claros do que corresponde exclusivamente ao sacerdócio.
  • O testemunho que deu ao colocar mulheres em posições-chave nos Dicastérios e noutros organismos da Cúria Romana.
  • A inclusão de mulheres na última Assembleia Sinodal, muitas delas com voz e voto. 

O Papa Francisco falou da importância de uma maior participação das mulheres na tomada de decisões no seio da Igreja. Como avalia os progressos concretos neste domínio, especialmente no que diz respeito a posições de liderança e responsabilidade?

- Fiel ao seu discurso e à sua convicção da capacidade e corresponsabilidade das mulheres numa Igreja sinodal missionária, o Papa Francisco começou por colocar as mulheres em alguns dos lugares mais importantes de vários dicastérios e outros organismos da Igreja historicamente confiados aos homens.

Assim, hoje temos 3 mulheres como membros do Dicastério dos Bispos, entre elas a antiga Presidente Geral da nossa organização, a Dra. Maria Lia Zervino. Temos Nathalie Becquart, subsecretária da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, cujo trabalho foi e é indispensável para a reforma sinodal da Igreja.

Alessandra Smerilli, Secretária do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral e a Dra. Linda Ghisoni e a Prof. Gabriella Gambino, Subsecretárias do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida. Todas elas e muitas outras realizaram, sem dúvida, um grande trabalho e demonstraram a grande capacidade das mulheres.

Finalmente, depois de um longo caminho, o Papa anunciou, em janeiro, a nomeação da primeira mulher para o cargo de Prefeito do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica: a Ir. Simona Brambilla. Tudo isto era impensável há pouco tempo.

Que medidas considera que ainda devem ser tomadas para garantir uma maior inclusão das mulheres nestes espaços?

- O problema é que esta convicção do Papa Francisco, já elevada a Magistério da Igreja após a Assembleia Sinodal, não é partilhada por todos os bispos, padres, religiosos, nem pelos próprios leigos, homens e mulheres.

Precisamos de superar o clericalismo ainda presente em todo o mundo e substituí-lo por uma cultura de diálogo e de confiança em que todos os membros do Povo de Deus possam reconhecer as virtudes, os carismas, a vocação, os ministérios e as potencialidades uns dos outros. Uma cultura em que todos estejamos convencidos de que, a partir dos nossos respectivos papéis, somos todos co-responsáveis pelo presente e pelo futuro da Igreja e que só caminhando de mãos dadas e contribuindo cada um com os carismas que o Espírito Santo nos deu, poderemos construir uma Igreja mais fiel à sua missão, mais credível e mais próxima de todos, sobretudo dos mais vulneráveis.

Para o efeito, há algumas medidas que nos vêm à cabeça:

  • Retomar o estudo de alguns pontos fundamentais do "Preadicate Evangelium" e tornar mais acessíveis e conhecidos por todos, através das paróquias, associações, grupos, universidades, etc., os resultados do Documento Final do Sínodo sobre a Sinodalidade, Magistério da Igreja, que trata destes temas. Este documento contém já indicações muito concretas que são um guia para a missão das Igrejas nos diversos continentes e nos diversos contextos. 
  • Partilhar boas práticas e histórias de sucesso de mulheres em diferentes níveis em posições de liderança na Igreja, onde, trabalhando lado a lado com o Bispo, sacerdotes e outros fiéis, conseguiram grandes feitos para o bem da Igreja.
  • Trabalhar muito nos seminários e com os jovens e as crianças, os rapazes e as raparigas, nas escolas e nas famílias, para continuar a mudar pouco a pouco esta cultura clericalista com alguns laivos de machismo....
  • Promover a educação para o diálogo, a escuta e o discernimento orante (ao estilo sinodal) em todas as oportunidades e evitar, tanto quanto possível, confrontos violentos estéreis, verbais, escritos ou de qualquer outra natureza, que só servem para afastar ainda mais as posições.
  • A Igreja terá de definir rapidamente e com clareza pontos de debate como o diaconato das mulheres, a possível escuta de todo o povo de Deus na nomeação dos bispos e outras questões que estão a ser estudadas nos 10 grupos de estudo criados pelo Papa Francisco. 
  • Precisamos de trabalhar arduamente na formação teológica e pastoral das mulheres, especialmente das mulheres leigas, para que possamos assumir, sem medo, as responsabilidades que nos cabem.

Em termos de formação teológica e pastoral, como avalia a situação atual das mulheres na academia eclesial? Que desafios enfrentam para aceder a posições de maior influência neste domínio?

- Há ainda muito trabalho a fazer na formação teológica e pastoral das mulheres, especialmente das mulheres leigas. Tradicionalmente, as melhores bolsas de estudo e oportunidades de estudo têm sido dadas a padres e religiosos do sexo masculino.

Penso que os desafios mais importantes são:

  • Que as bolsas de estudo e as vagas nas universidades e nas escolas teológicas e pastorais sejam concedidas igualmente a homens e mulheres, tendo em conta, sobretudo, as suas capacidades.
  • Os bispos, superiores e responsáveis das dioceses, paróquias, organismos e organizações católicas a diferentes níveis devem ser sensibilizados para o facto de que investir tempo e recursos financeiros nas mulheres, religiosas e leigas, é um excelente investimento, tendo em conta "o grande retorno que tais investimentos podem ter".
  • Abrir às mulheres domínios que lhes têm sido vedados e para os quais têm grande experiência e dons, como a presidência dos Tribunais Eclesiásticos onde são apreciados os assuntos da família. 
  • Que os homens e as mulheres, leigos e religiosos, sejam formados em conjunto para que possam partilhar entre si as suas experiências e necessidades particulares e estar melhor preparados para servir todo o povo de Deus.

O Papa Francisco tem promovido a sinodalidade, que promove a participação ativa de todos os membros da Igreja. Como pensa que esta cultura poderia transformar o papel das mulheres na Igreja a nível global e local?

- O documento já contém indicações muito concretas que são um guia para a missão das Igrejas, nos vários continentes e nos diferentes contextos. Agora cabe-nos a todos nós: bispos, sacerdotes, religiosos, consagrados e leigos, unidos na diversidade, trabalhar para dar vida ao Sínodo; para tornar acessível a todos o conteúdo do documento final e para mudar a cultura e a vida do Povo de Deus nas nossas respectivas realidades. E em tudo isto nós, mulheres, temos um papel muito importante a desempenhar, tanto nas nossas próprias organizações, paróquias e comunidades, como a nível diocesano, nacional e internacional.

O objetivo é claro: caminhar para uma renovação espiritual e uma reforma estrutural para tornar a Igreja mais participativa e missionária; uma Igreja onde todos, incluindo naturalmente as mulheres, a partir da própria vocação, carisma e ministério, se escutem uns aos outros e aprendam a discernir juntos, guiados pela luz do Espírito Santo, as melhores formas de levar o amor de Deus aos outros; uma Igreja missionária que saiba ir ao encontro dos homens e mulheres do nosso tempo, especialmente dos mais necessitados, tendo em conta as circunstâncias de cada lugar; uma Igreja em que as mulheres e os leigos, devidamente formados, possam participar na tomada de decisões e assumir a liderança e a corresponsabilidade que nos corresponde a diferentes níveis.

Concluo dizendo que na WUCWO somos grandes promotores da sinodalidade; de facto, abrimos há mais de um ano uma Escola de Sinodalidade através da qual já formámos mais de 250 facilitadores, na sua maioria mulheres, provenientes de 49 países, e tivemos conversas no espírito a nível global em que participaram quase 700 mulheres de 78 países.

Neste ano jubilar, estamos decididos a prosseguir o caminho sinodal com esperança e a continuar a formar missionários da sinodalidade, para que nas nossas famílias, organizações, comunidades, paróquias e dioceses, a Igreja seja transformada.

Evangelização

São José Operário, o valor e a dignidade do trabalho

A Igreja celebra S. José Operário no dia 1 de maio. Esta festa do santo padroeiro e protetor da Igreja foi instituída por Pio XII em 1955 e convida à reflexão sobre o valor divino e a dignidade do trabalho.  

Francisco Otamendi-1 de maio de 2025-Tempo de leitura: 2 acta

A liturgia de hoje celebra São José Operário, uma festa instituída por Pio XII em 1955, na qual a Igreja recorda o santo padroeiro dos trabalhadores e o valor divino e a dignidade do trabalho. 

Os últimos Papas têm dado especial relevo à figura de São José. Faz hoje um ano que o Papa Francisco publicou um tweet na conta @Pontifex da rede X, na qual dizia: "Hoje celebramos a memória de #StJosephWorker. Peçamos ao Senhor que renove e aumente a nossa fé, para que o nosso trabalho tenha nele o nosso início e a nossa realização". Ao mesmo tempo, propôs novamente "a Sagrada Família de Nazaré como modelo de comunidade doméstica: uma comunidade de vida, de trabalho e de amor".

San José, papel central

Francisco tinha publicado a carta apostólica 'Patris cordeA 8 de dezembro de 2020, em plena pandemia, que começa: "Com coração de pai, assim José amou Jesus...". "Depois de Maria, Mãe de Deus, nenhum santo ocupa tanto espaço no Magistério papal como José, seu esposo", escreveu o Papa. "A grandeza de São José consiste no facto de ter sido o esposo de Maria e o pai de Jesus". 

"Os meus predecessores - acrescentou - aprofundaram a mensagem contida nos pequenos dados transmitidos pelos Evangelhos, para pôr em evidência o seu papel central na história da salvação: a bem-aventurada Pio IX declarado "Patrono da Igreja Católica", o venerável Pio XII apresentou-o como o "Santo Padroeiro dos Trabalhadores", e santo João Paulo II comoGuardião do Redentor'".

Uma das designações que o Papa Francisco utilizou foi, no ponto 6, "Pai trabalhador".. E salientou: "Um aspeto que caracteriza São José e que tem sido sublinhado desde a época da primeira encíclica social, a "Rerum novarum" de Leão XIII, é a sua relação com o trabalho. São José era um carpinteiro que trabalhava honestamente para garantir o sustento da sua família. Com ele, Jesus aprendeu o valor, a dignidade e a alegria do que significa comer o pão que é fruto do seu próprio trabalho".

Importância do trabalho

Em 1 de maio de 2005, no "Regina caeli" da festa de hoje, o recém-eleito Bento XVIDisse na Praça de São Pedro: "Hoje iniciamos o mês de maio com uma memória litúrgica profundamente enraizada no povo cristão, a de São José Operário. E, como sabeis, o meu nome é José. Foi instituída pelo Papa Pio XII, de venerável memória, há precisamente cinquenta anos, para sublinhar a importância do trabalho e da presença de Cristo e da Igreja no mundo do trabalho".

"É também necessário testemunhar na sociedade atual o "evangelho da trabalho"João Paulo II falou na sua encíclica 'Laborem exercens'. Gostava de nunca falhar o trabalhoPor fim, dirijo o meu pensamento a Maria: o mês de maio é-lhe dedicado em particular".

O autorFrancisco Otamendi

Recursos

O modelo de santidade da Virgem Maria

maio é o mês dedicado à Virgem Maria, altura em que os fiéis intensificam a oração do terço e as manifestações de amor mariano. É um período de especial devoção, marcado por flores, cânticos e actos de piedade popular.

Ángel Castaño Félix-1 de maio de 2025-Tempo de leitura: 4 acta

A Igreja celebra os santos porque neles descobre a força da graça de Deus e a cooperação da criatura. Isto é particularmente verdadeiro no caso da Virgem Maria, chamada a ser a Mãe de Deus. Ser mãe não é apenas gerar, mas criar, nutrir corporal e espiritualmente, educar, corrigir, exortar, ser modelo e exemplo para o filho. A santidade que Deus quis para Maria explica-se assim pela sua maternidade. Isto estende-se a nós, porque ela foi encontrada fiel. Aos pés da cruz, ela é declarada também nossa mãe. E exerce o seu "ofício", de modo que, sendo nossa mãe, torna-se também, depois do Senhor, modelo de santidade. Proponho este tema com base na Exortação Gaudete et Exsultate do Papa Francisco, glorificado seja, que nos foi dado em 2018.

O Papa começou por nos recordar o hino de Efésios 1,3-4: "Deus escolheu-nos em Cristo antes da fundação do mundo para sermos santos e irrepreensíveis na sua presença pelo amor". Este versículo é a base do chamamento universal à santidade, mas sobretudo afirma que existimos para sermos santos, por isso fomos eternamente escolhidos.

A santidade não é uma tarefa entre outras, mas a missão fundamental, aquela que define o nosso ser e o sucesso ou fracasso absoluto da nossa existência. A vida boa, a vida santa, não é estar bem, estar à vontade, ser feliz, estar consolado, ser bem sucedido. A vida boa é a vida virtuosoa vida de santidade.

Gaudete et Exsultate afirma que a santidade é uma graça já dada, porque é o fruto do Batismo que recebemos. A santidade não é o resultado de todas as nossas obras, é o fruto de uma primeira graça que nos torna templos de Deus. Isso aconteceu no dia do nosso batismo. A santidade vivida é o fruto e o desenvolvimento desta primeira santidade, consiste no seu crescimento, em abrirmo-nos, no bom uso da nossa liberdade, cada vez mais ao poder da graça e à força do amor que transforma o coração e muda a vida.

"A santidade mede-se pela estatura que Cristo alcança em nós", continua o Papa. São Paulo exortava os seus fiéis a viver de tal modo que Cristo crescesse neles até à medida da plenitude. A santidade está sempre em relação com o Senhor: não se trata de nos medirmos com Ele como se estivéssemos do lado de fora, mas de entrar em comunhão com Ele de tal modo que Ele viva em nós.

É aqui que encontramos a Virgem Maria como modelo de santidade. Ela acreditou e obedeceu à palavra do anjo Gabriel. Em resposta, Deus Pai enviou-lhe o Espírito Santo, e ela ficou cheia de Deus, concebendo o Filho de Deus.

Santa Isabel da Trindade pede, na sua Elevação à Santíssima Trindade, que o Espírito Santo opere nela uma "encarnação diminuta": pela fé, Cristo foi gerado nos vossos corações. Aqui o pedido de Santa Isabel é expresso de outra forma: Cristo gerado no coração, intimamente presente em nós, real e pessoalmente presente, vivendo em nós o seu próprio mistério.

Este foi, sem dúvida, o centro da vida interior da Virgem Maria, tanto durante a sua gravidez como depois do Pentecostes... Esta atenção amorosa que torna extraordinários os actos ordinários, porque são os de Jesus em nós e connosco, ou os nossos nele. A vida que temos é e deve ser, antes de mais, a vida de Cristo em nós, a continuação da vida de Jesus.

Isso se realizou na vida da Virgem Maria. Fruto da graça que ela recebeu com perfeição desde o primeiro momento de sua existência e que renovou com fidelidade em cada momento sucessivo. O que fazer quando a atividade é demais, ou quando as forças são poucas? Desejar esses momentos de silêncio para encontrar o Senhor não só na comunidade e nas irmãs, mas no silêncio do nosso coração, tão verdadeiramente presente como no Tabernáculo... E se já não temos a força, a memória... para procurar o Senhor em nós mesmos, devemos despertar a nossa fé, acreditar que é realmente assim, mesmo que não o sintamos, e amar e rezar... amar o Pai e rezar por todos os homens e pelas suas necessidades.

E esta é a essência da devoção à Virgem Maria. Tratar com Nossa Senhora sobre isto, colocarmo-nos verdadeiramente nas suas mãos e aprender com Ela a "guardar e conservar" as coisas no nosso coração, descobrindo nelas a própria presença de Deus. É assim que o Senhor crescerá em nós e, para isso, nunca é tarde: dispor o nosso coração, arrancando as ervas daninhas, abandonando-nos às preocupações, esvaziando-nos da nossa própria vontade, da nossa honra e da nossa fama... só no silêncio, quando, pela graça de Deus, silenciamos o desejo de tudo o que não é o Senhor, é que o nosso coração pode repousar n'Ele e procurar uma oração de presença ao Senhor.

Isto é, como ela e com ela: "entregarmo-nos a Jesus Cristo com uma entrega total, sermos o seu instrumento fiel, dar-lhe lugar livre em nós... viver apenas para Cristo e em seu nome": não para que Cristo viva a nossa vida, mas para que ele viva a sua vida em nós. Como em Maria. Quando nos aproximamos dela, ela transmite-nos a sua fé, a sua esperança e a sua caridade.

O autorÁngel Castaño Félix

Professor da Universidade Eclesiástica de San Dámaso.

Luzes que não se apagam

Uma de tantas histórias quotidianas, mas que na passada segunda-feira, 29 de abril, em Espanha, se tornou quase uma aventura com o "apagão" de eletricidade e comunicações sofrido durante mais de 14 horas.

1 de maio de 2025-Tempo de leitura: 2 acta

Na segunda-feira, 28 de abril, sofremos o "apagão do século" em toda a Península Ibérica. Todos ficaram sem comunicações, as baterias dos telefones esgotaram-se de tanto os desbloquear para ver se tinham ligação, as televisões foram desligadas... O que vos posso dizer se muitos de vós, leitores, passaram por isso!

Posso dizer que passei um dia de blackout "fora da minha zona de conforto", (um dia, se quiser, comentaremos que, na verdade, acho que não tenho zona de conforto...) mas onde era necessário.

Sou mãe de uma família numerosa e trabalho em Madrid. Trabalho muito perto dos meus filhos. Quando há alguma circunstância extraordinária, posso tomar conta deles e fazer teletrabalho, compensar as horas..., não posso ter mais flexibilidade e facilidades. Considero-me muito afortunada por isso.

Mas o apagão apanhou-me a 400 quilómetros de distância de todas estas facilidades, do meu marido, dos meus filhos e dos meus amigos. O apagão apanhou-me em Córdoba, a cuidar da minha mãe que tinha sido operada recentemente. Tinha a viagem de regresso marcada para terça-feira, dia 29, e consegui fazê-la porque na estação nos colocavam no comboio por destino, sem olharem para as horas nem para as datas dos bilhetes.

O estado de saúde da minha mãe não era nada de grave, mas eu tinha de estar com ela, a dar-lhe tratamento e a fazer-lhe companhia. Quando se tem 83 anos e se vive sozinho, qualquer mudança de rotina ou novo desconforto pode ser um verdadeiro incómodo. Deus sabe que se ela tivesse ficado sozinha no apagão, teria sido um dia angustiante para ela. Com aquele "abandono físico" que só os mais velhos, sobreviventes solitários de uma pandemia, conhecem. Involuntário, mas fruto da complicação da vida dos seus filhos.

Sofri por não saber nada sobre os meus filhos e o meu marido, mas sabia que Deus queria que eu fizesse companhia à minha mãe naquele dia tão diferente.

Lemos (ele não pode ler durante alguns dias, e eu li-lhe um pouco do livro que ele está a ler, "Trust in God" de Jacques PhilippeRezávamos terços, ouvíamos rádio e falávamos de muitas coisas.

Rezámos várias cartas de oração ao servo de Deus Isidoro Zorzano, porque "ele trabalhava nos comboios", dizia-me a minha mãe. A cada fotografia seguiam-se boas notícias: um SMS do meu marido a dizer-me que estavam óptimos, num parque perto de minha casa; outras mensagens dos meus irmãos e, a pouco e pouco, a eletricidade voltou a todos os lugares.

O dia seguinte começou com alguma incerteza e com a dor de a deixar e de voltar aos meus afazeres..., mas com a certeza de que há luzes que não se apagam: o amor de mãe, o sacrifício pelos filhos, a fé de que Deus cuida de nós e nunca nos deixa sozinhos, a generosidade da diretora da escola (que sabe que estamos longe e nos escreve: os nossos filhos chegaram à escola).

Perante estas luzes, não há apagões.

Livros

O êxito do programa "Grandes Livros

Ler, debater e escrever sobre os Grandes Livros tem um objetivo formativo, procurando ter um impacto profundo no aluno através de uma experiência transformadora com os seus pares.

Álvaro Gil Ruiz-1 de maio de 2025-Tempo de leitura: 5 acta

Há mais de cem anos que se desenvolvem cursos em que a educação liberal e as humanidades estão presentes nos currículos de base de algumas universidades dos EUA, como Chicago ou Columbia.

Sob a designação de Core Curriculum, foi desenvolvido um programa de disciplinas baseado na ideia de que é necessária uma educação humana numa sociedade livre. Isto implica, entre outras coisas, a leitura dos clássicos da literatura para os estudar em profundidade, discuti-los e escrever sobre eles em pequenos grupos. E assim, uma vez impregnados do aroma das grandes ideias da humanidade, podem participar de forma livre no grande diálogo dos autores que melhor captaram a essência da humanidade.

Esta metodologia destas universidades americanas foi aprendida e aplicada na Universidade de Navarra ao longo dos últimos anos, tendo como ponto forte a leitura, o debate e a escrita dos Clássicos, não por pura erudição, mas como forma de formação em humanidades.

Um artigo científico publicado na Taylor & Francis em novembro de 2024, da autoria de Álvaro Sánchez-Ostiz e José M. Torralba, descreve a implementação do Programa Grandes Livros na Universidade de Navarra durante o período de 2014 a 2023.

De seguida, desenvolveremos as linhas gerais destes programas da Universidade de Columbia e da Universidade de Chicago e a sua influência na história de sucesso da Universidade de Navarra, argumentando a metodologia e fornecendo dados sobre o processo de mudança dos participantes neste programa a partir deste estudo.

Currículo básico no Columbia College

O currículo de base é o programa básico para todos os estudantes de Colégio ColumbiaO curso de estudo é concluído durante os quatro anos de qualquer curso universitário. Em 2019, completou cem anos e é o mais antigo curso autónomo do seu género nos EUA.

Há quatro caraterísticas distintivas deste programa. Em primeiro lugar, a utilização de fontes primárias para o estudo, os estudantes tiram as suas próprias conclusões e desenvolvem a sua própria avaliação a partir deste material original.

Uma segunda caraterística são os debates entre os companheiros como resultado das conclusões obtidas anteriormente, após a leitura dessas obras. São conversas em que se trocam opiniões, interpretações e visões próprias, retrabalhando ou modificando as ideias originais.

Outra marca distintiva deste programa é o aprofundamento da condição humana através da leitura dos clássicos da literatura ou dos Grandes Livros ou através do trabalho multidisciplinar de estudantes de vários graus com diferentes perspectivas da realidade.

Uma última manifestação particular destes estudos é a aprendizagem em grupo que gera comunidade entre os estudantes e os antigos alunos desta universidade.

Os professores têm um papel moderador ou orientador, mas não fornecem um valor definitivo quando se trata de tirar conclusões. Todas as opiniões dadas pelos alunos são ouvidas e avaliadas pelos seus pares, após a leitura, o estudo aprofundado, o debate e a redação dos trabalhos propostos.

Os cursos principais do programa são Humanidades Artísticas, Civilização Contemporânea, Fronteiras da Ciência, Humanidades Literatura, Humanidades da Música e Escrita Universitária. Neste último curso, o estudante aprende a escrever argumentos convincentes e bem elaborados.

Currículo básico da Universidade de Chicago

A primeira versão destes estudos começou no outono de 1931. O "Novo Plano" envolveu três anos de discussão e estudo pelo Reitor Chauncey Boucher e um comité de professores universitários.

Em janeiro de 1942, Robert Maynard Hutchins, Presidente desta instituição, considerou que estava a ser dada demasiada ênfase à memorização e muito pouca ao impacto das ideias, pelo que decidiu reformar o programa.

Na década de 1950, o Reitor Lawrence Kimpton efectuou alterações pedagógicas para regressar em grande parte aos primórdios do "Novo Plano". Além disso, foi introduzido um "ano comum" de quatro disciplinas de um ano: Humanidades, Ciências Físicas, Ciências Biológicas e Ciências Sociais.

Em 1985, o Reitor Donald reorganizou o Núcleo Comum em sete trimestres no total de Humanidades e Estudos de Civilização, seis trimestres de Ciências Naturais, três trimestres de Ciências Sociais e três trimestres de Língua Estrangeira, e dois trimestres de Matemática.

Atualmente, o "núcleo" é constituído por Artes, Humanidades, Estudos de Civilização, Ciências Sociais, Ciências Biológicas, Ciências Físicas e Ciências Matemáticas.

Programa Grandes Livros da Universidade de Navarra

Num artigo científico intitulado: "The intellectual and ethical training of university students through seminars of core texts: the case of the Great Books Programme of the University of Navarra", publicado na Taylor & Francis online em novembro de 2024, por Álvaro Sánchez-Ostiz e José M. Torralba, é descrita a implementação do programa. Programa Grandes Livros na Universidade de Navarra para o período de 2014 a 2023.

Os objectivos do programa, baseados no que aprenderam estes professores espanhóis de universidades americanas, são quatro: "desenvolver a compreensão da leitura, o diálogo informado e a capacidade de argumentação escrita; desenvolver um quadro interdisciplinar de compreensão da realidade no qual os estudantes possam situar o que aprendem no seu programa de estudos; desenvolver o pensamento crítico e cultivar o interesse pela verdade; promover o pensamento ético e a ligação entre o pensamento e a vida".

As conclusões após a implementação deste programa, como mostra o estudo, são que podem ser introduzidos cursos transversais que permitem a qualificação profissional. De tal forma que demonstrem interesse, desenvolvam qualidades intelectuais e éticas de uma forma eficaz.

Desenvolvimento das virtudes 

De acordo com um dos inquéritos a 2024 alunos desse estudo, "a esmagadora maioria considerou que os cursos os ajudaram a desenvolver as seguintes virtudes intelectuais: curiosidade, autonomia, humildade, atenção, cuidado, rigor, abertura de espírito, coragem e tenacidade".

Um aluno escreveu: "Acho que ver o quanto os teus colegas pensam sobre os livros (...) e quão profundamente eles podem ir, faz-te sentir humilde em relação ao teu próprio conhecimento e também desperta em ti o desejo de aprender mais sobre novos tópicos".

Reforçar o espírito crítico e o interesse pela verdade

Num outro inquérito realizado em 2023, no âmbito do mesmo estudo, mais de 90 alunos do % consideraram que as aulas ajudaram a despertar o seu interesse pelo conhecimento da verdade. Por exemplo, um aluno comentou: "Um dos aspectos mais positivos das aulas - e, necessariamente, dos professores - é o seu trabalho para incutir nos alunos a alegria de conhecer a verdade".

O interesse pela verdade também se cultiva, como comenta um outro aluno, "não falando constantemente da verdade e insistindo nela explicitamente, mas descobrindo a verdade no seu aspeto mais humano e dinâmico e reconhecendo nos grandes livros as grandes verdades que as suas personagens transportam".

Pensamento ético

O artigo refere, sobre a moralidade e a responsabilidade cívica que a leitura dos clássicos suscita, que "a empatia que se desenvolve no processo de leitura entre o leitor e a personagem permite uma compreensão na primeira pessoa das experiências morais. Este processo influencia subsequentemente de forma positiva a forma como os alunos abordam e tomam decisões importantes nas suas vidas, como indicado por 66 % dos inquiridos no inquérito de 2023. Além disso, mais de 60% consideram que o Programa promoveu o seu sentido de responsabilidade para com a sociedade e o seu empenhamento em contribuir para o bem comum".

O poder transformador dos Grandes Livros

Em última análise, ler, debater e escrever sobre os Grandes Livros tem um objetivo formativo, procurando ter um impacto profundo no aluno através de uma experiência transformadora com os seus pares.

Algo que lhe faz lembrar o que Enrique García-Máiquez captou em "Ejecutoria". Una hidalguía de espíritu" Enrique García-Máiquez. Essa nobreza de espírito não se consegue apenas através do intelecto, mas também através do diálogo, do debate ou da convivência com os outros. Porque a experiência da partilha humaniza-nos e torna-nos livres.

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Evangelho

A barca de Pedro. Terceiro Domingo de Páscoa (C)

Joseph Evans comenta as leituras do terceiro domingo de Páscoa (C) para o dia 4 de maio de 2025.

Joseph Evans-1 de maio de 2025-Tempo de leitura: 2 acta

Jesus está na praia (Jo 21,4). É a margem da eternidade: depois da sua ressurreição, vive numa nova dimensão. Mas apenas na margem, porque ainda não regressou totalmente ao Pai (cf. Jo 20,17). É esse tempo intermédio de que nos falam os Actos dos Apóstolos: "Ele próprio lhes apareceu depois da sua paixão, dando-lhes numerosas provas de que estava vivo, aparecendo-lhes durante quarenta dias e falando-lhes do reino de Deus." (Actos 1:3). Ele pode revelar e ocultar a sua glória à vontade - "os discípulos não sabiam que era Jesus".-Como fez com Maria Madalena junto ao túmulo e com os discípulos de Emaús.

Esta é a segunda pesca milagrosa de Cristo. O primeiro (Lc 5,1-11) levou ao chamamento dos apóstolos e, em particular, de Pedro, enquanto este episódio conduz à consagração de Pedro como pastor universal (Jo 21,15-18). É um chamamento novo, também à abnegação total de si mesmo (vv. 18-19).

Jesus dirige-se aos discípulos como "crianças". Uno com o Pai (Jo 10,30) e com o Espírito que nos conduz à filiação divina (Rm 8,14-17), está a jogar com eles um jogo divino, como um pai amoroso joga com os seus filhos. Ele sabe muito bem que eles não têm peixe e que, dentro de alguns segundos, lhes concederá milagrosamente 153 mil! Cristo ressuscitou para fazer de nós filhos de Deus nele, verdadeiros filhos de Deus agora (1 Jo 3,2), mas só sentiremos plenamente esta realidade, só a viveremos, quando pudermos finalmente atravessar o "mar" perigoso desta vida e chegar à terra firme da vida eterna no céu (ver Ap 4,6; 15,2).

Mas, para atravessar este mar e sobreviver nas suas águas tempestuosas, temos de estar na barca de Pedro, a nova arca da salvação, como foi a de Noé no seu tempo. Temos de ir à pesca com Pedro (Jo 21,3) - isto é, com o Papa - partilhando os seus êxitos e os seus fracassos. Só na barca de Pedro podemos estar seguros (Mc 4,35-41). Como mostra a primeira leitura de hoje, Pedro guia-nos no nosso testemunho fiel de Cristo e, mesmo que tenhamos de sofrer por isso, estamos "na barca" (Mc 4,35-44).feliz por ter merecido esse ultraje pelo Nome". (Actos 5, 41). E guia-nos no caminho para Cristo (Jo 21,7).

Mas todos nós, à nossa pequena maneira, recebemos uma parte da autoridade de Pedro: também nós, como pais, bons amigos ou almas consagradas a Deus no celibato, devemos apascentar os cordeiros e cuidar e apascentar as ovelhas que nos foram confiadas.

Artigos

Nem progressista nem conservador. Francisco promoveu a responsabilidade pessoal pelo voto

Francisco recordou que os cristãos podem escolher livremente a sua opção política, desde que formem a sua consciência de acordo com a doutrina social da Igreja. A unidade católica não se baseia em ideologias, mas numa ética partilhada que exige clareza moral e responsabilidade pessoal.

Fernando Mignone-30 de abril de 2025-Tempo de leitura: 3 acta

São muitos os católicos que confundem a sua opinião política pessoal com a verdade moral e religiosa. Têm dificuldade em saber o que é opinião e, portanto, prudência na arte prática da ação política e social. Pensam que o cristianismo é conservador, ou que é progressista. Ao mesmo tempo, desconhecem muitas vezes a verdade ética, devido a uma grande ignorância religiosa e ao relativismo ambiental.

Francisco ensinou ao mundo que a Igreja não é de direita nem de esquerda, é simplesmente católica, o que significa universal. Cada católico pode escolher ser politicamente conservador ou progressista. E, portanto, um católico, um cristão, vota de acordo com a sua consciência, uma consciência bem formada, de acordo com o ensinamentos sociais da Igreja. Prudencialmente. Mas aqui está o cerne da questão: há tanta ignorância ética!

Por exemplo, no Canadá, um católico podia votar nos liberais de Mark Carney, que ganharam as eleições de 28 de abril, ou nos conservadores de Pierre Poilievre, que perderam as eleições. Ambos os partidos promoveram políticas problemáticas do ponto de vista da doutrina social da Igreja. Qual seria o mal menor?

A propósito das eleições americanas de novembro passado, Francisco disse numa conferência de imprensa no avião papal, a 14 de setembro de 2024: "É preciso escolher o menor de dois males. Aquela senhora (Kamala Harris) ou aquele cavalheiro (Donald Trump)? Não sei. Toda a gente com consciência tem de pensar nisto e escolher. Expulsar imigrantes, deixá-los onde quiser, abandoná-los... é uma coisa terrível de se fazer, há maldade nisso. Expulsar uma criança do ventre da mãe é um assassínio, porque há vida".

Poucos dias antes de o Senado argentino ter legalizado o aborto, a 30 de dezembro de 2020, Francisco tinha sublinhado, a propósito dessa lei: "O Filho de Deus nasceu descartado para nos dizer que cada pessoa descartada é um filho de Deus. Ele veio ao mundo como uma criança vem ao mundo, fraco e frágil, para que possamos acolher com ternura as nossas fragilidades".

A uma deputada argentina, o Papa tinha escrito em novembro de 2020: "Sobre o problema do aborto, tenham em mente que não se trata, em primeiro lugar, de uma questão religiosa, mas de uma questão de ética humana, anterior a qualquer confissão religiosa. É correto eliminar uma vida humana para resolver um problema? É correto contratar um assassino para resolver um problema?"

Há dez anos, na sua famosa encíclica Laudato si (nn. 60-61) Francisco afirmou: "Desenvolveram-se várias visões... e possíveis soluções. Num extremo, há quem se agarre ao mito do progresso a todo o custo e afirme que os problemas ecológicos serão resolvidos simplesmente com novas aplicações técnicas, sem considerações éticas ou mudanças substantivas. No outro extremo, outros entendem que o ser humano, com qualquer das suas intervenções, só pode ser uma ameaça e prejudicar o ecossistema global e que, por isso, é desejável reduzir a sua presença no planeta e impedir que intervenha de qualquer forma".

"Entre estes extremos, a reflexão deve identificar possíveis cenários futuros, porque não existe um caminho único para uma solução. Isto daria origem a vários contributos que poderiam entrar em diálogo para obter respostas globais. Em muitas questões concretas, a Igreja não tem motivos para propor uma palavra definitiva e entende que deve escutar e promover o debate honesto entre os cientistas, respeitando a diversidade de opiniões. Mas basta olhar com honestidade para ver que há uma grande deterioração da nossa casa comum. A esperança convida-nos a reconhecer que há sempre uma saída". O que ele escreve sobre a nossa casa comum, o planeta Terra, poderia ser aplicado a muitas outras questões candentes.

Com o seu magistério, Francisco quis responsabilizar os governantes, os dirigentes, os intelectuais e cada cristão, cada cidadão comum: sensibilizá-los para promoverem soluções moralmente boas. Sobre o matrimónio e a família, sobre a vida desde a conceção até à morte natural, sobre Gaza e o Congo e outras guerras, sobre a imigração, a economia, a saúde... Não esqueçamos, para terminar com um exemplo dilacerante, que quase 800 milhões de pessoas (ou seja, 10 % da humanidade) têm dificuldade em ter acesso a uma alimentação adequada: para elas, todos os dias são dias de jejum. Existe uma "policrise", devida, entre outros factores, às alterações climáticas e aos conflitos, que está a inverter os progressos na luta contra a fome (ver o relatório de duas ONG europeias. Índice Global da Fome 2023).

O autorFernando Mignone

Montreal / Toronto

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Vaticano

Cardeais apelam às orações do Conclave

Um comunicado do colégio cardinalício, publicado na manhã de 30 de abril, pede aos fiéis que rezem pelo iminente conclave.

Javier García Herrería-30 de abril de 2025-Tempo de leitura: 2 acta

Reunido em Roma no âmbito das Congregações Gerais que antecedem o próximo Conclave, o Colégio Cardinalício dirigiu uma mensagem ao Povo de Deus convidando-o a viver este momento eclesial como um tempo de graça e de discernimento espiritual, numa atitude de escuta da vontade de Deus.

Os Cardeais, "conscientes da responsabilidade a que são chamados, sentem a necessidade de serem sustentados pela oração de todos os fiéis. Esta é a verdadeira força que, na Igreja, promove a unidade de todos os membros do único Corpo de Cristo (cf. 1 Cor 12, 12)".

Os prelados estão conscientes do desafio que têm pela frente e pedem humildemente a oração dos fiéis: "a enormidade da tarefa que temos diante de nós e a urgência do tempo presente, é necessário sobretudo fazermo-nos humildes instrumentos da infinita sabedoria e providência do nosso Pai celeste, em docilidade à ação do Espírito Santo.

O texto do comunicado apela à intercessão da Santíssima Virgem Maria para que "acompanhe estas orações com a sua materna intercessão".

Iniciativas de oração para o conclave

Por ocasião do próximo conclave, várias comunidades católicas lançaram iniciativas digitais para convidar os fiéis de todo o mundo a unirem-se em oração pelos cardeais eleitores e pela eleição do futuro Papa. A comunidade em linha Mosteiro Wi-Fi reactivou a sua popular plataforma "Adotar um Cardealque permite a qualquer pessoa receber, de forma aleatória, o nome de um cardeal pelo qual se compromete a rezar durante o processo.

Por seu lado, o canal católico EWTN publicou nas suas redes sociais um galeria de imagens dos 135 cardeais eleitores, com o objetivo de aproximar os seus rostos e carreiras dos fiéis.

Hakuna lançou uma campanha criativa intitulada "O teu par, o fogo deleOs "Cardeais da Igreja", através dos quais cada participante recebe o nome de um cardeal para rezar, atribuído em função da data do seu aniversário, num gesto de proximidade espiritual personalizada.

Para além destas propostas, existem ainda Dicas do Opus Deique, através da sua conta no Instagram, promoveu a sua própria forma de se juntar a esta corrente de oração global. Todas estas acções mostram como, em tempos de discernimento eclesial, a Igreja conta com a oração dos seus fiéis, também através dos meios digitais.

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Evangelização

São Pio V, o "Papa de Lepanto", Nossa Senhora do Rosário e a aplicação de Trento

A liturgia celebra São Pio V, talvez a 30 de abril. um dos mais conhecidos dos Papas dominicanos. É recordado por ter sido "O Papa da vitória de Lepanto", por ter conseguido forjar uma "santa aliança" contra os turcos. Também por ter posto em prática os decretos do Concílio de Trento.   

Francisco Otamendi-30 de abril de 2025-Tempo de leitura: 2 acta

Antonio Michele Ghislieri nasceu a 17 de janeiro de 1504 em Alessandria (Itália). Em 1521, com dezassete anos de idade, professou na Ordem dos Pregadoresem Vigevano, adoptando o nome de Miguel. É recordado como "o papa da vitória de Lepanto", não por ser belicoso, mas porque, com o seu prestígio, conseguiu uma "santa aliança" para travar a ameaça dos turcos na batalha de Lepanto.

De facto, em 7 de outubro de 1571, no Golfo de Lepanto, entre o Peloponeso e o Épiro, teve lugar a batalha entre os turcos otomanos e uma coligação cristã, conhecida como os Liga SagradaO Papa S. Pio V promoveu-a. Confiou a vitória a Nossa Senhora do Rosário. Confiou a vitória a Nossa Senhora do Rosário e, para dar graças a Nossa Senhora, instituiu a sua festa a 7 de outubro.

Papa reformador

São Pio Veleito Papa em 1566, dedicou grande atenção aos pobres e necessitados e adoptou importantes e numerosas decisões em matéria teológica e litúrgica. Publicou os novos textos do Missal (1570), do Breviário (1568) e do Catecismo Romano.

Entre as reformas que promoveu, na sequência do Concílio de Trento (1545-1563), contam-se a obrigação de residência para os bispos, a clausura dos religiosos, uma maior santidade de vida para os padres, as visitas pastorais dos bispos, a promoção das missões e a correção dos livros litúrgicos.

Piedade apostólica e tenacidade 

De acordo com a Martirologia romanaSão Pio V, Papa, da Ordem dos Pregadores, que, tendo sido elevado à Sé de Pedro, se esforçou com grande piedade e tenacidade apostólica por pôr em prática os decretos do Concílio de Trento relativos ao culto divino, à doutrina cristã e à disciplina eclesiástica, e também por promover a propagação da fé. Adormeceu no Senhor em Roma no primeiro dia de maio (1572)". Os seus restos mortais repousam no Basílica de Santa Maria Maggiore em Roma, onde o Papa Francisco acaba de ser sepultado.

O autorFrancisco Otamendi

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Cultura

Julia Cameron, a alegria de escrever

Julia Cameron ajuda-nos a descobrir que a escrita é uma atividade maravilhosa: não só é genuinamente humana, como é realmente um dom de Deus e uma forma de oração. O seu livro O caminho do artista vendeu mais de cinco milhões de exemplares.

Marta Pereda e Jaime Nubiola-30 de abril de 2025-Tempo de leitura: 3 acta

Princípio básico n.º 5 do livro A arte de escrever tem a seguinte redação "A criatividade é uma dádiva de Deus. Usá-la é a dádiva que damos a Deus". (p. 39). A pedagogia de Julia Cameron (Libertyville, perto de Chicago, 1948) gira em torno da ideia de que Deus é a favor da criatividade de cada um de nós. E também tenta banir a crença popular de que o artista é tipicamente boémio, problemático e pobre. Cameron defende que todos somos criativos e que devemos cuidar da criatividade uns dos outros. 

Para além de escritora e professora, Julia Cameron é jornalista, artista, cineasta, dramaturga e compositora. A sua mãe era poetisa e o seu pai trabalhava em publicidade. Foi casada com Martin Scorsese (1976-77) e tiveram uma filha, mas a fama repentina dele, a infidelidade e o alcoolismo dela complicaram a sua vida conjugal.

Ultrapassar o bloqueio

Em 1978, divorciada e mãe de uma criança pequena, conseguiu, no entanto, manter-se sóbria. Tinha 30 anos e a sua preocupação era como manter-se criativa e sóbria ao mesmo tempo. Um amigo ofereceu-lhe o livro Ideias criativas (Ernest Holmes, 1964) que o ajudou a abordar a criatividade como um verdadeiro caminho de vida espiritual. A partir desta evolução pessoal, começou a dar aulas sobre como ultrapassar o bloqueio criativo. Com o material dessas aulas, escreveu um livro que fotocopiou e enviou aos seus amigos em processo de recuperação criativa e aos seus alunos. Recebeu muitas manifestações de gratidão pelo seu livro e pensou em publicá-lo.

Numa palestra em Santa Fé, Novo México, onde reside atualmente, Julia Cameron explicou em 2017 que, quando propôs ao seu agente literário que tentasse publicar o livro, este lhe respondeu que o tema não era interessante e que se devia concentrar em escrever guiões de filmes, como tinha feito até então. Felizmente, nessa altura, Júlia já sabia que o livro era necessário, tanto pela sua própria experiência como professora como pelos testemunhos que recebia de alunos e amigos. Assim, despediu o seu agente literário e procurou outra agência. Finalmente, em 1992, o livro foi publicado pela Tarcher-Perigee, atualmente parte da Penguin. O título é O caminho do artista e, desde então, vendeu mais de cinco milhões de exemplares e foi traduzido para inúmeras línguas.

Vida criativa

Julia Cameron é uma afirmação comovente de que, independentemente das crenças de cada um, a criatividade é a própria vida. Em O caminho do artista fala de duas actividades que todos os artistas devem fazer para recuperar e manter a sua criatividade: escrever três páginas por dia sobre o que quer que esteja a pensar no momento e fazer uma atividade criativa semanal a sós, chamada "encontro com o artista", que pode ser qualquer coisa, desde ver um filme ou ir a um museu até comprar algo de pouco valor num bazar... Também encoraja o artista em recuperação a dar um passeio na solidão. No seu sítio Web, explica porque é que as três páginas diárias e o encontro com o artista são tão importantes. A primeira, porque ajuda a desanuviar a cabeça e a descobrir o que o impede de criar; a segunda, para manter o poço criativo cheio.

Em cada capítulo, propõe também pequenas tarefas, inspiradoras e simples, como método para trazer a vida criativa até nós: arranjar um canto da casa para ser o nosso lugar criativo, dar-nos pequenos mimos - como comprar morangos - ou transplantar uma planta para um vaso maior. Quem não consegue fazer este tipo de coisas?

Julia Cameron não teve uma vida fácil, mas como disse numa entrevista em maio de 2006: "Quando escrevo, sinto-me alegre, o que explica o facto de ter sido tão produtivo".. Na introdução de O direito de escrever (1998) apresentou-se da seguinte forma: "Escrevo desde muito jovem e, à medida que envelheço, escrevo cada vez com mais frequência e abranjo cada vez mais géneros. Escrevi obras narrativas e não literárias, filmes, peças de teatro, poemas, ensaios, críticas, artigos de jornal e até música. Escrevo por amor, por dinheiro, para fugir, para me distanciar, para me ligar, para me sintonizar e para fazer quase tudo em que a escrita tenha alguma utilidade. Durante mais de trinta anos, a escrita tem sido a minha companheira constante, a minha amante, a minha amiga, o meu trabalho, a minha paixão e a forma como me relaciono comigo própria e com o mundo em que vivo. A escrita é o meu modo de vida e, por vezes, parece mesmo ser a razão da minha vida". (p. xv).

Escrita e espiritualidade

Julia Cameron foi educada como católica e é provável que esta educação a tenha ajudado a descobrir o significado profundamente espiritual de toda a atividade criativa, particularmente na escrita pessoal. Os seus livros ajudaram muitas e muitas pessoas a iniciarem-se na escrita, alargando assim a sua experiência espiritual: "A escrita torna-nos donos do nosso mundo: torna-o direta e especificamente nosso. Temos de escrever porque os seres humanos são seres espirituais e a escrita é uma forma poderosa de oração e meditação que nos liga tanto às nossas próprias intuições como a um nível mais elevado e profundo de orientação interior. Devemos escrever porque a escrita traz clareza e paixão ao ato de viver. [...] Devemos escrever porque é bom para a alma". (Ibid., p. xvi).

O autorMarta Pereda e Jaime Nubiola

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Teologia do século XX

"Mere Christianity" de C. S. Lewis

Mero Cristianismo é uma das obras mais conhecidas de C. S. Lewis, pois nela ele discute algumas das chaves da fé com as quais cristãos de diferentes denominações podem se identificar.

Juan Luis Lorda-30 de abril de 2025-Tempo de leitura: 7 acta

O livro Mero Cristianismo de C. S. Lewis, tem acompanhado muitos convertidos à fé cristã. Aproxima-se deles e ajuda-os a compreender com originalidade e vivacidade as chaves da fé. É o resultado de um conjunto de conferências transmitidas pela BBC durante os primeiros anos da Segunda Guerra Mundial (1941-1942), quando a Inglaterra enfrentou sozinha o poder de Hitler e viveu as agruras do conflito: bombardeamentos aéreos, bloqueio marítimo e manobras dos serviços secretos; as derrotas no continente, a deslocação de milhares de pessoas, feridos e mortos.

Era necessário mobilizar não só os corpos, mas também os espíritos. E a famosa companhia britânica pensou num sopro religioso. Dada a variedade religiosa na Grã-Bretanha (anglicanos, calvinistas, metodistas, católicos...), preferiram evitar clérigos conhecidos.

A eleição foi para C. S. Lewisque era (apenas) Companheiro do Magdalen College (Oxford). C. S. Lewis tinha regressado à fé cristã em Oxford (1929-1931), era membro praticante da Igreja de Inglaterra e sentiu-se obrigado a confessar a sua fé. Isto nem sempre foi bem aceite no seu ambiente académico. Talvez por isso, com mais de 40 anos, só foi colega e não conseguiu uma cátedra em Oxford mas, muito mais tarde, em Cambridge (1955). As suas conferências sobre o tema O problema da dor (1941), com a questão premente: como é que um Deus bom pode permitir tanto mal?

A abordagem do Mero Cristianismo

Foram transmitidas três séries de conferências. A primeira sobre o sentido moral e a existência de Deus: O certo e o errado como chave para compreender o mundoO segundo, sobre Comportamento cristãoO terceiro, sobre Para além da Personalidade ou Primeiros Passos na Doutrina da Trindade. Foram um grande sucesso e muitas pessoas ficaram gratas por elas naquela hora tão má. Corrigiu-os e publicou-os separadamente (1942-1944) e, mais tarde, corrigiu-os novamente e reuniu-os em O mero cristianismo (1952), mero cristianismo ou "cristianismo sem mais". 

O título alude ao que lhe tinha sido pedido: deviam servir todos os cristãos sem entrar em polémica. Concentrar-se no que é válido para todos, no que é mais cristão. É por isso que ele não aborda alguns temas (a estrutura da Igreja ou a Virgem Maria, por exemplo). Mas aborda os fundamentos, com o espírito de os repensar. Aconselhando os pregadores, insistiu um dia que, se não formos capazes de traduzir as fórmulas em que acreditamos noutras fórmulas, não as compreendemos verdadeiramente. É o que ele tenta fazer aqui, aproximando-se da mentalidade do homem comum e das suas dificuldades face a certos temas: a redenção, a Trindade, o mal. Ele quer também desmontar e desmontar o mundo. Quer também desmontar e reconstruir alguns clichés: "Tem de haver algo mais além", "Cristo foi, em última análise, (apenas) um mestre de moral", "A moral cristã consiste em sermos cidadãos corretos e evitarmos certos pecados".

Este esforço de tradução e de reformulação é a base da originalidade e da profundidade teológica de C. S. Lewis. Ele não se sentia um teólogo profissional e não se aprofunda em temas demasiado especializados. Interessa-se por aqueles que um cristão deve viver. Fá-lo com a sua eminente capacidade de apresentar os argumentos de forma sintética, encontrando exemplos inteligentes. E, assim, conseguiu produzir uma das obras mais significativas da teologia do século XX. E um texto magistral em muitos aspectos.

O conteúdo

Embora as séries fossem independentes, estão ligadas entre si e estão organizadas em 4 "livros", porque a primeira série ocupa os dois primeiros. Começa com a descoberta do verdadeiro Deus, através de uma argumentação moral: a experiência constante do juízo da consciência sobre o bem e o mal (o certo e o errado) (livro I). Segue-se uma descrição da doutrina da redenção, centrada na realidade da queda humana e na missão de Cristo (livro II). O terceiro livro trata do comportamento cristão, que rapidamente se concentra em viver em Cristo unido à sua Igreja. E o quarto é uma rápida e inteligente justificação do mistério trinitário e da sua história, passando depois ao modo como o cristão se pode identificar verdadeiramente com Cristo.

A guerra entre o bem e o mal, que aparece aqui, será desenvolvida mais tarde no seu famoso e brilhante Cartas do diabo ao seu sobrinhopublicados na imprensa durante o ano de 1942.  Mero Cristianismo O livro inclui, mas não cita, alguns dos temas de O homem eterno de Chesterton, que Lewis leu em 1926, quando estava a aproximar-se da fé. Por exemplo, a importância da queda original, mas abordada de forma realista e não simplesmente aceite de forma generalizada. Que é insustentável argumentar que "Cristo era, em última análise, uma boa pessoa". como um cristianismo degradado gosta de pensar de si próprio ou "aguado"como diz Lewis. Nos Evangelhos, a figura de Cristo é demasiado poderosa e exigente para que se possa pensar nele apenas como uma pessoa boa ou um simples professor de moral. É o famoso trilema de Lewis, que já está em Chesterton. "Tens de escolher: ou aquele homem era e é o Filho de Deus, ou era um louco ou algo muito pior". (II, 3 in fine). Também a ideia de que, se é verdade que Deus é amor, não pode ser um Deus solitário à espera de criar alguém para amar; uma reflexão subtil e, ao mesmo tempo, profunda e eficaz sobre a Trindade.

A lei moral

O certo e o errado é a tradução correta do título do primeiro "livro" (O certo e o errado), acrescentando "como uma chave para compreender o universo".. Quando Lewis escreve, o argumento moral para a existência de Deus estava intelectualmente desacreditado como ineficaz e inconclusivo (em teoria). Mas Lewis é um observador perspicaz, bem como um convertido. E nota como está profundamente enraizado na vida humana o apelo ao certo e ao errado. Os seres humanos apelam constantemente aos seus direitos e queixam-se de ofensas e injustiças. Ninguém pode queixar-se de nada se não houver direito. Ao queixarmo-nos, com a mesma força, reconhecemos a existência de uma lei moral e de uma ordem que não inventámos e que alguém teve de pôr em prática. A manifestação é tão válida como a queixa, na mesma medida.

Crenças

O que os cristãos acreditams é o título do segundo livro e da segunda parte da primeira série de conferências. Em primeiro lugar, apresenta as possíveis variantes sobre Deus: entre o ateísmo e a crença num Deus; e entre a crença de que tudo é Deus (panteísmo) ou a crença de que tudo não é Deus e que existe um Criador distinto do mundo. Dependendo do caso, o mal pode ou não ser compreendido. Se não há Deus, não há mal, apenas relativamente. Mas se tudo é Deus, também não há mal. O mal propriamente dito só aparece quando existe um Deus bom, mas isso coloca um problema: como é que um Deus bom permite o mal que é então tão evidente (a guerra horrível). É preciso lembrar que Deus nos criou seres livres, e se somos verdadeiramente livres, podemos acertar ou errar, querer o que Deus quer ou não querer.

A realidade da queda, belamente apresentada, significa que o mundo é um "terreno ocupado pelo inimigo"que precisa de um salvamento que não é nada fácil. Este resgate é efectuado por Jesus Cristo, que desembarca neste mundo, incógnito. O que foi uma rutura brutal da obediência devida a Deus encontra a sua solução numa obediência plena até à morte do Filho, ("o penitente perfeito) que abre um caminho. O caminho da identificação com Ele, para ser filho no Filho e cumprir a vontade do Pai. É notável que Lewis insista muito nesta identificação real como a única maneira de viver autenticamente o cristianismo, que não é um conjunto de regras moralistas de pessoas bem pensadas e educadas.

"As pessoas perguntam-se muitas vezes quando se dará o próximo passo na evolução do homem: o passo para algo que está para além do humano. Mas para os cristãos esse passo já foi dado. Com Cristo, surgiu um novo tipo de homem e um novo tipo de vida". (no início de II, 5). E esta vida, que se recebe através do batismo, da doutrina e da Eucaristia (a Ceia do Senhor), vive-se corporalmente na Igreja. Não pode haver cristianismo na solidão. Cada um é socialmente "incorporado" em Cristo.

Comportamento cristão

O Livro III é dedicado à apresentação da vida cristã, ao mesmo tempo que desmonta a coleção de clichés populares sobre a moralidade. Começa com uma apresentação inteligente das partes da moral. Escolhe, entre outros, o exemplo de uma esquadra de navios. É necessário que sejam ordenados e que não colidam uns com os outros, mas também que cada navio seja sólido internamente (caso contrário, colidirão) e que a esquadra no seu conjunto saiba para onde vai. Segue-se uma breve apresentação das sete virtudes, cardeais e infusas, que é o que faz com que cada uma funcione. E uma apresentação da moral social, insistindo que a mensagem cristã não tem opções fixas na esfera temporal, que é inadequado esperar que os clérigos intervenham e que cabe aos leigos fazer bem. 

A moral sexual é tratada com grande humor e seriedade. Utiliza uma comparação com o comportamento alimentar para colocar, com bom senso, muitas coisas no seu devido lugar. Recorde-se que o cristianismo é praticamente a única religião que valoriza o corpo humano, a ponto de acreditar na ressurreição e na encarnação de Cristo. 

É evidente que, na desordem da nossa concupiscência, há uma desordem do pecado e uma luta para o carregar. Mas também que não é o pior pecado, porque os pecados espirituais, como o orgulho e o ódio, afectam-nos muito mais profundamente. Podemos tender a viver como animais ou como demónios, mas este último é muito pior.

Segue-se um tratamento rápido e eficaz do matrimónio, com destaque para o valor do compromisso. E uma revisão da fé, da esperança e da caridade.

Para além da personalidade

Este é o título do quarto "livro" com os seus onze pontos, correspondentes a outras tantas palestras radiofónicas. Como todo o livro, contém muitas coisas interessantes. Começa com uma reivindicação da importância atual da teologia ("Se não sabes, não é porque não tenhas teologia, é porque tens muitas ideias erradas alojadas na tua cabeça.). E uma distinção entre gerar e fazer, que é a chave para sermos iniciados no mistério da Trindade, quando distinguimos como o Filho foi gerado desde toda a eternidade e a criação foi feita no tempo. Além disso, cada um de nós já foi criado, mas precisa de ser gerado para a vida da graça. E passar da vida natural, biológica (que ele chama de vida da graça) para a vida da graça. Biografias) centrada nos nossos próprios objectivos em detrimento da vida de Deus (Zoé), que é um viver em Cristo pelo Espírito Santo. E esta ideia ganha força ao longo desta parte.

A clareza de Lewis sobre o Espírito Santo é impressionante: Toda a gente gosta de repetir "Deus é Amor", mas parece não se dar conta de que as palavras "Deus é Amor" não têm significado real se Deus não contiver pelo menos duas Pessoas (...). Se Deus fosse uma só Pessoa, então, antes da criação do mundo, Deus não era amor (...). O que emerge da vida conjunta do Pai e do Filho é uma verdadeira Pessoa (...). Talvez alguns achem mais fácil começar com a terceira Pessoa e proceder de trás para a frente. Deus é Amor e esse Amor difunde-se através dos homens, e especialmente através de toda a comunidade cristã. Mas este Espírito de Amor é, desde toda a eternidade, um Amor que se dá entre o Pai e o Filho". (IV,4).

Ele conclui: "No início, eu disse que havia personalidades em Deus. Agora vou mais longe, não há personalidades reais em mais lado nenhum. Enquanto não vos entregardes a Cristo, não tereis um verdadeiro eu (...) Como são monotonamente semelhantes os grandes conquistadores e tiranos; como são gloriosamente diferentes os santos. (...) Cristo dar-vos-á certamente uma verdadeira personalidade, mas não deveis ir ter com Ele só por causa disso (...) O primeiro passo é tentar esquecer completamente o vosso próprio eu (...). O primeiro passo é tentar esquecer completamente o vosso próprio eu (...) Procurai-vos a vós próprios e encontrareis, a longo prazo, apenas ódio, solidão, desespero, raiva, ruína e decadência. Mas procurai Cristo, e encontrareis tudo o resto.".

Vaticano

Rápidos e decisivos: os conclaves dos séculos XX e XXI são assim.

Com excepções históricas, a maioria dos conclaves modernos durou menos de cinco dias. A Igreja tem demonstrado eficiência na eleição dos sucessores de Pedro.

Javier García Herrería-29 de abril de 2025-Tempo de leitura: 2 acta

Após a morte de um pontífice, a Igreja entra em vacância, um período de reflexão e oração que culmina no conclave: a reunião dos cardeais eleitores encarregados de eleger um novo papa. Enquanto na Idade Média os conclaves podiam arrastar-se durante meses ou mesmo anos, o século XX e, até agora, o século XXI revelaram uma notável agilidade nas deliberações, com eleições resolvidas em apenas alguns dias.

Uma análise da história recente mostra como os cardeais tomaram decisões rápidas em momentos cruciais para a Igreja. O conclave mais curto dos últimos 100 anos foi o que elegeu Bento XVI, após a morte de João Paulo II em 2005. Durou apenas 26 horas, o que o torna um dos mais rápidos dos últimos séculos. Em contrapartida, o mais longo da história foi o que elegeu Gregório X, que durou dois anos e nove meses, entre 1268 e 1271.

Os últimos 120 anos

Durante os séculos XX e XXI, os conclaves foram notoriamente curtos. A eleição de Pio X em 1903 foi resolvida em apenas três dias, enquanto o seu sucessor, Bento XV, foi eleito em cinco dias em 1914. Em 1922, Pio XI foi nomeado após quatro dias de deliberações. A eleição de Pio XII, em 1939, também foi rápida, durando apenas três dias.

O empregador continuou com João XXIIIO processo mais curto do século XX foi o de João Paulo I, eleito em três dias em 1958, e o de Paulo VI, cujo conclave de 1963 durou três dias. O processo mais curto do século XX foi o de João Paulo I, eleito em dois dias em 1978. No mesmo ano, João Paulo II, o primeiro papa não italiano em séculos, foi eleito após um conclave de quatro dias.

No século XXI, a escolha de Bento XVI Destaca-se pela sua rapidez excecional: em 2005, bastaram 26 horas para o nomear sucessor de João Paulo II.

Se todos estes precedentes servirem para alguma coisa, no domingo, 11 de maio, haverá certamente um novo Papa.

Vaticano

Sucesso surpreendente de um documentário sobre a Guarda Suíça

O livro oferece uma visão íntima e reveladora da Guarda Suíça Pontifícia, o mais pequeno corpo militar do mundo, responsável pela segurança do Papa durante mais de cinco séculos.

Javier García Herrería-29 de abril de 2025-Tempo de leitura: < 1 minuto

O documentário "O Exército Misterioso do Papa", produzido pela DW Documental, ultrapassou os 3 milhões de visualizações em apenas 10 dias desde a sua publicação no YouTube, o que demonstra o notável interesse dos meios de comunicação social pelo Vaticano atualmente, mesmo para uma instituição secundária como o Vaticano. Guardas suíços.

Através de uma narrativa próxima, o documentário segue vários jovens suíços no processo de se tornarem guardas do Papa: desde a sua decisão inicial, motivada pela fé e pelo desejo de servir, até ao juramento solene de fidelidade que os compromete a proteger o Santo Padre, mesmo com a própria vida. O livro mostra o exigente treino físico, o acompanhamento espiritual e os valores que moldam este corpo de elite único, composto apenas por cidadãos suíços, católicos praticantes e com treino militar prévio.

A câmara mergulha também nos aspectos menos conhecidos da vida quotidiana destes soldados dentro do Vaticano, revelando como a devoção pessoal é integrada na rigorosa disciplina militar. Com relatos em primeira mão, cenas nunca antes vistas e uma abordagem humana, a produção permite perceber porque é que este pequeno exército continua a cativar o mundo.

Dados técnicos do documentário:

  • Título em espanhol: O misterioso exército do Papa
  • Duração: 42 minutos
  • Produção: Documentário DW
  • País: Alemanha
  • Ano de fabrico: 2024
  • Disponível em: YouTube - Documentário DW
Evangelização

Santa Catarina de Sena, virgem e doutora da Igreja

No dia 29 de abril, a Igreja celebra Santa Catarina de Sena, virgem, que lutou pelo regresso do Papa de Avinhão a Roma e pela liberdade e unidade da Igreja. São Paulo VI nomeou-a Doutora da Igreja em 1970 e São João Paulo II, Co-Padroeira da Europa em 1999.  

Francisco Otamendi-29 de abril de 2025-Tempo de leitura: 2 acta

Catalina Benincasa, conhecida como Santa Catarina de Sienanasceu a 25 de março de 1347 em Siena (Itália) e morreu em Roma a 29 de abril de 1380. Na adolescência, fez voto de virgindade, o que não foi bem recebido pela sua família. Em 1363 tomou o hábito da Ordem Terceira de São Domingos e, desde então, esforçou-se por manter uma profunda piedade e devoção a Cristo crucificado. 

Movida pelo seu grande amor a Deus, ao próximo e à Igreja, Catarina começou a escrever cartasembora tivesse dificuldade em escrever. São dirigidas a leigos e clérigos que lhe são próximos, mas também a bispos, abades e cardeais, e até aos Papas do seu tempo. Nas suas cartas O Papa Francisco diz que a sua relação com os Papas é um amor filial e obediente - chama ao Romano Pontífice "il dolce Cristo in terra" - e pede o seu regresso a Roma, a paz e a concórdia nos Estados Pontifícios e um esforço comum para libertar os Lugares Santos e os cristãos da Terra Santa.

Lutou pela liberdade e pela unidade da Igreja.

Em 1376, deslocou-se a Avinhão com alguns amigos para apresentar a Gregório XI o que tinha afirmado nas suas cartas. Depois, no trágico cisma do Ocidente, a partir de setembro de 1378, lutou com determinação por a unidade da Igreja. A sua obra-prima é o "Dialogo della divina Provvidenza", ditado sobre as suas visões nos últimos anos da sua vida.

Foi sepultada na basílica de Santa Maria sopra Minerva e elevada aos altares por Pio II em 1461. O Papa Pio XII declarou-a padroeira de Itália (juntamente com S. Francisco de Assis). São Paulo VI declarou-a Doutora da Igreja (juntamente com Santa Teresa de Jesus) em 1970. E em 1999, São João Paulo II proclamou-a co-padroeira da Europa (com São Bento da Cruz, Edith Stein) e Santa Brígida da Suécia. 

A liturgia celebra também, a 29 de abril, São Hugo de Cluny, cuja abadia governou durante 61 anos, o leigo coreano casado e mártir, Santo António Kim Song-u, e o bispo de Nápoles, São Severo, entre outros.

O autorFrancisco Otamendi

Família

Victor Perez: "Um padre pode inspirar muito os casais".

Victor Perez é um padre com um trabalho muito específico na Igreja de S. José em Houston, EUA. O seu ministério dirige-se principalmente aos casais, a quem acompanha no seu caminho.

Paloma López Campos-29 de abril de 2025-Tempo de leitura: 3 acta

Victor Perez é um padre com um papel muito específico na Igreja de São José em Houstonnos Estados Unidos. O seu ministério dirige-se principalmente aos casais, que acompanha no seu caminho. Ajuda também os jovens adultos a conhecerem melhor Cristo para amadurecerem progressivamente no seu caminho espiritual e para aceitarem com coragem a vocação matrimonial, se for esse o projeto de Deus para eles.

Este jovem sacerdote trabalha diariamente para ajudar os casais que frequentam a igreja a criar uma comunidade unida que os ajude a viver a sua vocação. Para ele, esta comunidade é essencial para que os casais não andem sozinhos, mas tenham uma rede de apoio que os ajude a crescer, a viver a sua fé e a desfrutar da beleza da sua vocação. Para o efeito, associa-se a grupos como o Witness to Love, um movimento nascido nos Estados Unidos há mais de 12 anos que promove uma boa preparação para o matrimónio. Para os membros deste projeto, esta preparação baseia-se na confiança e no acompanhamento.

Convencido da beleza da vocação matrimonial, Victor Perez fala à Omnes sobre o acompanhamento pastoral como instrumento essencial para os casais católicos, que podem sempre encontrar um ajudante disponível em igrejas e grupos como São José ou São João, e sobre a importância do acompanhamento pastoral como instrumento essencial para os casais. Testemunha do amor.

Em que consiste o acompanhamento pastoral dos casais?

Na minha paróquia, este acompanhamento pastoral centra-se sobretudo na criação de uma comunidade para que os casais se conheçam. Depois ajudo-os a colocarem-se questões para se aprofundarem como casal. Temos também grupos de formação dirigidos por casais católicos.

O que mais me interessa é a preparação dos noivos para o casamento. Penso que muitos casais querem casar e é importante dar-lhes uma preparação antes do casamento, mas depois de casados é preciso continuar com eles e não esquecer a importância de uma comunidade que os acompanhe.

Que dificuldades têm os jovens de hoje para se casarem e o que é que a Igreja está a fazer para ajudar estes noivos a lidar com estes problemas?

-É importante que os jovens adultos tenham grupos na paróquia para frequentarem a formação, para conhecerem melhor a Bíblia e para receberem os sacramentos. Penso também que a promoção da Teologia do Corpo ajuda muito.

Os jovens adultos estão à procura da verdade, têm sede de Deus. Se os ajudarmos a colocar Cristo no centro, podem aprender com o Senhor, crescer na sua vida espiritual e preparar-se para o casamento.

Uma coisa que tenho observado no meu ministério é que muitos jovens não se perguntam se querem ou não casar, mas têm a certeza de que querem receber o sacramento. O problema é que não encontram pessoas que partilhem os seus valores e a forma como vêem a vida ou como vêem uma relação de casal. Este é um desafio e a forma de lidar com ele é ter grupos na Igreja onde todos possam entrar, onde os jovens se sintam confortáveis e possam sentir o apelo do Espírito Santo para viver o Evangelho.

Que medidas deve a Igreja no seu conjunto tomar para compreender melhor a realidade do matrimónio?

-É bom que haja líderes na Igreja que sejam casados e que orientem outros casais casados. Estes casais têm de estar envolvidos nas paróquias, trabalhando lado a lado com o padre, porque os casados são também apóstolos.

Porque é que é importante que os casais tenham um acompanhamento pastoral ao longo da sua vida?

-Em parte porque a formação é essencial para viver melhor o matrimónio. Mas insisto que o acompanhamento dos casais com outros casais é fundamental, nos bons momentos e nos momentos de crise.

É errado pensar que, depois do sacramento, os casais podem ficar sozinhos. Tal como depois do Batismo se continua a receber formação e a ser acompanhado, também depois do casamento os casais precisam de caminhar juntos com alguém.

No acompanhamento pastoral, procuro falar do amor sacrificial de Cristo e estou disponível para ouvir os casais e para estar com eles em momentos importantes para a família, como o batismo das crianças.

Penso que um padre pode inspirar muito, porque a vocação sacerdotal é uma vida de sacrifício e de dedicação totalmente orientada para Cristo. Neste sentido, podemos ajudar muito os casais a erguerem os olhos para o céu e a colocarem a santidade como objetivo.

Que formação é que os padres devem receber para acompanhar os casais?

-Penso que a Teologia do Corpo é muito importante, porque ajuda a compreender a grandeza do matrimónio. Estes ensinamentos de São João Paulo II permitem-nos compreender a beleza do sexo, a comunhão das Pessoas na Trindade, da qual o matrimónio é um reflexo, etc.

Os padres precisam de ter uma base sólida de formação intelectual e espiritual, mas também precisam de ter as competências sociais necessárias para que os casais se sintam confortáveis e abram os seus corações e casas.

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Teologia do século XX

Kant e os católicos

Immanuel Kant é o filósofo moderno que mais questões pensou e discutiu, e por isso teve um imenso eco de estímulo reativo, por vezes positivo, no pensamento católico, de Balmes a Blondel, Marechal ou João Paulo II.

Juan Luis Lorda-29 de abril de 2025-Tempo de leitura: 7 acta

O famoso filósofo prussiano Immanuel Kant (1724-1804) deixou um testemunho pessoal de uma pessoa honesta e trabalhadora. Era mais simpático e sociável do que um registo anedótico mal escolhido o retrata por vezes. De origem humilde e protestante, com um empenhamento intelectual e uma seriedade moral a que nunca renunciou, embora tenha perdido a fé na revelação cristã e talvez em Deus. Alguns fragmentos da sua Opus postumum (ed. 1882, 1938) pode dar esta sensação, que é difícil de avaliar. 

O esclarecimento de Kant

É o mais representativo e, ao mesmo tempo, o menos esclarecido, porque os outros não são tão profundos nem tão sérios. E não era maçon. E, além disso, há muitos ilustrados católicos (Maias, Feijóo, Jovellanos...). Mas ele definiu O que é a ilustração (1784), resumindo-o no lema "Atreva-se a saber". (sapere aude). Isto significava tornar-se intelectualmente adulto e libertar-se dos tutores e da tutela (e também da censura estatal prussiana e protestante) para pensar por si próprio e procurar o conhecimento em todas as fontes autênticas. Um ideal que os católicos podiam abraçar e abraçaram em todo o conhecimento natural. Mas estamos conscientes de que precisamos da revelação de Deus para conhecer as profundezas do mundo criado e de nós próprios, e também para nos salvarmos em Cristo.

Mas Kant, como muitos do seu tempo e do nosso, não confiava nos testemunhos históricos cristãos. Por isso, quis separar a religião cristã da sua base histórica (Jesus Cristo) e compôs A religião dentro dos limites da razão (1792). Reduzindo o cristianismo a uma moral sem dogma, e tendo amplas repercussões nos mundos protestante (Schleiermacher) e católico (modernismo). 

Diz-se que, tal como o pensamento católico depende de Aristóteles cristianizado por São Tomás, o pensamento protestante depende de Kant cristianizado por Schleiermacher (1768-1834). A diferença é que São Tomé O vocabulário de Aristóteles ajuda-o a pensar e a formular bem a Trindade e a Encarnação, enquanto para Schleiermacher, o agnosticismo de Kant obriga-o a transformar os mistérios cristãos em metáforas brilhantes. Tudo o que resta é a consciência humana perante o absoluto e Cristo como realização última (pelo menos por enquanto) dessa posição. E o mandamento do amor ao próximo como aspiração à fraternidade universal, que é o que o liberalismo protestante que segue Schleiermacher resumirá da seguinte forma A essência do cristianismo (1901, Harnack). 

Mas o católico Guardini recordar-lhe-á que A essência do cristianismo (ed. 1923, 1928) é uma pessoa e não uma ideia, Jesus Cristo. Que este Jesus Cristo é O Senhor (1937), o Filho de Deus, com o qual estamos unidos pelo Espírito Santo. E que tudo isto é celebrado, vivido e expresso na liturgia sacramental da Igreja (O espírito da liturgia, 1918).

A Crítica da Razão Pura

Duas tradições colidem na formação filosófica de Kant: por um lado, a tradição racionalista de Spinoza e Leibnitz, mas sobretudo a de Christian Wolff (1679-1754), hoje quase desconhecido, mas autor de uma obra filosófica enciclopédica com todas as especialidades e metafísica, centrada em Deus, no mundo e na alma. Kant não conhecia diretamente nem a escolástica medieval nem a tradição grega clássica (não lia grego). Por isso, a sua Crítica da razão pura (ed. 1781, 1787)Acima de tudo, critica o método racionalista de Wolff e a sua metafísica. 

Esta posição choca com o empirismo inglês, especialmente o de Hume (1711-1776), com a sua distinção radical entre a experiência dos sentidos (empírica) e a lógica das noções, que dão origem a dois tipos de provas (Matéria de facto / Relação de ideias). E a sua crítica de noções-chave como a "substância (noção de sujeito ontológico), que inclui o eu e a alma, e a do "causalidade. Para Hume, um feixe de experiências do eu unidas pela memória não pode ser convertido num sujeito (uma alma) e nem uma sucessão empírica e habitual pode ser convertida numa verdadeira "causalidade racional". onde a ideia de uma coisa obriga logicamente a outra. A isto junta-se a física de Newton que descobre um comportamento necessário no universo através de leis matemáticas. Mas como pode haver um comportamento "necessário" num mundo empírico?

Kant vai deduzir que as formas e ideias que a realidade não pode dar, porque é empírica, são detidas e dadas pelas nossas faculdades: a sensibilidade (que dá o espaço e o tempo), a inteligência (que detém e dá a causalidade e as outras categorias kantianas) e a razão (pura), que maneja as ideias de alma (eu), mundo e Deus, como forma de unir coerentemente toda a experiência interna (alma), externa (mundo) e a relação entre as duas (Deus). Isto significa (e é isto que Kant diz) que a experiência externa coloca a "matéria" de conhecimento, e as nossas faculdades dão-lhe "formulário".. Assim, o que é inteligente é fixado pelo nosso espírito e não é possível discernir o que está para além dele. Kant não reconhece este facto, mas o idealismo posterior levá-lo-á ao extremo (Fichte e Hegel).

Reacções católicas

O Crítica da razão pura suscitou imediatamente uma forte reação nos meios católicos, sobretudo entre os tomistas. Muitas vezes inteligente, outras vezes deselegante. Foi provavelmente o meio que lhe dedicou mais atenção, consciente do que estava em causa. Embora a referência imediata de Kant seja a metafísica de Wolff (e isso produz algumas distorções), toda a metafísica clássica (e a teoria do conhecimento) é afetada. Este esforço deu mesmo origem a uma disciplina no currículo, chamada, conforme o caso, Epistemologia, Crítica do Conhecimento ou Teoria do Conhecimento.

A tradição tomista, com todo o seu arsenal lógico escolástico, dispunha de instrumentos de análise mais finos do que os utilizados por Kant, embora as análises kantianas também os tenham por vezes ultrapassado. Com uma certa ignorantia elenchiKant repropõe o problema escolástico dos universais, que foi imensamente debatido. Ou seja, como é que é possível derivar noções universais da experiência concreta da realidade. Isto requer uma boa compreensão da abstração e separação, e da indução, operações de conhecimento que foram muito estudadas pela escolástica. Além disso, a "entidades da razão". (como o espaço e o tempo) que têm uma base real e podem ser mentalmente separados da realidade, mas não são coisas, nem formas prévias de conhecimento.

O jesuíta Benedict Stattler publicou um Anti-Kantem dois volumes, já em 1788. Desde então, foram publicados muitos outros. É de registar a atenção que lhe dedicou Jaime Balmes na sua Filosofia fundamental (1849), e Maurice Blondel no seu Notas sobre Kant (em A ilusão idealista1898), e Roger Vernaux, no seu comentário às três críticas (1982) e noutras obras (como o seu vocabulário kantiano). Também os autores católicos das grandes histórias da filosofia, que lhe dedicam importantes e serenas críticas. Teófilo Urdánoz, por exemplo, dedica 55 páginas do seu História da filosofia (IV) ao Crítica da razão purae Copleston quase 100 (VI). É claro que Kant fez pensar muito o mundo católico.

A Crítica da Razão Prática

Para além do Crítica da razão pura acaba num certo (embora talvez produtivo) trava-línguas e num círculo vicioso (porque não há forma de saber o que podemos saber), o Crítica da Razão Prática (1788)é uma experiência interessante sobre o que a razão pura pode estabelecer autonomamente em matéria de moral. É claro que se deve dizer desde já que a moralidade não pode ser deduzida inteiramente pela razão, porque é em parte extraída da experiência (por exemplo, a moralidade sexual ou económica) e há também intuições que nos fazem perceber que algo funciona ou não funciona, ou que há um dever de humanidade ou que vamos fazer mal. Mas Kant tende a ignorar o que parece ser "sentimentalismo".porque se propõe ser inteiramente racional e autónomo na descoberta das regras universais da ação. Este é o seu mérito e, ao mesmo tempo, o seu limite.

Como primeiro imperativo categórico (auto-evidente e autoimposto), afirmará: "Age de tal forma que a máxima da tua vontade possa ser sempre válida ao mesmo tempo que o princípio de uma legislação universal".. Um princípio válido e interessante em abstrato, embora na sua aplicação prática na consciência exija um alcance e um esforço que em muitos casos é impossível: como deduzir dele todos os comportamentos quotidianos. Um segundo princípio, que aparece no A razão de ser do Metafísica da moral (1785), é: "O homem, e em geral todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo, e não apenas como um meio para qualquer uso desta ou daquela vontade; ele deve em todas as suas acções, não apenas as dirigidas a si mesmo, mas as dirigidas a outros seres racionais, ser sempre considerado ao mesmo tempo como um fim". (A 65).

Só por esta feliz formulação, Kant mereceria um grande lugar na história da ética. João Paulo II, ao refletir sobre os fundamentos da moral sexual, baseou-se fortemente nesta máxima para distinguir o que pode ser um uso desrespeitoso de outra pessoa, ou, dito de forma positiva, que a vida sexual é sempre um tratamento digno, justo e belo entre pessoas (Amor e responsabilidade, 1960). E deu origem àquilo a que o então professor de moral, Karol Wojtyla, chamou "regra personalista".. À consideração kantiana, acrescentou que a verdadeira dignidade do ser humano como filho de Deus exige não só o respeito mas também o mandamento do amor. Cada pessoa, devido à sua dignidade pessoal, merece ser amada.

Há um outro aspeto marcante na tentativa kantiana de uma moral racional e autónoma. Trata-se da "três postulados da razão prática".. Para Kant, princípios necessários ao funcionamento da moral, mas indemonstráveis: a existência da liberdade, a imortalidade da alma e o próprio Deus. Se não há liberdade, não há moralidade. Se não há Deus, não é possível harmonizar a felicidade e a virtude, e garantir o sucesso da justiça com a devida retribuição. Isto exige também a imortalidade da alma aberta a uma perfeição que é impossível aqui. Isto recorda o comentário de Bento XVI sobre os fundamentos da vida política, que devem ser etsi Deus daretur, como se Deus existisse. A moral racional também só pode funcionar etsi Deus daretur.

   Por último, é surpreendente o facto de Kant se referir, em diferentes locais, à "mal radical".. A evidência, tão contrária à racionalidade adulta e autónoma, de que o ser humano, com espantosa frequência e com plena lucidez, não faz o que sabe que deve fazer ou faz o que sabe que não deve fazer: a experiência de S. Paulo em Romanos 7 ("Não faço o bem que quero fazer, mas o mal que não quero fazer".Como o compreender? E, mais ainda, como o resolver?

O tomismo transcendental de Marechal (e de Rahner)

O jesuíta Joseph Marechal (1878-1944) foi professor na casa jesuíta de Lovaina (1919-1935) e dedicou grande atenção a Kant, o que se reflecte nos cinco volumes da sua obra O ponto de partida da metafísica (1922-1947) publicados pela Gredos num único volume e traduzidos, entre outros, por A. Millán Puelles. Particularmente no volume IV (ed. francesa), Maréchal prestou atenção ao tema kantiano das condições a priori ou condições de possibilidade do conhecimento.

   Karl Rahner (1904-1984), sempre atento aos últimos desenvolvimentos intelectuais, tomou emprestado algumas noções e vocabulário do tomismo transcendental de Maréchal. Acima de tudo, o "condições de possibilidade. A sua teologia fundamental baseia-se nisto, porque pensa que o entendimento humano é criado com condições de possibilidade que o tornam capaz de revelação e, nessa medida, são uma espécie de revelação. "athematic". já implícito no próprio entendimento. E é isso que faz com que todos os homens, de alguma forma "Cristãos Anónimos. A crítica a fazer é que o próprio entendimento, tal como é, já é capaz de conhecer a revelação que lhe é dada de uma forma adequada ao modo humano de entender, "com actos e palavras". (Dei verbum). Todos os seres humanos são "Cristãos AnónimosMas não porque já o são, mas porque são chamados a sê-lo.

Assim, de muitas maneiras, Kant fez com que os filósofos e teólogos católicos pensassem e trabalhassem arduamente, mesmo que seja difícil fazer uma avaliação geral dos resultados devido à imensa amplitude e complexidade das questões.

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A beleza invisível, escondida aos olhos, demora a chegar

A beleza exterior é evidente e pode ser realçada, mas a beleza interior exige contemplação e desprendimento do superficial. Para a apreciar, é necessário reduzir o ruído e a pressa, pois a verdadeira beleza floresce em tempos turbulentos, quando procuramos momentos de reflexão, silêncio e cultura.

29 de abril de 2025-Tempo de leitura: 2 acta

A beleza exterior de uma mulher ou de um homem é geralmente evidente, sobretudo se for realçada pelo bom gosto, por uma maquilhagem cuidada, por roupas adequadas e por adornos escolhidos. Mas a beleza interior, por exemplo, uma maneira de ser atraente, a existência generosa e dedicada de algumas pessoas, ou a transcendência que ultrapassa o aqui e agora, não está ao alcance dos curiosos ou dos distraídos. Exige uma capacidade de contemplação, que pode ser aumentada desde que se esteja disposto a aliviar a concupiscência da visão, pois ela cega o invisível.

É por isso que se fala em manter a visão, em ver para além, em ver o oculto. Isto significa não só não olhar para o pornográfico, o voluptuoso ou o provocante, com a intenção de alcançar outras realidades. Mas também não contemplar livremente o modestamente elegante, o modestamente belo ou o sublimemente humilde que não nos pertence. Desta forma, transcendemos o que é visível aos nossos olhos para alcançar o invisível. 

Mas não são apenas os olhos que têm de ter cuidado para alcançar a beleza escondida, é também necessário reduzir o ruído e abrandar. Nesta era de demasiado ruído, de ecrãs, notícias falsasNuma época em que andamos muito depressa e há muita azáfama, pode parecer que não se consegue atingir um estado de contemplação ou de fruição da beleza ou da arte, mas isso não é verdade.

Para Ignacio Vicens, professor de Projectos Arquitectónicos na Universidade de Valência, a Universidade Politécnica de MadridO gosto da beleza exige lentidão", vamos demasiado depressa para saborear a beleza. Pensamos que isso não pode ser controlado quando a maioria dos fantasmas está na nossa cabeça. Podemos fazer tempos de jejum digital gratuito ou de silêncio político. polarização. Isso não depende da sociedade, depende de nós, podemos parar e parar um momento e contemplar a beleza.

A verdade, a bondade e a beleza são princípios que sustentaram o Ocidente. Hoje, para muitos, tornaram-se obsoletos. Mas será verdade, estarão todos obsoletos? Na realidade, nenhum deles, mas a verdade parece ter sido ultrapassada pela pós-verdade, a bondade varrida pela narrativa, mas a beleza... Será que a beleza foi ultrapassada? A beleza nasce nos períodos mais conturbados, complicados e turbulentos. Não nos períodos pacíficos, simples e serenos. E agora estamos numa mudança de época e é tempo de criatividade e de beleza, só temos de encontrar tempo pessoal e familiar para ler, pensar, estar em silêncio e educarmo-nos.

O autorÁlvaro Gil Ruiz

Professor e colaborador regular do Vozpópuli.

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Zoom

O Papa Francisco descansa em Santa Maria Maggiore

Uma luz ténue ilumina a réplica da cruz peitoral do Papa Francisco que pode ser vista na lápide do Papa Francisco em Santa Maria Maggiore.

Maria José Atienza-28 de abril de 2025-Tempo de leitura: < 1 minuto
Educação

A resposta cristã à emergência emocional

Mons. José Ignacio Munilla reflecte sobre a proposta da Igreja face à crise afetivo-sexual que se vive na sociedade atual.

Mons. José Ignacio Munilla-28 de abril de 2025-Tempo de leitura: 2 acta

Nunca esquecerei aquele dia 3 de novembro de 2012 em que, na catedral de Valência, no âmbito do primeiro Congresso Nacional da Pastoral Juvenil, organizado pela Conferência Episcopal Espanhola, apresentei uma comunicação intitulada "A evangelização dos jovens perante a emergência afectiva". O subtítulo da palestra especificava mais pormenorizadamente o conteúdo da reflexão: "Narcisismo, pansexualismo e desconfiança, as três feridas a curar".. Assim que terminei o meu discurso, um padre aproximou-se para me dizer: "Tem consciência de que descreveu no seu discurso não só as feridas dos jovens de hoje, mas também as dos próprios padres?". Ao que eu respondi: "E também as feridas dos bispos, dos casais e da sociedade no seu conjunto! O problema não é geracional, mas atinge-nos a todos".

O impacto de uma conferência

Nos meus 18 anos de bispo, fiz centenas de reflexões sobre temas relacionados com a evangelização e a vida espiritual, mas nenhuma foi tão bem recebida como esta reflexão sobre o "emergência afectiva".. A explicação era simples: tínhamos posto o dedo no ponto nevrálgico; e ele acabou por ser não só a crista da onda, mas o problema de fundo. Estávamos ainda no início do pontificado do Papa Francisco, e a denúncia da emergência educativa já então feita por Bento XVI manifestava-se agora, em toda a sua crueza, na emergência afectiva gerada pela perda de sentido numa sociedade secularizada. 

Mas, obviamente, de pouco serviria fazer um diagnóstico dos males se não fosse acompanhado de propostas concretas para curar as nossas feridas e alcançar a maturidade humana. A resposta fundamental tem um nome próprio: Jesus Cristo. Foi isso que quis sublinhar na frase com que terminei a minha intervenção em Valência: "O coração não pertence a quem o parte, mas a quem o remenda! Ou seja, o coração do jovem é do Coração de Cristo".. Esta declaração é particularmente atual na sequência da recente publicação da encíclica Dilexit Nosem que o Papa Francisco nos pede para interpretar o seu magistério anterior a partir da chave do Coração de Cristo. De facto, o Coração de Jesus não é apenas a escola humana do amor divino, mas também a escola divina do amor humano. Por outras palavras, Jesus não só nos ensina que Deus é amor, mas também nos ensina a amar. Este é um exemplo prático de como a mensagem cristã integra o natural e o sobrenatural. 

Uma proposta

Entre as propostas concretas que fiz nessa apresentação, sublinhei a necessidade de coordenar a pastoral familiar, educativa e juvenil, a fim de implementar a educação afetivo-sexual em plena harmonia com a antropologia cristã e a moral católica. Muitos passos foram dados, mas ainda estamos longe de uma implementação generalizada da educação afetivo-sexual em todas as nossas áreas. Por incrível que pareça, continuamos a ver instituições de propriedade católica que colocam esta formação nas mãos das administrações públicas.

Quando se trata de educação afetivo-sexual, não há dúvida de que é importante ter em conta a dimensão emocional, mas talvez hoje estejamos perante o risco de uma excessiva psicologização da educação. É um erro centrar toda a educação afetivo-sexual no que sentimos, esquecendo a importância da responsabilidade moral pelos nossos actos, em coerência com a vocação ao amor que a revelação de Jesus Cristo nos revela.

O autorMons. José Ignacio Munilla

Bispo de Orihuela-Alicante

ColaboradoresFernando Gutiérrez

Não estamos sós

Muitos vivem hoje em dia perante lutas e projectos sem compreenderem que só com Deus encontramos a felicidade. Chegou o momento de lembrar ao mundo que, sem Deus, nada podemos fazer.

28 de abril de 2025-Tempo de leitura: 2 acta

Se olharmos à nossa volta, veremos que há muitos irmãos e irmãs que vivem hoje como se Deus não existisse. Como se, quando Jesus morreu na cruz, Deus tivesse morrido com Ele. Como se os dois Emaús não teria regressado a Jerusalém correndo como loucos depois de sentirem os seus corações a arder.

Se olharmos à nossa volta, vemos casais que lutam com os seus próprios meios para não naufragarem no meio das ondas. Não compreendem o que lhes está a acontecer, quando há alguns anos nos amávamos tanto! 

Se olharmos à nossa volta, veremos que muitas boas acções são realizadas sem o Deus dessas acções. Os bons projectos que nascem de corações nobres esquecem aquele que teve a ideia brilhante que os precedeu. 

Se olharmos à nossa volta, sentiremos que a maneira como muitas pessoas caminham com os olhos postos no chão, sem cumprimentar quem passa, é uma consequência de se terem esquecido de que fomos chamados a viver olhando para o céu. 

Se olharmos à nossa volta, deparamo-nos todos os dias com rostos tristes e aborrecidos que não sabem sorrir ou não querem sorrir. Pessoas a quem queremos gritar: "Podes ser feliz! 

Se olharmos à nossa volta, veremos que aqueles que têm tudo para ser as pessoas mais felizes do mundo não são felizes e, pelo contrário, veremos a alegria e a esperança a transbordar nos rostos daqueles que tiveram menos sorte. 

Chegou o momento de recordar ao mundo o que Nosso Senhor disse um dia com tanta clareza: "Eu sou a videira, vós sois os ramos. Aquele que permanece em mim e eu nele dá muito fruto. Porque sem mim nada podeis fazer". Nada? Exatamente, nada. 

Chegou o momento de dizer a todos que temos um Pai que nos ama, que é louco de amor e que contou todos os cabelos da nossa cabeça. Um Pai que fica feliz quando os seus filhos voltam a ele para reconhecer, do mais íntimo da sua alma, que podemos contar com a sua ajuda em tudo e para nos lembrar, uma e outra vez, que não estamos sós.

O autorFernando Gutiérrez

Leiga missionária e fundadora da Missão Filhos de Maria.

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Vaticano

Juan Vicente Boo: "No conclave de 2013 não houve qualquer fuga de informação, foram tudo falsas especulações".

Entrevista com Juan Vicente Boo sobre a comunicação e a desinformação durante o período de vacatura da sede.

Maria José Atienza-28 de abril de 2025-Tempo de leitura: 4 acta

Juan Vicente Boo é um vaticanista veterano. Foi correspondente da ABC em Bruxelas, Nova Iorque e Roma durante quase quarenta anos. Desde a sua chegada a Roma em 1998, foi testemunha quotidiana dos últimos sete anos de João Paulo II, do pontificado de Bento XVI e dos primeiros nove anos do Papa Francisco. Como jornalista, acompanhou estes três papas a bordo dos seus aviões em mais de 60 viagens internacionais. Foi enviado especial em 77 países.

Boo foi promotor e diretor executivo da agência televisiva internacional Rome Reports, especializada no Vaticano. Sobre questões religiosas, escreveu O Papa da alegria (2016), 33 chaves para o Papa Francisco (2019) y Decifrar o Vaticano (2021).

O que é que o leitor deve ter em conta ao avaliar a informação gerada no período de vagas? 

Sugiro que sigam os vaticanistas veteranos, pois os jornalistas que vêm como enviados especiais - normalmente mais de três mil - não têm, logicamente, a capacidade de analisar ou de separar o essencial do secundário. Como antigo correspondente em Bruxelas ou em Nova Iorque, posso garantir que é muito mais fácil fazer reportagens sobre a União Europeia, a NATO ou as Nações Unidas do que sobre o Vaticano, a instituição mais complexa do mundo devido à sua história e à variedade de facetas, desde a espiritual à artística.

Além disso, é preciso ter cuidado para não confundir um "fumo branco" com um "fumo cinzento". Em 2005, o cardeal decano levou consigo um telefone especial para informar o porta-voz do Vaticano assim que o cardeal eleito aceitasse. Mas esqueceu-se, simplesmente porque... foi eleito. É importante não se deixar enganar pelas felicitações oficiais a um suposto cardeal recém-eleito - como aconteceu em 2013 - antes de o verdadeiro nome ser anunciado na varanda da Basílica de São Pedro.

Dos jornalistas que cobrem o conclave, acha que conhecem a Igreja ou muitos dos problemas de interpretação resultam de uma abordagem superficial? 

Muitos dos que chegam como enviados especiais conhecem a Igreja mas, mesmo entre eles, poucos conhecem o Vaticano. O problema da superficialidade é duplo: o jornalista inexperiente que faz a reportagem a partir de Roma e os editores, que conhecem ainda menos o terreno, selecionam temas vistosos mas secundários e são tendenciosos a favor dos "clicks" ou dos títulos sensacionalistas. Já vi muitos jornalistas sentirem-se mal por verem os seus patrões estragarem o seu trabalho.

Quais são os maiores desafios para um jornalista que faz uma reportagem sobre um conclave? 

Para os vaticanistas, o primeiro desafio é deixar de lado as preferências pessoais sobre os candidatos. Muitas vezes é necessário apresentar selecções de cinco ou dez "papáveis" e depois é preciso ter em conta as hipóteses de os cardeais votarem neles.

O segundo desafio é separar o trigo do joio. No passado, prestou-se demasiada atenção aos vaticanistas italianos. Sempre houve demasiado "ruído" mediático nesses tempos, mas a atual omnipresença dos meios de comunicação digitais, dos bloguistas e dos influenciadores tornou-o ensurdecedor. Muito do que é apresentado como "notícia" - especialmente os instantâneos - não tem valor, mesmo que os algoritmos da rede o transformem em tópico de tendências ou "viral".

Já passou por várias, que ideias ou situações se repetem e que coisas novas experimentou de uma para a outra?

Tive a sorte de cobrir o conclave de 2005 para eleger o sucessor de João Paulo II e o conclave de 2013 para eleger o sucessor de Bento XVI. Foram muito diferentes. Em 2005, muito poucos cardeais tinham experiência de um conclave, pois tinham passado 26 anos desde o anterior. Para além disso, São João Paulo II era uma figura tão imponente que quase ninguém se atrevia a intervir longamente nas reuniões pré-conclave dos cardeais, ou a propor candidatos para ocupar o lugar de um gigante.

Em vez disso, a humilde resignação de Bento XVI e a sua forma serena de estudar cada questão facilitou um debate muito interessante em 2013 sobre os problemas e as prioridades da Igreja. Um exercício deste género produz sempre um "esboço" do candidato necessário, e Jorge Bergoglio foi o escolhido. 

Que estratégias utilizam os jornalistas para obter informações fiáveis num evento tão secreto? 

Os vaticanistas veteranos e discretos conquistam, ao longo dos anos, a confiança e a amizade dos cardeais mais valiosos e podem trocar com eles breves impressões durante os dias pré-conclave. Mas tanto os veteranos como os novatos podem ouvir todos os dias o porta-voz do Papa, que resume o conteúdo dos debates, mas sem identificar o autor de cada intervenção. Joaquín Navarro-Valls, em 2005, e Federico Lombardi, em 2013, tiveram um desempenho excecional. 

Já assistiu a tentativas de manipulação da opinião pública antes ou durante um conclave através dos meios de comunicação social?

As tentativas - por vezes brutais - de manipular a opinião pública têm sido constantes ao longo do pontificado de Francisco, tendo aumentado nos últimos anos. A maior parte delas provém de interesses económicos e políticos dos EUA. Nos dias que antecedem o conclave, as notícias falsas sobre os "papais" são por vezes mais numerosas do que as verdadeiras.

Qual foi a fuga de informação mais surpreendente que viu sobre um conclave?

Nos conclaves de 2005 e 2013 não houve verdadeiras fugas de informação sobre o que se estava a passar na Capela Sistina, foram tudo falsas especulações. Eram todas falsas. Talvez a "fuga de informação" mais divertida tenha sido feita por São João XXIII quando revelou várias votações renhidas com o cardeal arménio Agagianian: "No conclave, os nossos dois nomes subiram e desceram nas votações como grão-de-bico em água a ferver".

O melhor e mais bem documentado livro que reúne os comentários posteriores dos cardeais participantes é "A eleição do Papa FranciscoAn Inside Account of the Conclave That Changed History" [Um relato interno do conclave que mudou a história].do vaticanista Gerard O'Connell, publicado em 2020.

Papéis: muito barulho por nada

A especulação sobre os "papáveis" antes de um conclave é muitas vezes incerta, uma vez que a escolha do Papa depende de dinâmicas internas imprevisíveis. Seguir os prognósticos dos media é uma forma de se agitar interiormente.

27 de abril de 2025-Tempo de leitura: 2 acta

Nos últimos tempos, sempre que se aproxima a possibilidade de um conclave, há uma especulação interminável sobre quem será o próximo Papa. As listas de "papáveis", as análises dos "especialistas" e as apostas circulam sem parar, mas a realidade é muito mais incerta do que parece. A história tem demonstrado que as eleições papais podem trazer grandes surpresas, como foi o caso da eleição de João Paulo II em 1978.

O caso de Karol Wojtyla é um exemplo claro de como o Espírito Santo e a dinâmica interna do conclave podem conduzir a uma eleição inesperada. Nessa ocasião, dois cardeais italianos eram os favoritos, mas a divisão no seu apoio impediu que qualquer um deles alcançasse a maioria necessária. No fundo, havia dois grandes grupos que não estavam dispostos a apoiar o candidato rival em circunstância alguma. Era, portanto, necessário procurar um cardeal não italiano que fosse aceite por uma ampla maioria. Surgiu assim a figura de um polaco praticamente desconhecido, que acabou por ser eleito e deixar a sua marca na história da Igreja.

Atualmente, a situação não é muito diferente. Dos 135 cardeais eleitores, muitos não se conhecem. A ausência de encontros frequentes, como os consistórios de cardeais, dificultou o contacto e o conhecimento mútuo, o que torna qualquer prognóstico ainda mais incerto. Há cerca de 30 cardeais bem conhecidos, quer porque trabalham na cúria romana, quer porque saltaram para a ribalta dos media por uma razão particular, mas nenhum deles tem uma liderança suficientemente clara para obter rapidamente a votação de dois terços. Assim, apesar da insistência dos media em apontar para os "papáveis", a realidade é que a eleição pode ir para alguém inesperado.

Além disso, o interesse mediático gerado pela eleição papal incentiva os jornalistas a alimentar o debate com nomes e perfis dos cardeais mais visíveis. Os títulos que incluem a palavra "papável" são muito tentadores e os leitores caem facilmente no "clickbait", mas isso não significa que sejam realmente os mais prováveis. Até que a votação comece e os primeiros escrutínios tenham lugar, não será possível vislumbrar quem tem realmente hipóteses. A dinâmica do conclave é imprevisível e, até que os cardeais votem várias vezes, não será possível vislumbrar a tendência da eleição.

Por conseguinte, é aconselhável relativizar as especulações e, sobretudo, não perder de vista o facto de que, nestas eleições, tal como na história da Igreja, a Providência desempenha o seu papel. No fim de contas, como já disse RatzingerNão será o Espírito Santo a escolher o Papa, mas Ele manterá a Igreja e o Papa acima das estratégias e previsões humanas.

O autorJavier García Herrería

Editor da Omnes. Anteriormente, foi colaborador de vários meios de comunicação social e leccionou filosofia ao nível do Bachillerato durante 18 anos.

Notícias

María Pía Chirinos: "Na Laudato Si' o ser humano é simultaneamente recetor e agente de cuidados".

Entrevista com o Vice-Reitor da Universidade de Piura no Campus de Lima sobre o impacto da Laudato Si' e do magistério papal na ecologia.

Maria José Atienza-27 de abril de 2025-Tempo de leitura: 4 acta

Doutorada em Filosofia pela Universidade de Navarra, María Pia Chirinos é atualmente Vice-Reitora da Universidade de Navarra. Universidade de Piura no Campus de Lima, onde é também professora catedrática da Faculdade de Ciências Humanas. 

Esta instituição está particularmente empenhada em cuidar da nossa casa comum e, nos próximos meses, celebrará, juntamente com a St. Thomas Universidade de Minnesotaum congresso para celebrar o 10º aniversário da encíclica Laudato Si''. do Papa Francisco. Um evento que, como ela própria salienta, será uma ocasião especial para recordar e prestar homenagem ao pontífice que destacou a importância do cuidado com a criação para a vida da Igreja. 

Nesta entrevista à Omnes, Chirinos reflecte sobre a falta de conhecimento do magistério eclesiástico sobre o cuidado do planeta e sublinha a importância do ser humano como centro e responsável pela criação divina. 

Na sua opinião, quais são as chaves para interpretar a Laudato si' na nossa sociedade atual? 

-A ideia subjacente à Laudato Si' já se encontra na primeira homilia do Papa, a 19 de março de 2013. Por outras palavras, a Encíclica continua simplesmente a sua preocupação com o homem e a mulher enquanto guardiães da criação. 

Na Laudato Si', a presença do ser humano é ambivalente, não é unívoca: o ser humano é simultaneamente destinatário de cuidados e agente de cuidados. Neste contexto, há chaves importantes para a nossa sociedade: a equivalência entre a dimensão ecológica e a dimensão social - "uma verdadeira abordagem ecológica torna-se sempre uma abordagem social" (LS 49); a relação entre justiça e pobreza, não só humana mas também da natureza - devemos "escutar tanto o grito da terra como o grito dos pobres" (LS 49) - ou o apelo a uma ecologia integral, que a partir da casa comum abraça todas as criaturas, leitmotiv do documento. Todas estas ideias e outras são fundamentais para uma compreensão mais alargada da nossa sociedade e dos seus principais desafios.

O Papa apelou então a uma "conversão ecológica". Como é que este pedido pode ser posto em prática? 

-Na Encíclica, esta "conversão ecológica" encontrou expressões mais fortes. Por exemplo, a denúncia da "esquizofrenia, que vai desde a exaltação tecnocrática que não reconhece o valor dos outros seres até à reação de negar qualquer valor particular ao ser humano". Se o Papa fala de uma esquizofrenia, de uma vida dupla, a conversão deve ser orientada para uma compreensão do mundo em "unidade de vida". 

Não se trata de uniformizar todas as criaturas, mas de reconhecer o valor de cada uma - Kant distinguiria entre o valor da natureza e a dignidade do ser humano - e, sobretudo, de revalorizar a nossa tarefa de cuidar e preservar a nossa casa comum. 

Tornar este pedido realidade é um grande desafio para a humanidade de hoje, mas é um desafio que nos deve apaixonar. Porquê? Pela simples razão de que - pelo menos os cristãos - podemos contribuir para a sua resolução a partir da posição de cada um de nós: do meio académico, através da investigação e do ensino de disciplinas humanísticas e científicas; do meio empresarial, procurando a sustentabilidade e a justiça social; do meio político, com leis que respeitem a vida e promovam o cuidado da natureza; e de muitas outras áreas, como a comunicação, a economia, etc.

Com este magistério ecológico, Francisco retomou parte do apelo dos seus antecessores, mas será que conhecemos pouco a profundidade da relação entre toda a criação? 

Sabemos pouco sobre ela, e sabemo-la mal. Há uma questão subjacente que torna isto difícil: a falta de compreensão da matéria e, mais especificamente, da matéria viva ou o que em alemão se chama Leib (corpo vivo). 

Desde a modernidade, tudo o que é matéria é entendido como uma realidade inerte e abstrata. Hoje há movimentos ambientalistas que denunciam, com razão, esse abuso, mas caem na posição extrema que anatematiza o poder do ser humano sobre a natureza. O Papa Francisco denuncia esse sentido do poder. O poder é serviço, é cuidado, é respeito. Tal visão é própria da visão judaico-cristã, já presente nas primeiras páginas do Génesis. Deus cria Adão não só para dominar e trabalhar a terra, mas também para a guardar. O domínio não deve ser entendido como abuso ou prepotência. Os modernos fizeram-no e muitos transferem erradamente esse significado para o Génesis. No entanto, no início, o papel de Adão era muito claro: ele conhecia tudo o que foi criado, deu-lhe um nome e devia guardá-lo. 

Na universidade onde trabalha, a questão do cuidado com a casa comum é uma das suas linhas de trabalho mais importantes. Que indicações lhe deu o magistério pontifício neste domínio? Que iniciativas está a levar a cabo? 

-Devido às circunstâncias geográficas da universidade - que nasceu no meio de um deserto que sofre as consequências das alterações climáticas, como o fenómeno El Niño - a nossa instituição foi obrigada a considerar projectos de especial impacto. Um deles - que remonta aos anos 80 - foi o de reflorestar o nosso campus. Os seus 130 hectares tornaram-se o pulmão de oxigénio da cidade de Piura, graças à plantação de centenas de sementes de alfarrobeiras, que albergam agora uma flora e uma fauna ricas em espécies diversas.  

Além disso, o nosso programa de arquitetura, através de antigos alunos que já se formaram, está a abordar problemas de planeamento urbano nas cidades que nos rodeiam, a fim de melhorar a qualidade de vida. 

No nosso campus de Lima, implementaremos energias renováveis como parte de um projeto-piloto de gestão energética, pioneiro entre as universidades da capital. 

Por último, mas não menos importante, estamos a organizar em conjunto com a Universidade de St. Thomas (Minnesota, EUA) um congresso por ocasião do décimo aniversário da Laudato Si'.que terá lugar em Lima no início de julho. Nunca imaginámos que se tratasse de uma homenagem póstuma ao Papa Francisco.